Tire a raia desta alhada
Estima-se que 100 milhões de tubarões e raias são mortos todos os anos como danos colaterais das nossas atividades piscatórias.
Quando falamos de tubarões e raias normalmente não é pelas melhores razões. Este texto não é exceção, mas por razões diferentes das que o leitor imagina.
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Quando falamos de tubarões e raias normalmente não é pelas melhores razões. Este texto não é exceção, mas por razões diferentes das que o leitor imagina.
Os tubarões são temidos por serem predadores poderosos, apesar de, na realidade, ser mais provável uma pessoa morrer por uma picada de mosquito. Esta fama acaba por justificar também a pouca prioridade dada à conservação e recuperação destes animais. Teimamos em não reconhecer a realidade: que os tubarões e raias são fundamentais à boa saúde do mar, verdadeiros guardiões do oceano, e que um futuro em que eles não existem é muito assustador.
Apesar de serem peixes, os tubarões e raias apresentam mais semelhanças com um golfinho ou uma baleia: demoram muito tempo até atingirem a idade adulta (como é caso do tubarão da Gronelândia, que existe também em Portugal, que demora 156 anos), produzem poucas crias (o tubarão anequim, por exemplo, produz em média 14 crias durante a sua vida), e o tempo que permanecem em gestação é superior ao de um ser humano (16 meses), podendo demorar mais dois anos até se voltarem a reproduzir. Todas estas características fazem com que os tubarões e raias sejam extremamente sensíveis a elevadas capturas por parte da pesca.
Estes animais desempenham papéis importantíssimos no equilíbrio e produtividade do oceano e muitos deles ainda desconhecidos. Sabe-se que são verdadeiros arquitetos de ecossistema, criando e preservando habitats para outras espécies e transferindo nutrientes essenciais do fundo do mar para a superfície. O seu valor em vida como estrelas no turismo de observação é cada vez maior e são agentes ativos da seleção natural e do equilíbrio climático.
Apesar de tudo isto, uma das maiores ameaças à sua sobrevivência é a sobrepesca, estimando-se que 100 milhões destes animais são mortos todos os anos como danos colaterais das nossas atividades piscatórias. Esta pesca está, na maioria dos casos, longe de ser sustentável, e tem levado ao declínio dos números de tubarões e raias, estando aproximadamente 1/4 das espécies ameaçadas.
Com mais de uma centena de espécies, Portugal é o 12º país do mundo e o 3º a nível da Europa com mais capturas, o 6º maior exportador e 8º maior importador mundial de carne de tubarão e raia. Mas com estes rankings, vem também a grande responsabilidade na proteção e até recuperação das populações de tubarões e raias. Metade das espécies que existem em águas portuguesas são ou foram pescadas por uma grande variedade de artes de pesca, e como resultado, 29 espécies estão atualmente ameaçadas e sem nenhum plano integrado para gerir estas pescarias a nível nacional.
O que acontece, e muitas vezes tardiamente, é que quando uma espécie fica ameaçada, é proibida a sua retenção no barco e não pode ser desembarcada na lota ou vendida. Nestes casos, os espécimes capturados são libertados novamente ao mar, mas, como não estão implementadas técnicas a bordo para os libertar de forma segura, apresentam muitos ferimentos e elevados níveis de stress que provocam a sua morte.
Sem a nossa ajuda e a nossa voz podemos perder espécies importantíssimas, o que seria uma perda enorme para o oceano e para a própria humanidade que dele depende. Temos de exigir medidas mais pragmáticas e eficazes para reduzir a pesca insustentável e permitir que as populações das espécies mais afetadas recuperem. Ao nosso alcance está também a informação sobre o que estamos a consumir, recusando o consumo (direto ou escondido) de tubarão e raia enquanto a pesca não for transparente e sustentável.
Os tubarões e raias enfrentam uma crise sem precedentes. Apesar de viverem no oceano há mais de 420 milhões de anos e de terem sobrevivido a cinco extinções em massa, nunca estiveram tão em perigo quanto agora. As nossas escolhas fazem a diferença no seu futuro.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico