No mesmo dia em que fui trabalhar para a Eslováquia, a Amazon anulou o contrato

Poucas horas depois de receber o computador da Amazon, recebo um e-mail dizer que o contrato iria ser anulado. Todas as despesas da ida e do regresso ficaram no meu nome e as minhas poupanças foram investidas em algo que só posso descrever como um tirar de tapete brusco e sem qualquer tipo de misericórdia.

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No início de Março recebi uma notícia com um sabor agridoce: uma proposta de trabalho em Bratislava, na Eslováquia. Não fosse o quadro de pandemia em que vivemos, era algo que me entusiasmava. Depois de ponderar decidi aceitar a proposta e foi-me pedido que me mudasse para o país em causa, visto que a empresa requer que qualquer colaborador esteja dentro da fronteira do país onde está empregado.

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No início de Março recebi uma notícia com um sabor agridoce: uma proposta de trabalho em Bratislava, na Eslováquia. Não fosse o quadro de pandemia em que vivemos, era algo que me entusiasmava. Depois de ponderar decidi aceitar a proposta e foi-me pedido que me mudasse para o país em causa, visto que a empresa requer que qualquer colaborador esteja dentro da fronteira do país onde está empregado.

Começou então uma fase de planeamento extenso, as viagens compradas, ainda que com vários percalços, e, após semanas de despedidas e investimentos, chegou o dia. A viagem seria do Porto para Madrid com uma noite no aeroporto, depois Londres e, finalmente, Bratislava. Com a situação da pandemia os voos são escassos e há que ter em conta as restrições de cada país; todavia, a viagem ser tão demorada não me assustava pois sabia que, chegando a Bratislava, iria para o quarto que tinha alugado e conseguiria recuperar as energias antes da data de início.

Mas os problemas começaram logo em Madrid, quando fui impedida de embarcar para Londres. Exigiam-me a compra de um kit de teste ao novo coronavírus, teste que teria de ser feito no segundo e oitavo dia de estadia no Reino Unido. Após apresentar todos os documentos que comprovavam que estaria em Londres por cerca de quatro horas, para um voo de ligação, e mesmo depois de mostrar a informação do governo britânico que claramente referia que passageiros que estejam no país por menos de 48 horas não necessitam de comprar o kit, continuei a ser impedida de embarcar. Pedi que me trocassem então o voo para Viena, contudo foi-me dito que teria de adquirir um novo bilhete a um preço ridiculamente caro. A má informação dos funcionários do aeroporto deixou-me sem forma de embarcar e com o teste previamente realizado muito perto de atingir as 72 horas.

Eram 5h da manhã em Madrid e não podia ligar a ninguém a pedir um conselho, decidi então comprar um voo para Viena por outra companhia e embarquei. Chegando a Viena consegui viajar até à fronteira e finalmente cheguei ao quarto alugado. Todo este esforço valeria a pena uns dias depois, pensava eu, assim que começasse o novo trabalho.

Na véspera de começar estava previsto ser-me entregue o computador da empresa e assim foi. Poucas horas depois recebo um e-mail da empresa a dizer que o contrato iria ser anulado pois não tinha passado no meu background check. Nenhuma outra informação foi adiantada nesse e-mail, sendo que apenas deixaram um número para contactar caso quisesse recorrer da decisão. Liguei para esse número e atendeu-me um português muito simpático que me explicou que dois antigos empregadores não tinham comunicado com a empresa. Contudo, se fossem fornecidos por mim recibos de vencimento dessas empresas, o caso seria reaberto e a contratação poderia continuar. Assim o fiz.

Enviei os documentos em falta, ao que me respondem que não iriam reabrir o caso nem prosseguir com a contratação. A empresa em questão é a Amazon. Horas antes as notícias mundiais estavam inundadas com as queixas dos camionistas que não tinham com ir a uma casa-de-banho a não ser dentro dos camiões. Nessa altura senti um enorme receio pelo meu futuro. Se uma empresa é capaz de fazer isso e não se responsabilizar, o que será de mim que ainda nem tinha começado?

Tinha, contudo, o contrato assinado e pensei que seria uma vantagem. Foi-me aconselhado pela colega de casa um escritório de apoio legal gratuito a estrangeiros e enviei o meu caso para lá. Dias mais tarde seria informada que, de acordo com a lei local, o contrato poderia ser anulado nos três primeiros meses sem qualquer tipo de responsabilização por parte da empresa. Entretanto contactei a Amazon e fiz saber que mesmo que não fossem continuar com a minha contratação já me tinha instalado no país e, como tal, o mínimo seria reembolsarem-me pelas despesas da mudança.

Prontamente responderam que não o iriam fazer e não mais me responderam. Não me foi dada uma palavra de ajuda ou conforto. Fiquei sozinha num país que não conhecia, sem qualquer ajuda ou palavra por parte da Amazon, no meio de uma pandemia. Valeu-me o apoio da família e dos amigos que jamais me deixaram sentir isolada e prontamente me ajudaram a regressar a Portugal. Estar sozinha e longe de casa sem saber como seria o amanhã foram dias de agonia e desespero. Cada momento era de incerteza e os dias pareciam uma imensidão de dor sem fim. A Embaixada e a Amazon até ao dia de hoje não me falaram nem me prestaram qualquer tipo de auxílio neste momento difícil. Todas as despesas da ida e do regresso ficaram no meu nome e as minhas poupanças foram investidas em algo que só posso descrever como um tirar de tapete brusco e sem qualquer tipo de misericórdia.

Debati-me bastante em escrever sobre esta situação, é muito privada e ainda estou a recuperar de tudo o que aconteceu. Contudo, é imperativo que esta história seja conhecida e se salvar alguém da agonia de estar sozinho num país desconhecido sem uma palavra da Amazon para mim será uma vitória e toda esta dor terá valido a pena.