Turquia prende dez oficiais na reforma por críticas ao Governo
Autoridades turcas acusam os almirantes de conspirar contra a ordem constitucional por assinarem carta onde expressam o seu apoio a um acordo marítimo com 85 anos.
A Turquia prendeu esta segunda-feira dez almirantes na reforma, um dia depois depois de 104 ex-oficiais da Marinha terem assinado uma carta aberta que o Governo de Recep Tayyip Erdogan interpretou como uma ameaça de golpe – isto num país com uma longa história de golpes militares e com um Presidente ainda assombrado pela tentativa de golpe de 2016. Quatro outros oficiais retirados escaparam à detenção pela idade avançada, mas terão se se apresentar à polícia nos próximos dias.
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A Turquia prendeu esta segunda-feira dez almirantes na reforma, um dia depois depois de 104 ex-oficiais da Marinha terem assinado uma carta aberta que o Governo de Recep Tayyip Erdogan interpretou como uma ameaça de golpe – isto num país com uma longa história de golpes militares e com um Presidente ainda assombrado pela tentativa de golpe de 2016. Quatro outros oficiais retirados escaparam à detenção pela idade avançada, mas terão se se apresentar à polícia nos próximos dias.
Os 14 oficiais são considerados os organizadores da carta aberta onde se critica o megaprojecto Canal Istambul, de Erdogan, e se adverte contra a possibilidade de a Turquia abandonar a Convenção de Montreux, que dá a Ancara o controlo dos estreitos do Bósforo e dos Dardanelos e garante a liberdade de tráfego a navios civis nestas vias, regulando o uso militar (há regras especiais para Estados do Mar Negro, na altura uma concessão à União Soviética, que era a única potência naval para além da Turquia).
De acordo com a televisão NTV, são acusados de “usar a força e a violência para derrubar a ordem constitucional”.
“Um grupo de militares na reserva está a colocar-se numa posição ridícula e miserável que faz recordar os tempos dos levantamentos militares”, disse ainda no domingo o porta-voz presidencial, Ibrahim Kalin. No mesmo dia, a Procuradoria anunciava a abertura de uma investigação em Ancara. “Não só os que assinaram [a carta] mas também os que a encorajaram terão de prestar contas perante a justiça”, escreveu no Twitter o director de comunicação de Erdogan, Fahrettin Altun.
A carta foi escrita na sequência de uma ida do presidente do Parlamento, Mustafa Sentop, à televisão. Depois de uma questão sobre a decisão da Turquia de se retirar da Convenção de Istambul, o tratado destinado a prevenir e combater a violência contra as mulheres, o jornalista perguntou a Sentop: “E se um dia o Presidente diz ‘Retiro-me da Convenção Europeia de Direitos Humanos [que já suspendeu temporariamente], não reconheço Montreux?’”. “Pode fazê-lo. Não só o nosso Presidente, mas os da Alemanha, dos Estados Unidos ou da França também. Mas há uma diferença entre possível e provável”, respondeu Sentop.
O presidente do Parlamento já corrigiu o tiro, explicando que estava apenas a sublinhar os poderes presidenciais e não a referir-se a qualquer agenda política, mas os seus comentários sobre a Convenção de Montreux abriram de novo o debate sobre o Canal Istambul, o projecto multibilionário de Erdogan – ligando o Mar Negro, a norte de Istambul, ao Mar de Marmara, a sul – a ideia é que venha retirar pressão ao Bósforo, por onde passaram em 2020 mais de 38 mil navios e que tem sido palco de vários acidentes. Mas os críticos temem que o novo canal possa pôr em causa Montreux, permitindo aos navios passar entre o Mediterrâneo e o Mar Negro contornando os estreitos cobertos pela convenção.
Ancara aprovou o mês passado os planos para começar a desenvolver este projecto. Comparado com os canais do Panamá ou do Suez, é o último dos megaprojectos de Erdogan.
“Montreux deu à Turquia a possibilidade de manter a sua neutralidade durante a II Guerra Mundial”, lê-se na carta dos oficiais retirados sobre a convenção assinada em 1936. “É preciso evitar quaisquer declarações ou acções que possam pôr em causa a Convenção de Montreux, um tratado importante para a sobrevivência da Turquia”, escrevem.
Pior ameaça desde 2016
Para o Governo e os seus aliados, esta carta constitui a maior intervenção militar na política desde 2016, quando centenas de chefias militares tentaram derrubar Erdogan. O regime responsabilizou o líder religioso Fethullah Gülen, ex-aliado de Erdogan, pelo golpe que fez 251 mortos (a maioria civis que enfrentaram os golpistas) e deixou 2000 feridos.
Até à chegada de Erdogan e do seu AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento) ao poder, em 2002, as seculares Forças Armadas turcas eram a força dominante na Turquia e estiveram por trás de golpes de Estado em 1960, 1971, 1980 e 1997.
O Ministério da Defesa considerou que a divulgação da carta aberta “não serve nenhum objectivo excepto o de minar a nossa democracia, influenciar negativamente o moral e a motivação das Forças Armadas turcas e agradar aos nossos inimigos”.