A litigância de má-fé
Para que uma parte seja condenada por litigância de má-fé, exige-se que a sua conduta tenha sido de tal forma grave que se imponha o juízo de censura adequado.
Muitas vezes se ouve as pessoas referirem-se ao uso, pela parte contrária, de “má-fé” nos processos que correm em tribunal.
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Muitas vezes se ouve as pessoas referirem-se ao uso, pela parte contrária, de “má-fé” nos processos que correm em tribunal.
Frequentemente, os clientes entendem que a parte contrária, porque não tem qualquer razão, devia ser condenada pelos danos que, no seu entendimento, o processo lhes causou, assistindo-lhes alguma razão, quando se pensa que há processos que podiam (e deviam) ser evitados e que não deveriam, sequer, estar em tribunal.
Contudo, a maioria das pessoas não tem presente o conceito legal de litigância de má-fé.
A figura da litigância de má-fé está, expressamente, prevista no Código de Processo Civil que, no seu artigo 542.º, n.º 2, determina que litiga com má-fé quem:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
O que, efetivamente, se pretende com este instituto da litigância de má-fé é, conforme foi referido pelo legislador, “dissuadir, de forma eficaz, comportamentos processuais maliciosos ou a prática de actos processuais inúteis ou manifestamente dilatórios e reprimir, também, com eficácia, o exercício reprovável do direito de ação”.
Pretende-se, mais do que punir o caso concreto, alcançar objetivos de interesse público como seja, por exemplo, a diminuição do tempo que dura um processo em tribunal, contribuindo para a confiança no sistema judicial.
É verdade que, provando-se que uma das partes litigou de má-fé, esta poderá ser condenada a indemnizar a outra pelos danos que a sua conduta processual lhe causou, através da aplicação de uma sanção pecuniária (indemnização e multa), fixada pelo tribunal.
Para que uma parte seja condenada por litigância de má-fé, exige-se que a sua conduta tenha sido de tal forma grave que se imponha o juízo de censura adequado.
Com efeito, para que uma parte seja condenada por litigância de má-fé não basta ter perdido a ação ou não ter feito prova do que alegou. Não basta, sequer, que tenha até sido feita prova do contrário do que a parte alegou. Exige-se que tenha atuado com dolo ou negligência grave.
Foi o que aconteceu, por exemplo, num processo no qual foi alegado o incumprimento pelo pai da regulação das responsabilidades parentais, por não pagamento da comparticipação a que estava adstrito quanto às despesas de saúde da criança, em que a mãe acabou condenada como litigante de má-fé.
Com efeito, foi considerado na sentença e confirmado pelo Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 16 de dezembro de 2020 que, a mãe da criança usou o processo para obter vantagens indevidas, pois a verdade é que peticionou um determinado valor – a título de despesas de saúde do filho – no qual estavam incluídas despesas que, claramente, não se destinavam ao filho, como sejam, no caso concreto, medicamentos para si própria.
Entendeu o Tribunal da Relação que esta mãe recorreu ao processo para fins que não aqueles a que o mesmo se destina.
Com efeito, o incidente de incumprimento em causa (não pagamento de despesas de saúde) visa salvaguardar os alimentos devidos à criança e, consequentemente, o seu sustento e a atuação da mãe não foi nesse sentido.
Entendeu o Tribunal da Relação do Porto que “… o grau de diligência imposto à apelante é de um pai ou mãe medianamente prudente e cuidadoso, que por isso previamente à propositura de uma ação judicial saberia o montante gasto em despesas de saúde do seu filho”.
Assim, ao atuar de forma diversa da que lhe era exigida, esta mãe agiu de má-fé, violando grosseiramente as suas obrigações, o que levou à sua condenação como litigante de má-fé.
Há, pois, que, ao intentar uma ação, ponderar, mais do que a possibilidade de sucesso, a razoabilidade e veracidade do pedido efetuado.
Advogadas na Rogério Alves & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL.
As autoras escrevem segundo o novo acordo ortográfico