A importância da “alma” da profissão médica

O Dr. Lacerda Sales assinou no PÚBLICO um artigo que está em perfeita consonância com os valores da única medicina que poderá ter este nome, a medicina centrada no doente. Qualquer outra não existe como tal.

Há alguns dias atrás, o Sr. Professor Walter Osswald, chamou-me a atenção para um artigo de opinião da autoria do Sr. Dr. António Lacerda Sales, publicado no jornal PÚBLICO em 7 de Abril de 2021, recomendando-me a sua leitura. Fi-lo mal me foi possível, tendo-lhe agradecido a preciosa indicação que me deu. Desde já, felicito o seu autor por este texto de grande qualidade e oportunidade e que nos suscita várias reflexões.

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Há alguns dias atrás, o Sr. Professor Walter Osswald, chamou-me a atenção para um artigo de opinião da autoria do Sr. Dr. António Lacerda Sales, publicado no jornal PÚBLICO em 7 de Abril de 2021, recomendando-me a sua leitura. Fi-lo mal me foi possível, tendo-lhe agradecido a preciosa indicação que me deu. Desde já, felicito o seu autor por este texto de grande qualidade e oportunidade e que nos suscita várias reflexões.

Esta pandemia assumiu proporções catastróficas e o que caracteriza uma catástrofe é que o número de vitimas é sempre superior aos meios disponíveis para as socorrer. O grande desafio que se fez aos serviços de saúde, na pandemia pelo vírus SARS-CoV-2, foi o de no mínimo tempo possível mobilizar os meios necessários para se fazer uma expansão adequada das instalações, dos recursos humanos e de equipamentos dos serviços de saúde, bem como de toda a rede de saúde pública, de modo a diminuir o mais possível os danos, mantendo-se uma resposta adequada a qualquer doente covid ou não covid com doença grave e urgente a necessitar de cuidados hospitalares. Tal como refere o autor deste artigo, esta foi a grande prova a que os Serviços de Saúde dos países mais afetados pela pandemia foram submetidos. Um sistema de saúde com uma organização previamente sólida aproveitará com muito maior rentabilidade e eficácia os meios adicionais disponibilizados para fazer face à crise e poderá até robustecer-se para o futuro, embora para que tal aconteça não baste apenas a injeção de dinheiro.

O autor, muito oportunamente e a propósito da pandemia, chama a atenção para que pensemos mais, agora e no futuro, no cuidado com os mais frágeis e na vulnerabilidade da coesão social.

A este propósito cito José Tolentino de Mendonça: “No meio de toda esta tribulação, abrem-se imprevistos espaços para a fraternidade entre os seres humanos.”

É com alegria que vejo referencias muito positivas em relação aos profissionais de saúde. Cuidar de doentes é muito mais do que uma profissão: é necessário que exista uma motivação intrínseca, a vocação. Esta pressupõe o ideal de ajudar o próximo e implica, tal como refere o Dr. Sales, gostar dos doentes. Não pode ser bom profissional o médico ou o enfermeiro ou outro profissional de saúde que não goste de pessoas e particularmente das mais fragilizadas. Esta vocação pode ser agredida quando existe uma dissonância entre os seus valores e os valores da instituição onde trabalha. É este desencontro que leva ao tão falado “burnout, problema real, importante e grave, e que afeta todos os grupos etários da medicina. Há três pilares fundamentais de que o médico necessita para se precaver do “burnout”: a competência, a autonomia e o relacionamento saudável entre os membros de toda uma equipa e desta com os doentes.

A entrega incondicional dos profissionais de saúde aos doentes com covid, enaltecida pelo autor do artigo, não é de estranhar, porque a situação de emergência e catástrofe fez vir à tona os valores que caraterizam a vocação médica e que estavam muitas vezes “abafados” por rotinas burocráticas ou objetivos de produção, e que na situação de catástrofe foram ultrapassados, e que nada têm a ver com o ato médico e com a relação médico-doente. Este facto pode ter aumentado a motivação intrínseca.

A importância da “alma” da profissão médica, enfatizada neste artigo e que tem semelhanças à de outras profissões que se ocupam no cuidado aos doentes, tem um carater universal e é consensual para aqueles que escolheram ser médicos por vocação. O autor refere-os neste artigo como “entrega pessoal, elevados padrões morais, códigos éticos rigorosos, especial responsabilidade perante a sociedade, espirito de serviço, compromisso para com o doente “

Estes valores, comportamentos e relações, tradicionalmente adotados pelos médicos, são a essência da profissão médica.

O documento emanado do Accreditation Council for Graduate Medical Education (Chicago, 2008)  refere como atributos do profissionalismo médico o “altruísmo, respeito, integridade, compaixão, disponibilidade, excelência, responsabilidade, sentido do dever”.

“Há entre os médicos uma congruência nos valores éticos que transcende as culturas e épocas da história pela natureza dos valores morais inerentes à Medicina como atividade humana” (Pellegrino ED, Bull N Y Acad Med 1990;66:221-32).

No preambulo do documento Medical Profissionalism in the New Millenium: a Physician´s Charter, publicado simultaneamente, em acesso livre, nas revistas médicas Lancet (2002;359:520-522) e na Annals of Internal Medicine (2002; 136:243-246), refere-se: “O Profissionalismo é a base do contrato da Medicina com a Sociedade. Este implica colocar os interesses do doente acima dos do médico, estabelecendo e mantendo padrões de competência e integridade e, como peritos, os médicos devem providenciar aconselhamento à sociedade em matérias de saúde.”

O artigo de opinião do Dr. Lacerda Sales está em perfeita consonância com os valores da única medicina que poderá ter este nome, a medicina centrada no doente. Qualquer outra, não existe como tal.

Muito obrigado, Sr. Dr. Lacerda Sales.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico