Marwa é a primeira capitã de navios do Egipto — e foi falsamente acusada de bloquear o Canal do Suez
Uma imagem adulterada a partir de um perfil num jornal saudita acusava a jovem de 29 anos, a primeira mulher a trabalhar como capitã de um navio no Egipto, de ser a responsável pela paralisação de uma das principais rotas comerciais do mundo.
Marwa Elselehdar ficou “chocada” ao ver os utilizadores das redes sociais encontrarem, antes de qualquer investigação, a causa do navio porta-contentores encalhado no Canal do Suez — ela, a primeira mulher a trabalhar como comandante de um navio no Egipto.
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Marwa Elselehdar ficou “chocada” ao ver os utilizadores das redes sociais encontrarem, antes de qualquer investigação, a causa do navio porta-contentores encalhado no Canal do Suez — ela, a primeira mulher a trabalhar como comandante de um navio no Egipto.
“Senti que poderei ter sido um alvo talvez por ser uma mulher de sucesso neste campo ou porque sou egípcia, mas não tenho a certeza”, comenta, dias depois de as acusações falsas começarem a ser partilhadas no Facebook e no Twitter, à BBC.
A trabalhar como imediato (subcomandante) em Alexandria, no Aida IV, a jovem de 29 anos estava a centenas de milhas do gigantesco Ever Given, que bloqueou durante sete dias um dos principais canais de navegação do mundo. O mau tempo, com ventos fortes, é até agora apontado pelas autoridades egípcias como causa mais provável da disrupção em toda a cadeia de comércio marítimo global. O erro humano ainda não foi riscado, avança o Washington Post. Só que, ao contrário do que uma imagem adulterada mostrava, não poderá ter a mão de Marwa Elselehdar.
Uma captura de ecrã de uma suposta notícia da Arab News, que a responsabilizava pela paralisação, circulou pelas redes sociais e obrigou a comandante a negar qualquer responsabilidade no incidente. Dias antes, o jornal da Arábia Saudita, distribuído em todo o Médio Oriente, tinha publicado um perfil de Marwa, a primeira capitã de navios do Egipto. A imagem com texto em inglês, partilhada dezenas de vezes no Twitter e Facebook, terá sido manipulada a partir daí. “Esforcei-me tanto por negar o que estava no ‘artigo’ porque estava a afectar a minha reputação e todos os esforços que fiz para estar onde estou agora”, conta à BBC.
Num vídeo publicado no Instagram, em árabe, Marwa também alerta para o surgimento de perfis falsos a encarná-la. “As pessoas na nossa sociedade ainda não aceitam a ideia de jovens mulheres a trabalharem no mar, longe das suas famílias durante muito tempo”, acrescenta.
De acordo com a Organização Marítima Internacional, apenas 2% de 1,2 milhões marinheiros, em todo o mundo, se identificam como mulheres. A maior parte (94%) trabalha na indústria dos cruzeiros.
O Aida IV, o navio da autoridade de segurança marítima egípcia onde Marwa está destacada, é usado em formações e missões de abastecimento a um farol no mar Vermelho. Em 2015, foi o primeiro a navegar o então recém-expandido Canal do Suez. No dia da cerimónia de celebração, Marwa liderou simbolicamente o Aida IV e tornou-se a primeira capitã egípcia a atravessar o canal.
A jovem egípcia, que sempre adorou o mar, candidatou-se à marinha mercante depois do irmão, mesmo sabendo que a academia não aceitava mulheres. A proibição acabou por ser revertida, mas não mudou o sexismo de que diz ter sido alvo durante a formação e os primeiros dez anos de trabalho. Era a única mulher em 1200 estudantes, diz, na entrevista ao Arab News.
“Foi um desafio passar por isto sozinha e ser capaz de o ultrapassar sem afectar a minha saúde mental”, diz. “Mas quando se faz o que se gosta, não é preciso procurar a aprovação de todos.”