Covid-19: Testes rápidos em massa não são “carta branca para a liberdade”
Debate na Áustria, a “campeã dos testes”, sobre a eficácia da medida no controlo da pandemia. Peritos dizem que podem ser úteis, mas chamam a atenção para os limites.
A Áustria apresenta-se como a “campeã mundial” dos testes de covid-19, sobretudo os testes rápidos, que foram sempre defendidos como parte essencial da estratégia de manter escolas abertas e serviços a funcionar, que já foi entretanto adoptada até fora do país.
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A Áustria apresenta-se como a “campeã mundial” dos testes de covid-19, sobretudo os testes rápidos, que foram sempre defendidos como parte essencial da estratégia de manter escolas abertas e serviços a funcionar, que já foi entretanto adoptada até fora do país.
A testagem em massa é vista com entusiasmo por alguns peritos, mas com cepticismo por outros. O crescente número de infecções na Áustria tem renovado o debate – a média de novos casos por dia está em cerca de 3200 (média móvel a sete dias, dados do site Our World in Data), tendo começado a subir a partir do mínimo dos últimos meses.
Este mínimo registou-se a 9 de Fevereiro, com uma média de 1300 novas infecções, na semana em que o país começou uma reabertura progressiva. Entretanto, anunciou um novo confinamento em algumas regiões aproveitando as férias da Páscoa.
O argumento dos defensores da testagem em massa, em especial Oswald Wagner, vice-reitor da Faculdade de Medicina da Universidade de Viena, é de que os testes, se forem feitos por um número suficiente de pessoas, permitem apanhar casos positivos que passariam despercebidos, de pessoas infectadas mas sem sintomas. Com estas pessoas encontradas, e isoladas, “os restantes 99% já não têm de abdicar da sua liberdade”, disse o especialista, citado pelo jornal austríaco Der Standard.
A Áustria está entre os países europeus que mais testam: a média móvel a sete dias era, a 31 de Março, de 33,84 testes por mil habitantes (dados do Our World in Data), quando Portugal, por exemplo, tinha uma média de 2,52 e a Alemanha de 2,31. No entanto, o país que mais testou, a Eslováquia (56,30) é neste momento um dos cinco países da União Europeia com mais mortes per capita de covid-19.
Imagem de marca
Wagner é um dos conselheiros do Governo austríaco para a gestão da pandemia e os testes têm sido parte da imagem de marca do Executivo, que encoraja os cidadãos a fazerem testes, incluindo testes que podem ser feitos em casa oferecidos pelo Estado (até cinco por agregado familiar). Nas escolas os alunos são testados duas vezes por semana e os testes também são obrigatórios para funcionários e clientes de cabeleireiros e centros de massagem, assim como edifícios governamentais.
O diário suíço Neue Zürcher Zeitung esclarece, num retrato sobre a testagem na Áustria, que o objectivo não é evitar confinamentos, mesmo que o Governo austríaco parecesse tê-lo sugerido inicialmente.
A sugestão parece, no entanto, ter ficado e ter tido influência além-fronteiras, por exemplo, na Alemanha. A cidade universitária alemã de Tübingen dá, a quem apresente um teste negativo ao vírus que provoca a covid-19, um “passe” válido por um dia para o centro da cidade, e a possibilidade de acesso a lojas para compras não essenciais, actividades culturais ou refeições em esplanada ao ar livre.
“Os olhos dos clientes brilham quando entram, temos finalmente um pouco de normalidade”, congratulava-se Sandra Pauli, que tem uma loja de decoração de interiores no centro da cidade. “Toda a gente está tão feliz.”
Também Weimar abriu lojas e museus a quem apresente um teste negativo, e o estado do Sarre quer mesmo abrir cinemas, ginásios e esplanadas de restaurantes já a 6 de Abril com uma combinação de testes rápidos e outras medidas de precaução. No programa de televisão Anne Will, a chanceler, Angela Merkel, criticou desconfinamentos com base em testagem.
Argumentos contra
Na Áustria, se um dos conselheiros do Governo é um dos maiores defensores dos testes rápidos em massa, um outro membro do mesmo organismo tem uma opinião exactamente contrária. “Até agora, os testes em massa não conseguiram fazer baixar as taxas de infecção”, diz simplesmente Günter Weiss, da Clínica de Medicina Interna da Universidade de Innsbruck, também ao jornal Der Standard.
A principal fraqueza dos testes rápidos, aponta, é que só respondem, dando um resultado positivo, quando a carga viral no corpo passa um certo limite. Por isso, podem dar resultados negativos em pessoas que, horas depois, ou um ou dois dias depois, já podem ter carga viral suficiente para infectar outras.
Um estudo nas escolas analisou uma semana de testes rápidos, e de 1,4 milhões de testes a professores e alunos revelaram 1247 casos de infecção (um quarto deles assintomáticos). Mas quando foram usados testes PCR, o número de infecções encontradas foi bastante mais alto, o que prova na prática a teoria de que os testes rápidos encontram menos casos positivos do que os PCR.
A segunda fraqueza, argumenta Weiss, é o modo como os políticos têm ligado os testes à possibilidade de fazer actividades em segurança: “Por cada caso que graças a estes testes se consigam ‘pescar’ entre os assintomáticos, acabamos por ter, por outro lado, alguém que fica infectado por um comportamento despreocupado”, alerta.
O jornal ouviu também o investigador Piotr Tymoszuk, que fez um estudo sobre a testagem em massa de uma zona de Itália cuja conclusão é que os testes em massa não servem para cortar a transmissão caso sejam feitos apenas uma vez.
Usados consistentemente já podem ter um papel, mas Tymoszuk aponta também o risco da mensagem aliada ao uso dos testes: “Quando os testes de antigénio são vistos apenas como uma carta branca para actividades, tenho dúvidas de que sirvam para travar a pandemia”. Nesse caso, as medidas clássicas “aborrecidas” – uso consistente de máscara, lavagem das mãos, evitar contactos e manter a distância – continuam a funcionar melhor, defende.
Mas, aponta desta vez Peter Klimek, do Complexity Science Hub de Viena, há a possibilidade de que quem faz testes serem por regra as pessoas que já são mais disciplinadas, e serem estas a repeti-los. Assim, para que houvesse realmente um efeito para o desconfinamento, seria preciso que fossem feitos ainda mais testes.
Falsa sensação de segurança
A falsa sensação de segurança de um teste negativo também é referida por Lukas Weseslindtner, da Faculdade de Medicina da Universidade de Viena, à emissora pública ORF. Não basta testar toda a gente para fazer uma festa com 30 pessoas em casa, exemplifica. “O teste ajuda-me a ter uma orientação aproximada, mas nada mais.”
A evocação da falsa segurança dos testes lembra o seu defensor, Wagner, do debate inicial sobre as máscaras, em que o seu uso não só não foi recomendado como foi activamente desaconselhado. “Não vamos fazer o óptimo inimigo do bom”: os testes continuam a ser uma ferramenta, sublinha.
Weseslindtner diz que são uma ferramenta, mas que é preciso mais. As medidas que estão em vigor na Áustria – testes, máscaras FFP2, limite de contactos – não estão a chegar para impedir surtos.
Mais uma vez, como em vários países da Europa, incluindo Portugal, a grande presença de novas variantes como a identificada em Inglaterra ou na África do Sul, e que são mais contagiosas, são grande parte do problema, que se espera que seja resolvido apenas com a vacinação.
A Áustria anunciou entretanto um confinamento rigoroso em Viena e nas regiões do Leste do país, que aproveita as férias da Páscoa e se estende até pelo menos 11 de Abril. Além do encerramento de serviços que impliquem contacto próximo (cabeleireiros, massagens), as escolas vão passar a ensino à distância.
Durante a Páscoa, apenas vão ser permitidos encontros restritos entre pessoas que não coabitem (por exemplo entre um agregado e uma pessoa que viva sozinha) e foi pedido às igrejas que realizem os serviços pascais ao ar livre.