Ainda vale a pena reservar um dia só para mentiras?
Ah, se houvesse ao menos um Dia das Verdades, para apagar todo este lixo que nos invade…
A brincadeira começou há mais de quatro séculos, em França, muito antes de ali terem inventado a guilhotina. E tudo por culpa do rei Carlos IX (1550-1574). O Ano Novo celebrava-se a 25 de Março, no início da Primavera, com festividades que incluíam troca de prendas e terminavam em 1 de Abril. Mas a mudança para o calendário gregoriano fez o rei transferir tais festas para 1 de Janeiro, o que levou os partidários da nova data a pregarem partidas aos resistentes à mudança (os que teimavam na data antiga), com presentes estranhos e convites para festas inexistentes. O costume pegou e alastrou-se pelo mundo. Nascia assim o Dia das Mentiras, a cada 1 de Abril.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A brincadeira começou há mais de quatro séculos, em França, muito antes de ali terem inventado a guilhotina. E tudo por culpa do rei Carlos IX (1550-1574). O Ano Novo celebrava-se a 25 de Março, no início da Primavera, com festividades que incluíam troca de prendas e terminavam em 1 de Abril. Mas a mudança para o calendário gregoriano fez o rei transferir tais festas para 1 de Janeiro, o que levou os partidários da nova data a pregarem partidas aos resistentes à mudança (os que teimavam na data antiga), com presentes estranhos e convites para festas inexistentes. O costume pegou e alastrou-se pelo mundo. Nascia assim o Dia das Mentiras, a cada 1 de Abril.
Mas foi caindo em desuso. Até porque as mentiras tornaram-se perigosas, deixando de lado o aspecto lúdico e invadindo o espaço da informação, da política, da economia durante anos, já não só nas velhas e inocentes 24 horas (com as mentiras desfeitas logo no dia seguinte). As mentiras de 1 de Abril punham os incautos a descobri-las. Mas as de agora não pretendem ter graça. E só ganham terreno porque lidam com um exército amorfo e narcotizado de “crentes”, que nunca perguntam “Porquê?” ou “Qual o nexo disto?”, antes de se vergarem a qualquer barbaridade.
Na internet, hoje indispensável em todo o mundo, abundam perpétuos “1 de Abril”. E o mais estranho é que milhares de pessoas continuam a cair em armadilhas de piratas espertos, que mais não fazem do que replicar estafadas receitas de roubo fácil. Há centenas de exemplos, com um só objectivo: chegar aos dados da vítima e extorquir-lhe dinheiro. Em Portugal, o Portal da Queixa registou uma média de 20 queixas por dia, num total de 600 reclamações em Janeiro passado.
Como agem? Como sempre: com mensagens mal escritas, cheias de erros, mas mesmo assim suficientes para fazer vítimas. Assinam com nomes de empresas existentes (que não têm culpas neste cartório) ou mesmo com nomes extravagantes como “Insunza Boloña Isidora” ou “Grazyna Sipinska”. Uns oferecem empréstimos: “Olá senhor / senhor. Oferece empréstimos em dinheiro de 5.000 a 5.000.000 de euros a qualquer pessoa […] você está preso ou banido. Se você realmente precisar, envie-me um endereço eletrônico para obter mais informações.” Outros falam em contas por pagar: “Sua fatura EDP expirou, efectue agora o pagamento e evite o desligamento […] Aceda ao Centro de ajuda para saber mais ou fale com a gente.” Outros ainda anunciam uma encomenda por entregar: “tentamos entregar seu pacote. Infelizmente, não podemos tentar entregar pacotes duas vezes no mesmo dia. […] Pague a sua factura de 2,82 EUR para receber o seu envio! Sinceramente!” Assinado “© CTT 2020”! Outros “pescam” nas águas turvas do espaço virtual: “Caro assinante. No momento, estamos atualizando nosso banco de dados de webmail [...]”; ou: “Seu Outlook excedeu o limite de armazenamento 2020 atualização 2021 * Clique AQUI * preencha e clique em ENVIAR para mais espaço”. Quem acredita?
Os mais espertos encenam ameaças: “Bom dia! Tenho monitorado o seu dispositivo na rede há muito tempo e consegui a hackearlo com sucesso. Não foi difícil para mim, pois tenho muita experiência neste ramo.” Bla, bla, bla. E exigem dólares, euros ou bitcoins. Outros “oferecem” dinheiro. E vão desde a velhíssima transferência milionária aos prémios a receber. “PROPASAL DE NEGÓCIO. Caro Respeitosamente, Meu nome é Sra. Qian CHENGJIAN, do CITIBANK, uma consultora financeira de Diego Slazar, um multimilionário. Posso CONFIAR em você ao transferir $ 9.356.669 USD”. Ou: “Estou entrando em contato hoje porque acredito que a pandemia realmente causou muitos problemas financeiros, então estamos concedendo uma doação para 5 pessoas sortudas e cada uma será aprovada no valor de 1.900.000 euros cada, então se você estiver interessado, pode responder agora”. Ou: “Olá, Euromilhões informa seu preço de 680.000 euros. Consulte as informações anexas e entre em contato com o Maitre Faure louis Maurice. Esta mensagem não é spam ou vírus.” Haverá quem inocentemente caia nisto?
Por último, há uma fraude antiga que ressuscitou, recorrendo a cópias de cabeçalhos de órgãos de comunicação e a figuras públicas com títulos como “El último gran escándalo” ou “Acidente trágico: Rui Rio perde tudo...” para anunciar assim negócios chorudos com bitcoins: “Cidadãos português estão coletando milhões de Euros usando essa ‘brecha de riqueza’ - mas isso é legal?”
Ah, se houvesse ao menos um Dia das Verdades, para apagar todo este lixo que nos invade…