Novo Banco vendeu carteiras a fundos e só depois avaliou conflitos de interesses
Auditoria da Deloitte à injecção de 1000 milhões relativa a 2019 analisou potenciais conflitos de interesse com o accionista privado do banco, o grupo norte-americano Lone Star.
Na auditoria especial à injecção de 1037 milhões de euros feita em 2020 pelo Fundo de Resolução no Novo Banco, a Deloitte conclui que, no processo de venda de carteiras de activos problemáticos a fundos de investimento internacionais, o banco só procedeu à análise de conflitos de interesse depois de assinados os contratos de venda.
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Na auditoria especial à injecção de 1037 milhões de euros feita em 2020 pelo Fundo de Resolução no Novo Banco, a Deloitte conclui que, no processo de venda de carteiras de activos problemáticos a fundos de investimento internacionais, o banco só procedeu à análise de conflitos de interesse depois de assinados os contratos de venda.
Em causa estão três operações - Albatros, Nata II e Sertorius – que resultaram em perdas totais de 174 milhões de euros cobertas pelo Fundo de Resolução.
A propósito deste tema, a auditoria replica o diagnóstico que o antigo responsável da auditoria do banco, Luís Seabra, reconheceu no Parlamento, esta quinta-feira: “Em 2019 as políticas ou normativos internos existentes do Novo Banco não definiam a obrigatoriedade de realização sistemática de uma análise das entidades compradoras que participassem em processos de desinvestimento de entidades participadas, quer ao nível de análise de contrapartes relativa a branqueamento de capitais, quer ao nível de conflitos de interesses e de partes relacionadas”. Uma debilidade já corrigida pelo Novo Banco em Junho de 2020.
Adicionalmente, a Deloitte destaca uma fragilidade dos processos de venda no que diz respeito à identificação dos beneficiários últimos destes negócios. Reconhecendo que “o Novo Banco realizou uma avaliação de contrapartes para as operações de venda de carteiras” para “prevenção de branqueamento de capitais”, e que “foi realizado o exercício de identificação dos últimos beneficiários efectivos das entidades compradoras nas operações analisadas”, a Deloitte explica que “foram obtidas pelo Novo Banco declarações da sociedade gestora das entidades em apreço de que nenhum dos participantes detinha mais de 25% das entidades compradoras das carteiras do Novo Banco”. Uma limitação que decorre da legislação sobre branqueamento de capitais, mas que, por outro lado, ao não serem qualificados como últimos beneficiários efectivos, não foi “obtida informação adicional sobre a respectiva identidade”.
Deste modo, “foram considerados últimos beneficiários efectivos os membros do órgão de administração da sociedade gestora dos fundos de investimento envolvidos nas transacções, conforme estipulado em legislação para o dever de diligência no âmbito do branqueamento de capitais”.
Uma situação que, aliás, é comum aos beneficiários últimos da venda da seguradora GNB Vida, cujo comprador inicial foi condenado por suborno nos Estados Unidos, e acabou substituído por fundos da sociedade Apax Partners, cujos gestores de carteiras assumem a condição de beneficiários últimos precisamente por não ser possível conhecer os investidores desses veículos, dado que não controlam mais de 25% do capital dos fundos.
Alantra e Byron Haynes
Segundo a Deloitte, “no processo de venda da carteira Albatros, as análises de conflitos de interesses e de partes relacionadas sobre as entidades adquirentes da carteira foram realizadas posteriormente à assinatura dos Contratos de Compra e Venda”.
O mesmo se verificou no Nata II, sendo que neste caso a Deloitte destacou que “não foi obtida evidência da realização de uma análise de conflitos de interesses sobre um dos assessores financeiros”. Adicionalmente, a auditoria faz uma referência à polémica contratação da Alantra (liderada por uma antiga assessora de Ricardo Salgado) como assessora financeira, nomeadamente ao facto de existir “um parecer emitido pelo Departamento de Compliance [controlo interno das regras] no contexto da operação Viriato no sentido de exclusão do Grupo Alantra não só dessa operação, como de quaisquer outros processos lançados pelo Novo Banco”. A Deloitte confirma que “o Fundo de Resolução tomou conhecimento do teor desse parecer pela primeira vez em carta de Junho de 2020”.
Já no que diz respeito à operação de venda da Sertorius, “os pareceres do departamento de compliance relativos a conflitos de interesses dos assessores financeiro e legal foram emitidos posteriormente à decisão da respectiva contratação”, diz a auditora, acrescentando que não foi “identificada alguma situação que impedisse a candidatura à prestação de serviços no processo, com excepção de uma entidade” (que não foi escolhida).
Ainda sobre a Sertorius – carteira vendida à sociedade de investimento Cerberus por 159 milhões de euros –, a Deloitte descreve o processo que culminou na aprovação da operação, a 2 de Agosto de 2019, pelo Comité de Risco do Conselho Geral e de Supervisão, presidido por Byron Haynes, que liderou o banco austríaco Baswag PSK, detido pela Cerberus. Acerca de potenciais conflitos de interesses, a auditora sublinha que este gestor não viola a política interna do banco por um mês, dado que abandonou o banco austríaco em 24 de Junho de 2017.
“De acordo com a política de conflitos de interesses do Novo Banco, a existência de conflitos de interesses pode resultar de posições ou cargos assumidos no passado ou de relações pessoais passadas, pelo que devem ser comunicados por parte dos colaboradores ou dos membros de órgãos de gestão à área de compliance as posições ou cargos assumidos e possíveis conflitos de interesses resultantes de relações pessoais passadas havidas nos últimos dois anos”.
E acrescenta: “Aquando da avaliação de Byron Haynes por parte do Novo Banco em 2017, foi dado conhecimento da relação profissional passada com o banco Bawag PSK”.
Sobre a contratação de assessores, a Deloitte identificou que não houve intervenção do Departamento de Património e Controlo de Custos em alguns dos processos, “contrariamente ao estatuído no normativo do próprio Novo Banco”.
As posteriores avaliações de conflitos de interesse, realizadas pelo Departamento de Compliance “não identificaram pessoas ou entidades relacionadas com o Novo Banco ou com a Lone Star”. Isto, num processo que assenta na solicitação “a estas entidades do preenchimento de questionários de prevenção de conflitos de interesses, nos quais foi solicitada a identificação de eventuais relações de detenção accionista directa ou indirecta com entidades do grupo Lone Star, a existência de colaboradores da entidade que sejam ou tenham sido colaboradores em entidades do grupo Novo Banco ou Lone Star”. Estes questionários mereceram parecer positivo do Compliance do banco.
Falhas da gestão
Num outro plano de análise, a Deloitte identifica a falta de documentação completa em vários actos de gestão de António Ramalho, em particular sete excepções identificadas para os actos de gestão de desinvestimento [que se] encontram exclusivamente relacionadas com falta de documentação completa para a tomada de decisão”.
Em particular, verificaram-se casos onde “a prova de fundos da entidade compradora não cumpriu com o estabelecido na process letter [dossiê do concurso] do processo de venda, tendo sido entregue de forma incompleta”, “não foi realizado um exercício de valorização que permitisse enquadrar as propostas recebidas e aferir a sua razoabilidade” ou “não foi efectuada análise de contrapartes e/ou de conflitos de interesses à entidade contraparte em momento anterior a uma estipulação contratual, ou esta não foi realizada a todas as entidades relevantes e respectivos órgãos de gestão”, entre outros.
Num caso específico, a Deloitte não encontrou “evidência na redacção das actas do CGS da prestação do consentimento prévio para o processo de aumento de capital a realizar num fundo de investimento (FIIF Amoreiras), não obstante ter sido obtida evidência da apresentação a este órgão da evolução do processo”.
Quanto a deficiências em matéria de gestão de acompanhamento, foram encontradas 11 excepções, sendo que em quatro “não foi obtida evidência documental de acompanhamento ao nível da administração, da comissão executiva] e do conselho de administração executivo]”, destacando a Deloitte que “em duas dessas situações a administração da entidade participada analisada era composta por membros da administração da accionista”.