Corredor expulso por atirar garrafa para o chão. É a primeira vítima do “novo ciclismo”

A ideia da UCI é ajudar o ambiente, melhorar a imagem da modalidade e proteger os próprios atletas de acidentes com bidões. Há, porém, quem discorde desta regra.

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As novas regras da União Ciclista Internacional não eram uma tentativa pedagógica de consciencialização, mas uma ameaça aos ciclistas  e bem real. Este domingo marcou o dia em que, pela primeira vez, um ciclista foi expulso de uma corrida do World Tour por atirar um bidão para o chão. Sem contemplações, a organização da Volta à Flandres, uma das Clássicas Monumento, desqualificou o suíço Michael Schär, incumpridor das novas regras.

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As novas regras da União Ciclista Internacional não eram uma tentativa pedagógica de consciencialização, mas uma ameaça aos ciclistas  e bem real. Este domingo marcou o dia em que, pela primeira vez, um ciclista foi expulso de uma corrida do World Tour por atirar um bidão para o chão. Sem contemplações, a organização da Volta à Flandres, uma das Clássicas Monumento, desqualificou o suíço Michael Schär, incumpridor das novas regras.

A cerca de 100 quilómetros do final da corrida, o ciclista da Agr2 não respeitou a zona de arremesso de bidões, tendo mesmo sido “apanhado” em flagrante pela transmissão televisiva. Nas imagens vê-se que o suíço, a rolar fora do pelotão depois de um problema mecânico, parece ter-se apercebido do erro logo após ter atirado a garrafa.

O aparente arrependimento de pouco valeu ao gigante helvético, de 34 anos, que era um dos escudeiros de Greg van Avermaet nesta clássica, e Schär foi mesmo impedido de ajudar o belga, que acabou por ficar em terceiro lugar na corrida arrebatada pelo dinamarquês Kasper Asgreen.

Em causa está a deliberação da UCI, que definiu que, desde 1 de Abril, os ciclistas não podem atirar os bidões de água em qualquer ponto do percurso. Há zonas destinadas para o efeito e quem arremessar garrafas fora dessas áreas é penalizado.

Em provas por etapas este comportamento vale, numa primeira fase, uma multa e uma perda de pontos no ranking UCI. Em corridas de um dia, como era esta Volta à Flandres, o ciclista prevaricador é imediatamente desqualificado.

A ideia da UCI é um três-em-um: ajudar o ambiente, melhorar a imagem do ciclismo e proteger os próprios atletas de acidentes com garrafas – Geraint Thomas abandonou a última Volta a Itália depois de uma queda por culpa de um bidão.

“Além de ser potencialmente perigoso em certas situações, atirar lixo e objectos prejudica o meio ambiente e a imagem do nosso desporto. Também é um péssimo exemplo para os ciclistas não profissionais”, justifica a UCI.

Argumentos contrários

No pacote de novas regras avançadas pela UCI, a dos bidões não era das mais polémicas – essa foi, sobretudo, a proibição de pedalar em posições fora do selim. Ainda assim, há quem discorde da limitação de arremesso de garrafas, com três argumentos: um desportivo, um de marketing e um sentimental.

No plano desportivo aponta-se que não tem lógica obrigar os ciclistas a pensarem nas zonas de arremesso de bidões, em fases da corrida em que já têm de conciliar esforço físico, táctica de corrida e comunicação com as equipas.

Depois, relembra-se que oferecer bidões aos adeptos faz parte da própria estratégia de marketing das equipas e das marcas que as patrocinam.

Por fim, no plano mais emocional, argumenta-se que o arremesso de garrafas, quando feito para zonas com público – e foi o caso de Schär –, significa uma lembrança para os adeptos que tenham a sorte de agarrar o bidão do ciclista.

É sobretudo neste prisma que o ciclista suíço se defende desta desqualificação. E fê-lo contando uma história. “Lembro-me como se fosse hoje. Em 1997, os meus pais levaram-me à Volta a França. Esperámos três horas no meio da multidão e fiquei impressionado com toda aquela atmosfera e com a velocidade com que os ciclistas corriam. A partir daí, esse era o meu sonho. Acima de tudo isto, recebi um bidão de um ciclista. Aquela pequena garrafa de plástico completou o meu vício pelo ciclismo. Em casa, aquela garrafa lembrava-me todos os dias de qual era o meu sonho”, começou por contar, no Instagram.

E completou: “Hoje, sou um desses ciclistas. Em momentos calmos da corrida, guardo as minhas garrafas vazias até ver alguma criança junto à estrada, para lhe atirar gentilmente e para que ela possa apanhá-la em segurança. Nós somos o desporto mais acessível, que dá garrafas durante o percurso. Tão simples quanto isso. Simples como o ciclismo”.