A Política Científica em Portugal é uma mão cheia de fait divers e o ministro é o mestre do disfarce
Costumamos dizer que não há Ciência sem cientistas. Eu acrescento: não há Ciência contra os cientistas. Ontem, o ministro do apparatchik foi à TV dizer que vai ficar tudo bem. É preciso mudar de canal.
No passado dia 6 de abril, na rubrica da RTP3 “É Ou Não É?”, o tema escolhido foi a Ciência. Os convites para o debate da Ciência são marcados por uma ausência de investigadores de carreira. Os convidados ora são professores de carreira, ora investigadores a termo. O simples facto de não haver cientistas de carreira neste país fez com que o tema não merecesse atenção por quem tem responsabilidade política.
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No passado dia 6 de abril, na rubrica da RTP3 “É Ou Não É?”, o tema escolhido foi a Ciência. Os convites para o debate da Ciência são marcados por uma ausência de investigadores de carreira. Os convidados ora são professores de carreira, ora investigadores a termo. O simples facto de não haver cientistas de carreira neste país fez com que o tema não merecesse atenção por quem tem responsabilidade política.
A preparação da transmissão começou logo mal quando se convida uma associação de investigadores sem explicar qual a razão dessa escolha e não outra, já sabendo até que existem outros atores intervenientes no setor com mais peso e pensamento crítico produzido sobre a matéria.
O debate é, por isso, marcado por fait divers do ministro, que é incapaz de tomar coragem para enfrentar o subfinanciamento crónico do setor, a precariedade instalada enquanto regra e a péssima relação das entidades que coordenam a ciência e os seus profissionais. Com todo o respeito que me merecem os professores catedráticos e alguns grandes nomes que têm vindo a tomar posição sobre a Ciência, talvez fosse hora de dar a palavra aos invisíveis do sistema.
O mais incrível de tudo isto é que já nem a nata do sistema consegue partilhar da visão de Manuel Heitor. Há um descrédito quase absoluto nas metas e objetivos que o ministro apresenta. O atual apoio político que ainda granjeia nada tem que ver com a sua visão. O debate da Ciência em Portugal tem sido pautado na lógica dos grandes prémios e das grandes individualidades. Fico honestamente comovido com o sucesso que muitos portugueses atingem. Mas estamos a deturpar os termos do debate quando a avaliação é em torno disso.
A sua sobrevivência à frente da pasta tem a ver com três aspetos essenciais: o legado (distante, já) do PS na área com Mariano Gago, a simpatia que mereceram algumas propostas do início da legislatura passada (conseguidas apesar da sua vontade) e a sua proximidade com o CRUP. Há uma urgência de construir um debate aprofundado sobre o sistema que não esteja preso no atual modus operandi nem do ministro nem da FCT. Costumamos dizer que não há Ciência sem cientistas. Eu acrescento: não há Ciência contra os cientistas.
Existe um legado que alguns governos do PS deixaram neste setor. Temos de saber respeitar isso. Que essa memória não nos faça esquecer a precariedade que decidiram implementar, as fraturas internas nas instituições que dividem dirigentes e comunidade académica. A relação estranha (eu sou uma pessoa simpática) do ministro com o CRUP e o CCISP pode ser entendida como uma boa relação entre pares. Ou então pode ser vista tal como ela é: a expressão última de um sistema em pirâmide que se vai aguentando num tratamento pouco democrático.
Mais financiamento, mais dignidade no trabalho científico, mais sentido democrático talvez sejam os pilares para enfrentarmos aquilo que tem de ser um novo ciclo para a Ciência em Portugal. Ontem, o ministro do apparatchik foi à TV dizer que vai ficar tudo bem. É preciso mudar de canal.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico