As vozes e os retratos de quem vive no Bairro da Jamaica chegaram ao MAAT

A instalação Model of Jamaika é um modelo do antigo lote 10 do Bairro da Jamaica e guarda as histórias e retratos de quem ainda mora nestes prédios inacabados do Seixal. Faz parte da exposição X não é um país pequeno, que fica no MAAT, em Lisboa, até Setembro de 2021.

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Maquete do antigo lote 10 do Bairro da Jamaica, no MAAT Rui Gaudêncio

Kid Robinn, nascido e criado no Bairro da Jamaica, no Seixal, escreve e canta versos de rap para contar a própria história e a de quem vive neste bairro da margem sul do Tejo. A sua última música, Perspectiva, toca, até Setembro, no MAAT - Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia, no interior de uma maquete do antigo lote 10 do Bairro da Jamaica, demolido em 2019.

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A instalação Model of Jamaika é fruto da colaboração entre o fotógrafo José Sarmento Matos, o arquitecto Paulo Moreira, o Chão – Oficina de Etnografia Urbana, Kid Robinn e os moradores do Bairro da Jamaica. É um dos nove projectos, e o único português, da exposição X não é um país pequeno — Desvendar a era pós-global que ficará no MAAT, em Lisboa, até Setembro de 2021. A curadoria é de Aric Chen e Martina Muzi. 

Ao curvarmo-nos para entrar na miniatura do lote 10 somos transportados para um lugar novo. No interior estão expostas fotografias, há uma cronologia da história do bairro para explorar, toca a música de Kid e é projectado um vídeo, em parte filmado pelos moradores da Jamaica, que documentam o seu dia-a-dia.

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“Percebo pouco disto, nunca vivi as mesmas coisas, mas tinha de encontrar forma de saber mais. Por isso, entreguei máquinas fotográficas para que as pessoas escolhessem o que filmam, o que querem contar”, explica José Sarmento Matos, em conversa com o P3.

Podemos ler, ainda, a carta aberta “em defesa da dignidade humana e pelo direito à habitação”, assinada, em 2017, pelas associações de moradores dos bairros da Jamaica, da Torre, da Quinta da Fonte e 6 de Maio, bairros da Área Metropolitana de Lisboa onde há moradores em risco de desalojamento, a viver sem água canalizada ou luz.

Levar o Bairro da Jamaica para o Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia, reconhece José, evidencia um contraste entre os dois espaços. “Há um confronto com a realidade. Se algumas pessoas não a virem aqui, provavelmente também não irão ao bairro conhecê-la.”

Desigualdade em pandemia

José Sarmento Matos trabalhou neste projecto de Setembro de 2020 a Fevereiro de 2021, financiado por uma bolsa da National Geographic Society para explorar o tema da desigualdade habitacional durante a pandemia. Passou “dias, semanas” no bairro, sonhava com as histórias que ouvia. “É muito amor”, justifica.

Kid Robinn, nome artístico de Roberto Cravid, lembra-se de ser criança e ouvir que, em 2013, o bairro clandestino já não deveria existir. Em 2017, o Ministério do Ambiente anunciava que as 234 famílias a viver nos lotes do Jamaica iriam ter novas casas, adquiridas pela autarquia do Seixal, até 2022, com um investimento superior a 15 milhões de euros. Só o lote 10, agora representado no MAAT, foi demolido e 64 famílias realojadas. “Acho que não vai acontecer [o realojamento em 2022]”, diz Kid, de 23 anos. 

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Bairro da Jamaica, no Seixal, em Dezembro de 2018. Mais de 60 famílias começavam a ser realojadas, antes da demolição do lote 10. Os lotes inacabados do bairro do Vale dos Chícharos, conhecido como bairro da Jamaica, foram ocupados a partir da década de 1980, por famílias portuguesas e imigrantes de São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Angola e Cabo Verde, após a falência da empresa que detinha o terreno. Daniel Rocha

O rapper foi uma das primeiras pessoas a irem até ao MAAT conhecer a instalação Model of Jamaika. “Fiquei orgulhoso por ter contribuído e feliz por ver a concretização do trabalho do José. O mais importante é que as pessoas do bairro se sintam representadas.” Para quem ainda não teve oportunidade de visitar o museu, José Sarmento Matos combinou videochamadas para que vissem a maquete.

“Perante algo que nos deveria envergonhar, o mais fácil é focarmo-nos nos preconceitos em relação aos bairros. É uma protecção para as pessoas, que se escondem no seu privilégio, na sua bolha”, afirma o fotógrafo de 32 anos que já colaborou com o PÚBLICO. Para Sarmento Matos, o propósito desta peça não é mostrar a verdade, mas lançar questões. “Parte de nós questionar, abrir os nossos horizontes para compreender o que acontece ao nosso lado”, a 20 quilómetros da capital, numa “realidade tão distante, mas que poderia ser a nossa”.