Sócrates vira-se para o PS e diz que liderança incentivou declarações “de uma profunda canalhice”
José Sócrates foi recebido com protestos por algumas dezenas de manifestantes junto à porta das instalações da TVI, naquela que é a primeira entrevista desde que foi conhecida a decisão instrutória. Foram arremessados ovos no carro em que o ex-primeiro-ministro chegava.
A primeira entrevista de José Sócrates depois de ser conhecida a decisão instrutória que levará o ex-primeiro-ministro a ser julgado por seis dos 31 crimes de que era acusado começou com o antigo governante a querer deixar claro que não será julgado pelos crimes de corrupção passiva, apesar de o juiz Ivo Rosa ter considerado que existia matéria para que Sócrates fosse julgado pelo crime de corrupção passiva sem demonstração de acto concreto, não se desse o caso de este delito já ter prescrito. “O juiz não me declarou corrupto”, repetiu, argumentando que “na fase de instrução não se declara isto ou aquilo”.
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A primeira entrevista de José Sócrates depois de ser conhecida a decisão instrutória que levará o ex-primeiro-ministro a ser julgado por seis dos 31 crimes de que era acusado começou com o antigo governante a querer deixar claro que não será julgado pelos crimes de corrupção passiva, apesar de o juiz Ivo Rosa ter considerado que existia matéria para que Sócrates fosse julgado pelo crime de corrupção passiva sem demonstração de acto concreto, não se desse o caso de este delito já ter prescrito. “O juiz não me declarou corrupto”, repetiu, argumentando que “na fase de instrução não se declara isto ou aquilo”.
“O que o juiz fez foi considerar que há indícios para me levar a tribunal por um determinado crime”, declarou o ex-primeiro-ministro, antes de iniciar a sua defesa. Sócrates repetiu que é “falso e injusto” que o magistrado tenha afirmado que existem indícios de corrupção, mais não seja porque “esse crime [de corrupção sem acto] já não existe no nosso Código Penal” tendo sido substituído por “recebimento de vantagem indevida” e por isso “um tipo novo de crime”, vincou. “Nem sabia que isso existia. Sempre achei que a corrupção exigia um acto”, declarou. E fez a sua própria síntese da sentença: “O que o juiz diz é que ao longo dos meus seis anos de mandato nunca houve um comportamento contrário ao dever do cargo”, vincou.
Confrontado com a sua relação com Carlos Santos Silva, que enquanto empresário estava responsável pela angariação de clientes estrangeiros para o Grupo Lena, Sócrates afirmou que não teve “nenhuma acção” nem lhe deu “nenhum conselho relativamente a nada que lhe dissesse respeito a algum investimento ou acção empresarial dele aqui em Portugal”. “Depois de sair [do cargo] de primeiro-ministro, fiz algumas coisas que o eng.º Carlos Santos Silva me pediu, por exemplo, na Argélia. Mas fiz isso para a empresa Lena, como fiz para várias empresas. Julguei que era o meu próprio dever fazê-lo”, afirmou, dizendo ter sido contactado por vários empresários depois de ter deixado o Governo.
Juiz Ivo Rosa? “Não nutro simpatia ou antipatia"
“Não faço aprovações nem reprovações”, disse, sobre os juízes que conduziram o processo Operação Marquês. “Não nutro nenhuma simpatia nem antipatia por Ivo Rosa. Eu apenas o considero como um juiz escolhido segundo as regras da lei, coisa que não aconteceu com Carlos Alexandre [anterior juiz]”, declarou. “As decisões que ele tomou relativamente às mentiras que disseram sobre mim e que durante sete anos passaram todos os dias nas televisões não foram mais do que ele fazer o dever dele”, disse. “Não o fez porque gostasse de mim”, acrescentou. Questionado sobre a decisão de Ivo Rosa ter considerado alguns crimes prescritos (quando não teria obrigação de o fazer), Sócrates respondeu que deu “prova” de que “as acusações eram falsas”. “Porque é que o juiz Ivo Rosa decidiu deitar abaixo tudo aquilo? Porque não tinha outra hipótese de o fazer. Porque nós provámos que as acusações eram estapafúrdias”, atirou.
O ex-primeiro-ministro quis dar um exemplo e mostrou um documento apresentado como defesa relativamente ao crime de que era acusado e que envolve a OPA da Sonae. O documento, um despacho do secretário de Estado do Tesouro, daria instruções de abstenção ao representante do Estado, mas José Sócrates diz que o documento “foi escondido pela investigação”. “Eles fizeram muitas coisas ilegais”, disse.
Sócrates quis continuar a defender-se não só dos crimes pelos quais irá a julgamento, como dos restantes. “Vou-me defender desses factos e dessa imputação”, declarou, não sem deixar de lembrar que “ninguém pode invocar um crime que prescreveu”.
Sobre a sua mudança para Paris, Sócrates afirmou que “não foi uma vida de luxo” e que foi ajudado por Carlos Santos Silva “entre 2013 e 2014” como “um investimento” na educação do ex-primeiro-ministro e na educação dos seus filhos. “E isso diz-me respeito a mim e a ele e foi só a partir de 2013”, disse, voltando a repetir que enquanto foi primeiro-ministro não houve nenhum acto que violasse o dever do cargo, apesar de o juiz Ivo Rosa ter identificado esses empréstimos em Dezembro de 2010, enquanto Sócrates ainda era primeiro-ministro. Pouco depois de ter justificado a necessidade de pedir “empréstimos” a Carlos Santos Silva, o ex-primeiro-ministro defendeu a riqueza da sua família, desde o cofre da mãe “que recebeu três heranças” ao Almanaque de 1943 que terá uma reportagem também sobre a riqueza do avô de Sócrates, Júlio Monteiro, e as suas “muitas posses”. “Isto é muito humilhante, ter que falar nisto”, disse.
Declarações de Medina foram “uma profunda canalhice"
Em reacção à declaração do socialista e presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, no seu espaço de comentário na TVI24 (o único socialista que até agora falou publicamente do caso), Sócrates disse que o ouviu “com a devida repugnância” e insinuou que as declarações vieram da “liderança do PS”. “O essencial não é a personagem, é quem lhe manda dizer isso. Falemos então do mandante que é a liderança do PS”, disse, sem dizer o nome de António Costa, na qualidade de secretário-geral do PS. "O PS acha que pode fazer uma condenação sem julgamento”, acrescentou.
Para o ex-primeiro-ministro, as afirmações de Medina - que disse que o caso Sócrates “corrói o funcionamento da vida democrática” são “de uma profunda canalhice”. “É tudo o que tenho a dizer sobre isso. O PS devia ter vergonha de desconsiderar aquilo que são direitos e garantias fundamentais dos cidadãos que fizeram a cultura política do PS quando lutámos em 1975 pela liberdade”, repetiu, lembrando que o fundador do PS Mário Soares lhe “expressou companheirismo, não apenas por razões pessoais, mas porque pensava ser esse o seu dever”. “Tomei a decisão correcta quando saí do PS. Já não aguentava mais o silêncio. Grande parte dos que estão a falar agora estão a ajustar contas com a sua covardia moral. Não disseram uma palavra quando fui detido no aeroporto com televisões”, disse, voltando a queixar-se da “viciação” do processo”. “Isto sempre foi um caso político, não um caso judicial”, repetiu o primeiro-ministro.
O antigo primeiro-ministro irá a a julgamento no processo Operação Marquês por branqueamento de capitais e outros crimes. Em causa estão 1,72 milhões de euros entregues pelo empresário e alegado testa-de-ferro a Sócrates, que implicam três crimes de branqueamento de capitais, muito embora já tenha prescrito a corrupção subjacente a estes delitos. Além do branqueamento de capitais, Sócrates vai ser pronunciado por três crimes de falsificação de documentos.