Em Coimbra, nasceu um movimento para evitar o encerramento da Estação Nova

Grupo de cidadãos quer lançar debate público e impedir que a cidade fique sem a estação ferroviária da beira-rio. Há alternativas e motivos para manter o serviço, garantem.

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ADRIANO MIRANDA

A centenária Estação Nova de Coimbra tem uma sentença pendente desde os anos 1990. O projecto do sistema de mobilidade do Mondego – então na forma de metropolitano ligeiro de superfície – iria tomar o lugar do Ramal da Lousã e fazer também a ligação daquela estação ferroviária da beira-rio a Coimbra B. Mais de duas décadas depois – e agora com o metrobus, um sistema de autocarros eléctricos – o plano de encerrar a Estação Nova, a mais próxima do centro da cidade, mantém-se.

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A centenária Estação Nova de Coimbra tem uma sentença pendente desde os anos 1990. O projecto do sistema de mobilidade do Mondego – então na forma de metropolitano ligeiro de superfície – iria tomar o lugar do Ramal da Lousã e fazer também a ligação daquela estação ferroviária da beira-rio a Coimbra B. Mais de duas décadas depois – e agora com o metrobus, um sistema de autocarros eléctricos – o plano de encerrar a Estação Nova, a mais próxima do centro da cidade, mantém-se.

Mas o fecho é mesmo inevitável? Faz sentido? Há alternativas? Em Coimbra, nasceu um grupo que quer responder a estas questões e lançar o debate público. O Movimento Cívico pela Estação Nova (MCEN), que foi criado em Março, tem também uma posição declarada: “o objectivo é manter o serviço ferroviário no centro de Coimbra e impedir que seja desterrado para os arrabaldes”, explica um dos fundadores, Pedro Rodrigues Costa.

O membro diz que, apesar da “constante degradação do serviço” e de haver uma percepção generalizada de que é pouco utilizada, a Estação Nova ainda serve 113 mil passageiros por mês, um número que se compara com as 125 mil pessoas por mês que usam Coimbra B, que recebe as linhas de intercidades a alfa.

Outro número que serve de argumento é o dos transbordos. Pedro Rodrigues Costa, que é também sócio da Associação Portuguesa de Amigos dos Caminhos-de-Ferro, nota que à Estação Nova chegam passageiros directamente de Aveiro, Figueira da Foz, Guarda, Entroncamento e estações intermédias. Com a solução metrobus, quem venha desses destinos quiser chegar à Baixa de Coimbra seria obrigado a fazer “um transbordo desnecessário” em Coimbra B, afirma o arquitecto Duarte Miranda, outro dos fundadores do MCEN.

Estes são exemplos dos primeiros passos que o movimento quer dar: apresentar informação para fomentar o debate público.

A barreira e as alternativas

O MCEN baseia-se em números, mas não só. Vai também buscar argumentos ao tempo e ao modo. O projecto do então metropolitano de superfície começou a ser desenhado nos anos 1990, uma era em que as políticas públicas não olhavam com o maior dos afectos para a ferrovia. Em 2021, que é também o Ano Europeu do Transporte Ferroviário, o discurso do governo é diferente. “Mas estamos agarrados a um projecto que começou a ser desenhado em 1994, que só começou a ser implementado quase no final dos anos 2000, que esteve oito anos parado e que está a ser retomado com um downgrade”, lamenta Duarte Miranda.

O PÚBLICO perguntou à Sociedade Metro Mondego (SMM) se a decisão de encerrar a Estação Nova seria reversível. Na resposta, a entidade responsável pela implementação do projecto dá a entender que não e sublinha que a utilização do canal existente entre as estações pelo metrobus “apresenta importantes vantagens em termos de mitigação do efeito barreira” do caminho-de-ferro, “estando alinhado com os planos do município de reforçar a ligação entre a cidade e o rio Mondego”.

É esse efeito barreira – que estará a travar a regeneração urbana da beira-rio da cidade - que é referido para dar força à necessidade de retirar a ferrovia, num discurso que não é exclusivo de Coimbra. Duarte Miranda recusa a ideia e diz que é possível conciliar a ferrovia com a regeneração e traz para cima da mesa os exemplos das estações centrais de Amesterdão e Zurique. Os holandeses “desnivelaram a linha e aproveitaram para densificar o entorno”, aponta; no caso suíço, “limparam as gorduras da linha, como oficinas e terrenos que já não eram necessários, fez-se um plano urbano a longo prazo e estão a construir edifícios de escritórios e de habitação. Com as mais-valias da operação, modernizou-se a estação”. Ressalva, no entanto, que nenhuma solução pode ser copiada a papel químico.

De resto, afirma, “a linha é uma barreira física, tal como é um canal de metrobus. As barreiras têm que ser trabalhadas e há várias opções. Temos é que lhes dedicar um bocadinho de pensamento”.

E poderia haver formas de manter a linha e o metrobus em simultâneo. Duarte Miranda diz que, nesta fase, o movimento não se compromete com uma proposta de solução em concreto, “até porque não se conhece o plano de urbanização actual”. Mas há espaço, refere. O canal poderia ser instalado na avenida Fernão de Magalhães (ver infografia), exemplifica, o que até permitira aproximar o metrobus da sua verdadeira procura. Em vez de passar à beira-rio, os autocarros passariam por uma avenida que concentra serviços públicos, comércio, restauração e hotelaria.

A introdução de um canal alternativo na Fernão de Magalhães, responde ao PÚBLICO a Sociedade Metro Mondego, “foi estudada com a Câmara Municipal de Coimbra na solução de metro ligeiro de superfície”. Na altura, considerou-se “que não era viável em termos de circulação do tráfego rodoviário, numa artéria tão importante para a cidade como esta”.

Metrobus só em 2023

A Estação Nova foi construída em 1885, mas o plano não era fazer dela uma estação terminal, tendo recebido a companhia do Ramal da Lousã em 1906. O ramal seria levantado pouco menos de um século depois, em 2010, para instalar o metro, num processo que tem conhecido mais recuos do que avanços. Mas, em 2021, com um troço do metrobus já em construção, a discussão poderá sobre a Estação Nova poderá surgir com atraso.

Ainda é possível reverter uma decisão que praticamente não tem enfrentado resistência? Pedro Rodrigues Costa acredita que ainda se está a tempo de corrigir um erro. “Ainda vamos a tempo. A cidade merece isso”, desabafa, depois de fazer a lista das perdas ferroviárias da região: “Foi o Ramal da Lousã, o Ramal de Cantanhede, as oficinas de Coimbra B e as Oficinas da Pampilhosa. Tudo o que pedimos é que a cidade mantenha dois quilómetros de linha”.

Estava previsto que essa ligação fosse cortada no início de 2022, mas já só deverá acontecer no terceiro trimestre de 2023, refere a SMM ao PÚBLICO. A mesma entidade adianta que o concurso para as obras do metrobus no troço Estação Nova - Coimbra B (que inclui a remodelação de Coimbra B) deverá ser lançado dentro de um mês. Também a estimativa para a entrada ao serviço do primeiro troço do sistema de mobilidade do Mondego derrapou. Os autocarros deverão começar a circular entre Serpins, na Lousã, e a Portagem, já bem perto do centro de Coimbra, no terceiro trimestre de 2023. No entanto, Pedro Rodrigues Costa insiste na pergunta: “Se há uma linha de caminho-de-ferro que transporta passageiros, que funciona, porque não mantê-la?”