Sócrates escapa ao julgamento por corrupção, mas responde por branqueamento e falsificação
Ivo Rosa arrasa acusação do Ministério Público e aponta-lhe falta de rigor. Mas também diz que se mostra “indiciado que existem entregas em dinheiro e pagamentos de 1,7 milhões de euros”. Ivo Rosa quer que MP investigue actos nulos de Carlos Alexandre.
O ex-primeiro-ministro José Sócrates escapou esta sexta-feira ao julgamento por três crimes de corrupção de que estava acusado, mas vai responder por seis dos 31 crimes que lhe são imputados pelo Ministério Público. Sócrates será julgado por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documento. Dos 28 arguidos da Operação Marquês, apenas cinco serão julgados: Sócrates, o seu amigo e empresário Carlos Santos Silva, o antigo banqueiro Ricardo Salgado, o ex-ministro Armando Vara e o antigo motorista João Perna. Nenhum por corrupção.
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O ex-primeiro-ministro José Sócrates escapou esta sexta-feira ao julgamento por três crimes de corrupção de que estava acusado, mas vai responder por seis dos 31 crimes que lhe são imputados pelo Ministério Público. Sócrates será julgado por três crimes de branqueamento de capitais e três de falsificação de documento. Dos 28 arguidos da Operação Marquês, apenas cinco serão julgados: Sócrates, o seu amigo e empresário Carlos Santos Silva, o antigo banqueiro Ricardo Salgado, o ex-ministro Armando Vara e o antigo motorista João Perna. Nenhum por corrupção.
O juiz Ivo Rosa considerou, durante a leitura de decisão instrutória da Operação Marquês, que os três crimes de corrupção imputados a Sócrates estavam prescritos. Além disso, sublinhou que a acusação não apresentou provas de que o antigo governante tivesse recebido “luvas” para favorecer o grupo Lena, o grupo Espírito Santo ou interferido no financiamento dado pela Caixa Geral de Depósitos a um grupo de accionistas que lhes permitiu comprar o empreendimento Vale do Lobo, no Algarve.
Convém sublinhar, no entanto, que o procurador Rosário Teixeira já avisou que pretende recorrer desta decisão, o que coloca a última palavra sobre quem irá a julgamento neste caso nas mãos de juízes do Tribunal da Relação de Lisboa. Aliás, ainda antes da decisão de Ivo Rosa ser conhecida já no seio do Ministério Público havia a convicção de que iria ser inevitável recorrer da decisão instrutória.
Apesar de ter arrasado grande parte da acusação, o juiz Ivo Rosa considerou que as entregas de dinheiro por parte de Carlos Santos Silva ao ex-primeiro-ministro indiciavam um crime de corrupção entre ambos, sendo o primeiro o corruptor activo e Sócrates o passivo. Este ilícito, defendeu, estará prescrito. “Mostra-se indiciado que existem entregas em dinheiro e pagamentos de 1,7 milhões de euros. No entanto, não se sabe o motivo das entregas de dinheiro, mas indiciam a obtenção de uma vantagem patrimonial pelo facto de José Sócrates ser primeiro-ministro. As entregas em numerário tinham como objectivo a compra de simpatia”, disse Ivo Rosa. Apesar de prescrito, o montante ilícito obtido poderá dar origem a outros crimes, como o branqueamento de capitais, ilícitos pelos quais Sócrates ainda deve responder, considerou Ivo Rosa.
O juiz de instrução decidiu que Ricardo Salgado, que estava acusado por 21 crimes, vai responder por apenas três de abuso de confiança. Armando Vara será julgado por um crime de branqueamento e João Perna por detenção de arma proibida. O juiz considerou, no entanto, que não faz sentido que os arguidos sejam julgados todos juntos e determinou a separação de processos, que seguem para tribunais diferentes. Catorze arguidos entre os quais os antigos administradores da Portugal Telecom (PT), Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, e nove empresas viram as acusações contra si serem arquivadas, por vários motivos, desde a falta de provas à prescrição dos ilícitos que lhes eram imputados. Relativamente aos antigos gestores da empresa de telecomunicações Ivo Rosa considerou que não podiam ser acusados de corrupção por motivos formais (teriam que ter o estatuto de funcionário e não o possuirão), defendendo que a fraude fiscal prescrevera.
Relativamente à aquisição da Telemar/OI no Brasil através da PT, Ivo Rosa considerou não haver provas de que Sócrates tenha recebido 12 milhões de euros de Ricardo Salgado em troca de apoio na estratégia de aquisição. Aliás, o magistrado judicial criticou a acusação do Ministério Público por não identificar quem Sócrates teria influenciado para obter alterações legislativas a fim de favorecer o BES na venda da Vivo no Brasil. Disse ainda não haver indícios de que Sócrates tenha conversado, para este propósito, com o então presidente do Brasil, Lula da Silva.
O magistrado, que esteve três horas e meia a ler um resumo da decisão, salientou ainda que o crime de corrupção passiva de que estava acusado Sócrates em conjunto com Ricardo Salgado e que está relacionado com o GES estava prescrito quando foi deduzida a acusação em 2017. Ivo Rosa diz que este crime prescreveu em 2015, dois anos antes de Sócrates ter sido confrontado com a acusação.
Sobre a OPA da PT, o magistrado considerou que as testemunhas indicaram que a posição do Estado foi sempre imparcial. Ivo Rosa sublinhou mesmo que, neste caso, “a acusação mostra-se pouco consistente”. Para o juiz, não há elementos suficientes no processo que tenham demonstrado que José Sócrates tinha influência sobre a Caixa Geral de Depósitos.
Grupo Lena
Já quanto ao Grupo Lena, o juiz Ivo Rosa decidiu que o ex-primeiro-ministro José Sócrates não irá ser julgado pelo crime de corrupção passiva no que respeita à suspeita de favorecimento deste grupo empresarial. Carlos Santos Silva, que surgia como co-autor, também não vai ser julgado por este crime. O juiz Ivo Rosa considera que o crime prescreveu.
“Este crime já se encontrava prescrito aquando da detenção dos arguidos”, observou, citando jurisprudência do Tribunal Constitucional. Isto porque as últimas transacções alegadamente feitas entre José Sócrates, Carlos Santos Silva e Joaquim Barroca remontam a Janeiro de 2007.
Além disso, Ivo Rosa disse que a acusação “não prima pelo rigor necessário” no que diz respeito ao favorecimento do Grupo Lena. “Cai por terra a ideia de que o grupo Lena foi favorecido pelo primeiro-ministro nas empreitadas a que se apresentou a concurso e não ganhou”, diz Ivo Rosa.
Não encontra ilegalidades na Parque Escolar
O juiz decidiu ainda que não existe qualquer ilegalidade no caso da Parque Escolar. O Ministério Público “limitou-se” a descrever os concursos e ajustes directos, mas não está identificada qualquer ilegalidade.
A Parque Escolar foi criada em 2007 para levar por diante uma das bandeiras dos governos de José Sócrates – a modernização de 332 escolas secundárias, um programa que começou por ser avaliado em 940 milhões de euros, mas que, três anos depois do arranque, quando estavam abrangidas 205 escolas, correspondia já a 3,2 mil milhões de euros, segundo dados de uma auditoria do Tribunal de Contas.
MP vai investigar actos nulos de Carlos Alexandre
Durante a leitura da decisão, Ivo Rosa informou ainda que caiam dois crimes de falsificação imputados a Sócrates e Carlos Santos Silva. Ivo Rosa considera que o juiz de instrução Carlos Alexandre não tinha poder para autorizar a diligência que foi feita junto do Banco de Portugal, relacionada com a adesão do empresário ao regime de repatriamento de capitais. “A informação fornecida pelo Banco de Portugal sobre esse assunto é nula”, declarou o juiz.
Aliás, Ivo Rosa voltou a mencionar o juiz Carlos Alexandre quanto a outro assunto. Considerou que há actos praticados pelo juiz Carlos Alexandre durante a fase de investigação da Operação Marquês que são nulos. A entrega do processo a este magistrado em Setembro de 2014 foi feita de forma manual e não por via electrónica, desrespeitando assim o princípio do juiz natural, disse o juiz Ivo Rosa. O magistrado vai mandar extrair uma certidão para que o Ministério Público investigue suspeitas da prática de eventual crime.
O processo Face Oculta foi outra das referências. O juiz Ivo Rosa declarou a nulidade da remessa das escutas do Face Oculta para utilização na Operação Marquês, “uma vez que a migração para os presentes autos não obedeceu à tramitação legal”. “Foi pedida pelo Ministério Público sem passar pelo juiz de instrução para ponderar os pressupostos do meio de prova. Houve usurpação da função judicial. É uma nulidade insanável”, disse.
Quanto ao concurso para o TGV, “nada resulta que este arguido [José Sócrates] tenha instrumentalizado os seus poderes”, disse Ivo Rosa, acrescentando que nenhuma das testemunhas em causa diz ter recebido ordens do primeiro-ministro. Neste ponto, estava em causa um crime de corrupção por favorecer os interesses do Grupo Lena.
O juiz Ivo Rosa considera que não há provas de que o dinheiro de Joaquim Barroca, gestor do Grupo Lena, fosse para José Sócrates. “Não se mostra indiciada qualquer ligação” das transferências de dinheiro de Barroca para Carlos Santos Silva. Sócrates é assim ilibado de ilegalidades na atribuição da concessão do TGV ao consórcio Elos.