As árvores das ruas são para dar sombra e despoluir o meio urbano

Este quarto artigo de uma série publicada ao fim-de-semana – o próximo, o último, é sobre as florestas – é dedicado às árvores no meio urbano e como são maltratadas. O Funchal é a cidade portuguesa que mais se aproxima do espaço verde ideal num ambiente urbano e Viseu tem a maior área relativa de artérias urbanas arborizadas.

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Árvores no Campo dos Mártires da Pátria, em Lisboa Árvores no Campo dos Mártires da Pátria, em Lisboa; Foto: Miguel Manso

Qualquer agregado populacional (cidades, vilas e aldeias) deve estar perfeitamente integrado na paisagem onde se insere; deve ser o prolongamento da paisagem rural e não constituir um agregado de blocos de betão armado, separados por arruamentos impermeabilizados, sem quaisquer espaços verdes e sem árvores ou arbustos nas respectivas artérias.

Muitos dos parques actuais da maioria das cidades e vilas constituíam áreas florestais que foram sendo incorporadas na zona urbanizada, como o Parque de Epping Forest (1728 hectares), na área urbana da Grande Londres, e a Mata Municipal do Bombarral, que embora tenha apenas quatro hectares de superfície, é uma relíquia do bioma florestal que cobria a região e o parque urbano nacional com maior quantidade de espécies arbóreas e arbustivas nativas.

Alguns parques e jardins surgiram também de antigos pomares como o Parque Urbano do Seixal; ou de antigos olivais muitos séculos antes da Era Cristã; ou de antigos campos de cultivo e pastos, como o Parque Florestal de Monsanto, em Lisboa; ou de antigas quintas, como o Parque da Paz em Almada que ocupou cerca de 60% da Quinta do Chegadinho; ou até de jardins de templos, como o de Karnak, no Egipto, planeado por Nekht, durante o reinado de Tumtés II (1510 a.C. – 1479 a.C.).

Ao referirem-se as áreas verdes urbanas, imediatamente ocorrem à ideia apenas os jardins e os parques, o que não é correcto. É evidente que são zonas verdes vitais, mas não se podem esquecer as árvores plantadas nas artérias dos agregados populacionais, as quais, pelas suas múltiplas e extraordinárias funções biológicas, podem inserir-se na referida designação. Uma cidade deve ser toda ela um “arboreto” ou “floresta urbana”, designação utilizada por arquitectos paisagistas, o que não acontece em nenhuma cidade de Portugal Continental.

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Corte e poda de árvores na Avenida Guerra Junqueiro, em Lisboa, em Maio de 2015 ENRIC VIVES-RUBIO/Arquivo

Há cidades estrangeiras onde, no Verão, mal se vislumbra o casario que está completamente coberto de árvores, na maioria mais altas que as casas. Em Portugal isso não acontece, pois, quando existem árvores altas nas ruas, elas são criminosamente mal podadas, ficando mais semelhantes a postes, ou a “monstros vegetais” e até “monstros paisagísticos”, do que aquilo que verdadeiramente são. Isso porque o pessoal que efectua essas podas (a que chamo derrotas de ramadas) não tem qualquer formação e julga que está a podar árvores de fruto ou videiras.

As árvores das ruas são para dar sombra e despoluir o ar urbano. Portanto, precisam da maior ramada possível plena de folhagem. Actualmente há podadores profissionais habilitados para esse trabalho. Assim, das duas uma: ou as autarquias contratam podadores profissionais para tal operação; ou conferem preparação ao respectivo pessoal autárquico.

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Abate de árvores no Jardim Cesário Verde, em Lisboa, em Maio de 2015 Daniel Rocha

É evidente que as árvores das artérias urbanas necessitam de manutenção, como aparar a ramada ou remover ramos eventualmente doentes ou mortos. Mas podar aparando a ramada não é remover todos os ramos. Isso não é uma poda; é uma derrota da ramada.

Outra mudança necessária é na escolha das árvores para as artérias urbanas. Uma árvore de grande porte poder estar bem numa avenida larga, mas nunca para uma rua estreita. Durante muitos anos, as autarquias “copiavam-se” uma às outras. Foi assim que se abarrotaram as nossas cidades e vilas de plátanos. Trata-se de um híbrido que não dá frutos viáveis. Reproduz-se por estaca. Por isso, são todos iguaizinhos por todo o país. Deu-se aquilo que designo por “platanite” autárquica. Mas, actualmente, continua-se com igualdades de árvores em grande parte do nosso meio urbano, pois muitas das autarquias fornecem-se em viveirista e eles vendem o que mais possuem. Foi o que aconteceu com as palmeiras. Apenas as autarquias do Norte do país não sofreram dessa “palmeirite”, porque as palmeiras utilizadas são de regiões tropicais e não toleram as temperaturas mais frias do Norte de Portugal.

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Plátanos truncados em Águeda em 2011 Jorge Paiva

Praticamente toda a gente conhece a importância das áreas verdes urbanas, pois podem contribuir para o lazer e para actividade recreativa dos habitantes, assim como para a purificação do ar, através da função clorofilina exercida pelas plantas. Além disso, servem para amenizar, com a sombra das árvores, o calor dos estios e para conferir à paisagem urbana a “sugestão” verde de um cenário natural.

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Troncos de choupos resultantes de poda em Trancoso em Abril 2012 (à esquerda); e árvores decepadas no Luso em Fevereiro de 2001 Jorge Paiva

Os parques e os arboretos dos agregados urbanos são hoje também muito utilizados para a prática desportiva de manutenção. No entanto, como as cidades portuguesas têm, no geral, parques de reduzidas dimensões, a presença humana ultrapassa os limites de sobrevivência de muitos seres antipoluentes e que vivem epifitamente sobre as plantas, neste caso, sobre as árvores (por exemplo, musgos e líquenes) ou saprofiticamente à custa de matéria orgânica morta, como ramos e folhas (por exemplo, alguns fungos). Também vivem sobre as plantas alguns seres microscópicos muito úteis, os mixomicetes, predadores de bactérias e vírus e, portanto, controladores das populações microbianas que, livres e em grande número, se podem tornar patogénicas.

Actualmente, alguns jardins e parques como, por exemplo, os jardins botânicos, têm elementos florísticos raros, alguns até em vias de extinção ou até já extintos na natureza, sendo, por isso, considerados como “pools” (“armazéns”) genéticos.

Depois da descoberta das plantas fotossintéticas em C4, que conseguem concentrar o CO2 no interior folhas, sendo, por isso, mais produtivas e com maior capacidade sequestradora de carbono, talvez venham a ser elementos preponderantes dos parques e jardins modernos, estando já a serem utilizadas para a pastorícia por terem maior rendimento hidrocarbonatado na fotossíntese. Muitas plantas em C4 são gramíneas, como, por exemplo a cana-de-açúcar e o milho, assim como o gramão (Cynodon dactylon) dos relvados. Outras são algumas das plantas dos sapais, que inconscientemente destruímos, como, por exemplo, irá acontecer com o pretendido aeroporto do Montijo.

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Abate de árvores em Oeiras em Setembro de 2011 Rita Baleia/Arquivo

A quantidade de oxigénio (O2) necessária para a vivência saudável de um indivíduo da espécie humana num espaço urbano é correspondente ao oxigénio produzido por uma superfície foliar de 150 metros quadrados. Feitos os cálculos, verifica-se que cada indivíduo necessita, teoricamente, de 40 metros quadrados de espaço verde num ambiente urbano. Desta área, corresponderão, para cada habitante, dez metros quadrados de espaço localizado próximo da respectiva habitação, até um raio de acessibilidade de 400 metros, sendo os restantes 30 metros quadrados por habitante destinados ao espaço verde integrado na estrutura verde principal do agregado populacional. Não me parece que haja qualquer cidade portuguesa nestas condições, embora Funchal seja, quanto a mim, a cidade portuguesa que mais se aproxima do espaço verde ideal num ambiente urbano e Viseu a cidade portuguesa com maior área relativa de artérias urbanas arborizadas.

Actualmente, já existem amplos parques verdes urbanos em Portugal, como, por exemplo, o de Chaves, o da Boavista no Porto, o Parque do Fontelo em Viseu, o Choupal em Coimbra, o Parque Florestal de Monsanto, em Lisboa, o Parque Urbano do Seixal e o Parque da Paz em Almada, o melhor deles todos, na minha opinião.

Em vez de se diminuir a verdura nos agregados urbanos e arredores, ela tem de ser aumentada, de modo harmonioso e artístico, para que as cidades, vilas e aldeias sejam saudáveis.

Biólogo