Directiva da PGR viola mesmo a lei, garante ex-presidente do Tribunal Constitucional

Costa Andrade assina parecer com ex-juiz do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a defender que Lucília Gago se pronunciou sobre matéria da competência reservada à Assembleia da República. Documento acompanha queixa entregue por sindicato dos procuradores no Supremo Tribunal Administrativo.

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José Sena Goulão

Um parecer assinado por dois pesos-pesados da justiça portuguesa, o ex-presidente do Tribunal Constitucional Manuel Costa Andrade e o ex-juiz do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos Paulo Pinto de Albuquerque, defende que a polémica directiva da procuradora-geral da República sobre os poderes dos dirigentes do Ministério Público é ilegal. O parecer acompanha a acção que o Sindicato de Magistrados do Ministério Público desencadeou nesta terça-feira no Supremo Tribunal Administrativo contra a dirigente máxima do Ministério Público.

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Um parecer assinado por dois pesos-pesados da justiça portuguesa, o ex-presidente do Tribunal Constitucional Manuel Costa Andrade e o ex-juiz do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos Paulo Pinto de Albuquerque, defende que a polémica directiva da procuradora-geral da República sobre os poderes dos dirigentes do Ministério Público é ilegal. O parecer acompanha a acção que o Sindicato de Magistrados do Ministério Público desencadeou nesta terça-feira no Supremo Tribunal Administrativo contra a dirigente máxima do Ministério Público.

directiva em causa determina que os superiores hierárquicos podem dar ordens concretas aos procuradores nos inquéritos penais e foi feita na sequência da contestação que surgiu à volta de uma ordem para os procuradores do inquérito de Tancos não ouvirem o primeiro-ministro e o Presidente da República na qualidade de testemunhas. O director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal achava essa diligência inútil.

Depois disso, muita tinta correu sobre o assunto, tendo a própria antecessora da actual procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, defendido também a ilegalidade da directiva. Uma das principais questões que estão em causa neste debate é saber se os poderes do dirigente máximo do Ministério Público lhe permitem emitir ordens deste teor ou se, pelo contrário, Lucília Gago extravasou as suas competências, legislando sobre matéria da competência reservada à Assembleia da República.

É esta última tese que defendem Costa Andrade e Paulo Pinto de Albuquerque no parecer que acompanha a acção judicial entregue nesta terça-feira no Supremo Tribunal Administrativo.

“A directiva 4/2020 viola a reserva relativa da Assembleia da República em matéria de processo penal, designadamente quando define impedimentos de magistrados do Ministério Público e o faz em termos mais restritivos do que o Código de Processo Penal. De igual modo, viola a reserva de lei quando prevê um regime de segredo, também distinto do estabelecido pelo Código de Processo Penal, de ordens concretas do hierarca destinadas a produzir efeito num determinado processo penal. E viola ainda a reserva de lei quando estabelece novos critérios de avocação de processo penal”, sustentam os dois juristas. 

O presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, que chegou a ser recebido pelo Presidente da República por causa desta questão em Dezembro, alega que a directiva desprotege as investigações criminais de eventuais interferências políticas. 

Em comunicado, o sindicato frisa que os autores do parecer põem em causa, de forma irremediável, a aplicação da directiva, “uma vez que os magistrados do Ministério Público devem recusar o cumprimento de directivas ilegais, nos termos do Estatuto do Ministério Público”. E recorda que só recorreu à via litigiosa porque Lucília Gago “persistiu em manter soluções ilegais e inconstitucionais que afectam o funcionamento interno do Ministério Público, mas também os direitos de outros sujeitos processuais, pondo inclusivamente em causa o princípio da separação de poderes”. 

Para os representantes dos procuradores, ficou demonstrado, sem margem para qualquer dúvida, “que a procuradora-geral da República usurpou competências próprias da Assembleia da República, criando normas novas com repercussão no processo penal à margem do Parlamento, por via administrativa”.