O encanto de um postal entre o caos das videochamadas

Nada como abrir a caixa de correio, aquela que fica à entrada do prédio e à qual já quase nunca vou, e ver um envelope com o meu nome escrito à mão, a letra de uma pessoa que me é querida. É um movimento que me encanta, de forma diferente do prodígio das tecnologias.

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Joanna Kosinska/Unsplash

Antes de começar a escrever esta crónica, devo um pedido de desculpas à minha família, por não ser muito participativa nas videochamadas. Volta e meia, ligam cá para casa dessa forma e talvez já tivessem reparado na minha enorme inabilidade em comunicar nesses momentos. Desculpem. Há caras cortadas, às vezes só vejo a testa das pessoas, ou a minha própria testa, o telemóvel circula, as pessoas mexem-se, as vozes sobrepõem-se. Há sempre alguma confusão, tenho uma família grande, mesmo dividida nos seus núcleos, nesta altura de pandemia.

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Antes de começar a escrever esta crónica, devo um pedido de desculpas à minha família, por não ser muito participativa nas videochamadas. Volta e meia, ligam cá para casa dessa forma e talvez já tivessem reparado na minha enorme inabilidade em comunicar nesses momentos. Desculpem. Há caras cortadas, às vezes só vejo a testa das pessoas, ou a minha própria testa, o telemóvel circula, as pessoas mexem-se, as vozes sobrepõem-se. Há sempre alguma confusão, tenho uma família grande, mesmo dividida nos seus núcleos, nesta altura de pandemia.

Depois, há planos de paredes e de soalho no ecrã, quando ando a correr com o telemóvel pela casa, atrás da minha filha de três anos, que quer ir à sala mostrar um brinquedo e mais outro boneco ao quarto. Não consigo interagir plenamente através de videochamadas, reconheço a minha completa resistência ao formato. Às vezes, são vários quadrados, diferentes casas juntas numa só sessão. Talvez esteja a exagerar na descrição, admito, é apenas a minha sensação diante desta forma de comunicação, ainda mais usada na pandemia — para nos sentirmos mais próximos, bem sei. Ainda assim, continuo a preferir falar uma hora ao telefone com um amigo ou um familiar de cada vez, quando tenho tempo para isso, e apenas com o telefone colado ao ouvido. Não lhe vejo a cara, mas estou muito mais fluente e concentrada no que me está a dizer.

Mas, sobretudo, gosto do lado silente e delicado de receber um postal ou uma carta pelo correio. A surpresa que é, quando não estamos a contar com aquilo. No mundo dos emails e das mensagens em redes sociais, nada como abrir a caixa de correio, aquela que fica à entrada do prédio e à qual já quase nunca vou, e ver um envelope com o meu nome escrito à mão, a letra de uma pessoa que me é querida. Alguém caminhou, calcorreou alguns metros ou mais, meteu a carta no correio e, uns dias depois, chegou às minhas mãos. É um movimento que me encanta, de forma diferente do prodígio das tecnologias.

Nesta coisa louca da pandemia, a minha tia enviou-me um postal e uma pega de cozinha feita por ela à mão, por correio. Tudo tão manual, tão de outros tempos nestes tempos, não consigo resistir à beleza do gesto. Respondi com atraso, pondo também uns pequenos sabonetes e um postal no correio. Fui com a minha filha pela mão, rua fora, ela tinha ainda a tarefa de pôr mais dois postais em viagem: um para a prima de Coimbra, e outro para a prima que vive no Porto, no qual pediu para colar pequenas pedras com fita-cola, um trabalho artístico que ela inventou para preencher o lugar das palavras.

Mostrei-lhe, à porta dos correios aqui no bairro, em que ranhura devia pôr os postais, disse-lhe que fariam um percurso e chegariam ao destino. Ela percebeu. Uns dias depois, recebemos, claro, videochamadas do Centro e do Norte do país cheias de alegria com os postais. Digo que não gosto de videochamadas, mas estou a brincar. Não gosto mesmo, mas quando se gosta de alguém, como eu dos meus familiares, isso não conta nada.