Sem animais, como é que a cosmética testa agora os seus produtos?

Com o aumento da legislação que proíbe ou desencoraja o uso de testes em animais, o desafio que se coloca aos cientistas é saber até que ponto é possível prever a reacção do nosso sistema imunitário a novas substâncias, como cosméticos, sem utilizar animais.

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André Caetano

O sistema imunitário é constituído pelo conjunto de processos do nosso organismo que nos defendem de qualquer ameaça. Existem dois tipos de imunidade, a imunidade inata e a imunidade adquirida. A imunidade inata constitui a primeira linha de defesa do organismo, e inclui a pele. A imunidade adquirida engloba a acção de células do sistema imunitário (nomeadamente, linfócitos T e B – dois tipos de glóbulos brancos), e caracteriza-se por uma resposta mais específica e que gera memória imunitária, ou seja, vai permitir ao nosso organismo reagir mais rapidamente da próxima vez que contactar com a mesma ameaça.

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O sistema imunitário é constituído pelo conjunto de processos do nosso organismo que nos defendem de qualquer ameaça. Existem dois tipos de imunidade, a imunidade inata e a imunidade adquirida. A imunidade inata constitui a primeira linha de defesa do organismo, e inclui a pele. A imunidade adquirida engloba a acção de células do sistema imunitário (nomeadamente, linfócitos T e B – dois tipos de glóbulos brancos), e caracteriza-se por uma resposta mais específica e que gera memória imunitária, ou seja, vai permitir ao nosso organismo reagir mais rapidamente da próxima vez que contactar com a mesma ameaça.

Estes dois tipos de imunidade actuam em conjunto e de uma maneira orquestrada, mantendo a vigilância imunitária do organismo humano. Qualquer perturbação no equilíbrio destes dois tipos de imunidade pode causar doença, como por exemplo as alergias.

Neste contexto, é importante abordar as alergias cutâneas e a testagem de novas substâncias produzidas quer pela indústria farmacêutica, quer pela indústria química (produtos de limpeza, adubos, pesticidas, tintas, entre outros), quer pela indústria cosmética.

O que é a dermatite de contacto alérgica?

A dermatite de contacto alérgica é um dos tipos de alergia mais frequentes, e resulta da sensibilização cutânea – uma reacção do nosso sistema imunitário em resposta ao contacto da pele com substâncias que provocam alergia.

Esta doença tem um grande impacto na saúde e na qualidade de vida dos doentes, e a sua prevalência tem vindo a aumentar a nível mundial, afectando cerca de 20% da população europeia. É por isso muito importante garantir que as substâncias presentes nos produtos que usamos no nosso dia-a-dia não provocam este tipo de alergias.

Actualmente, qualquer substância comercializada é testada quanto à potencialidade para provocar alergia cutânea, como a dermatite de contacto alérgica, através de testes que utilizam animais. Excepto na cosmética: nesta área os testes em animais já são proibidos na União Europeia desde 2004, e a partir de 2009 passaram a ser também proibidos os testes aos seus ingredientes, bem como a comercialização daqueles que foram testados em animais fora da União Europeia. Assim, o desenvolvimento de testes que não utilizem animais tem sido fortemente incentivado no geral, não só na cosmética, ​pela actual legislação europeia em vigor, nomeadamente pela legislação REACH (Registration, Evaluation and Authorization of Chemicals).

Como desenvolver testes capazes de prever se uma nova substância induz alergia cutânea sem usar animais?

Actualmente, já existem testes não-animais que permitem identificar parâmetros toxicológicos, por exemplo a irritação cutânea, utilizados na indústria cosmética. Outros testes estão em validação para avaliar a alergia cutânea.

Como o processo de sensibilização da pele é complexo, envolvendo várias células e órgãos, o desenvolvimento de um teste não-animal requer uma combinação de ensaios alternativos que mimetizem o que ocorre no organismo (in vivo). O grande desafio é que estes ensaios sejam capazes de substituir os testes em animais, fazendo o melhor uso dos dados com o menor número de testes possível. No entanto, ainda não se sabe como integrar todos os dados disponíveis para prever a capacidade de novas substâncias provocarem sensibilização cutânea e, ainda mais complexo, com que potência o fazem. Isto pode ser particularmente importante para definir as concentrações máximas de uma determinada substância para que esta não provoque alergia.

Como é que a investigação está a contribuir para desenvolver estes testes?

Várias abordagens têm sido desenvolvidas, mas até ao momento ainda nenhuma delas demonstrou a capacidade de simultaneamente identificar e quantificar a alergia cutânea.

No Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) da Universidade de Coimbra, tem havido investigação dedicada ao desenvolvimento de um teste não-animal, de alto rendimento, robusto e rápido. Este teste não só é capaz de prever as potencialidades de novas moléculas induzirem alergia cutânea como de avaliar a potência com que o fazem. Esta abordagem integra dados obtidos através de três tipos de teste (in vitro, in silico e in chemico), avaliando os vários mecanismos que se sabe estarem envolvidos no desenvolvimento da alergia cutânea.

Os testes in vitro utilizam células da pele humana, recolhidas e mantidas em cultura no laboratório. Assim, conseguimos testar nessas células a capacidade das novas substâncias desencadearem uma resposta inflamatória. Esta capacidade é testada avaliando a activação das células dendríticas da pele – outro tipo de células do nosso sistema imunitário que está envolvido no processo de desenvolvimento da alergia cutânea.

Por outro lado, os testes in silico usam ferramentas digitais para avaliar características que estão relacionadas com os principais mecanismos de sensibilização da pele, como a penetração na pele. Por fim, os ensaios in chemico fornecem informações sobre a capacidade de as novas substâncias estabelecerem ligações com componentes da pele, um dos eventos iniciais na alergia cutânea. Esta investigação é feita em colaboração com a indústria cosmética, que fornece continuamente novas moléculas para serem testadas.

Assim, a investigação tem vindo a trabalhar a par com a indústria no desenvolvimento de métodos alternativos capazes de substituir a utilização de animais, fundamental para a promoção de uma investigação e inovação responsáveis. Este tipo de modelos não-animais que está a ser desenvolvido no CNC vai ser útil para todas as indústrias que ainda recorrem a modelos animais, mas também para melhorar os testes não-animais já usados na cosmética.

Autores: Ana Silva (Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC)), Bruno Neves (Universidade de Aveiro), Gonçalo Brites (CNC e Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, ou FFUC)), Isabel Ferreira (FFUC e CNC) e Maria Teresa Cruz (FFUC e CNC)

Ilustração: André Caetano

Produção e revisão: Marta Quatorze e João Cardoso

Coordenação do projecto: Sara Varela Amaral

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