Novo centro do Iscte põe ciências exactas a conversar com as humanidades
O novo Iscte — Conhecimento e Inovação vai facilitar projectos que juntem as ciências sociais e humanas, as ciências exactas e as engenharias. O projecto de 12 milhões de euros recebe os primeiros 400 investigadores a partir do final de 2022.
O Iscte – Instituto Universitário de Lisboa está a criar um novo centro com a missão de integrar as ciências sociais e humanas com as ciências exactas e as engenharias. Quando estiver terminado, o Iscte – Conhecimento e Inovação deve juntar profissionais de áreas tão distintas como psicologia, arquitectura, antropologia, sociologia, gestão, economia, e tecnologia. A missão? Promover a partilha e valorização de conhecimentos de diferentes áreas para acelerar a inovação.
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O Iscte – Instituto Universitário de Lisboa está a criar um novo centro com a missão de integrar as ciências sociais e humanas com as ciências exactas e as engenharias. Quando estiver terminado, o Iscte – Conhecimento e Inovação deve juntar profissionais de áreas tão distintas como psicologia, arquitectura, antropologia, sociologia, gestão, economia, e tecnologia. A missão? Promover a partilha e valorização de conhecimentos de diferentes áreas para acelerar a inovação.
"Queremos pôr pessoas que olham para o mundo de diferentes formas a dialogar para perceber novos problemas e encontrar soluções. Grande parte da evolução de conhecimento e discussão vem de ambientes informais, a chamada ‘conversa de café’”, explica ao PÚBLICO Maria Lurdes Rodrigues, reitora do Iscte e ex-ministra da Educação. “O objectivo é deixar de ter várias unidades de conhecimento dispersas e motivar as pessoas a reunirem-se num pólo central.”
Para tal, oito centros de investigação, dez laboratórios e três observatórios do Iscte vão ser transferidos para as antigas instalações do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), na Avenida das Forças Armadas, em Lisboa, nos próximos dois anos. Do edifício original, mantém-se o Centro de Documentação do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, que ficará num novo espaço aberto ao público.
O projecto de 12 milhões de euros deve estar pronto para receber os primeiros 400 investigadores até ao final de 2022. A maioria do orçamento destina-se a reabilitar as instalações do antigo IMT com perto de três milhões de euros dedicados a adquirir novo equipamento de investigação. Cerca de cinco milhões de euros têm origem nos fundos europeus do Portugal 2020.
Interacção previne falhas
No final, o novo campus será o maior do Iscte com nove mil metros quadrados e capacidade de alojar mais de mil investigadores — incluindo estudantes dos programas de doutoramento — em espaços que promovem a interacção. “Existem inúmeros casos em que o progresso demora devido à falta de diálogo entre diferentes áreas”, justifica Maria Lurdes Rodrigues.
A reitora do Iscte dá o exemplo recente de aplicações criadas para acelerar o rastreio dos contactos das pessoas que são diagnosticadas com o vírus da covid-19. Vários países tentaram desenvolver sistemas do género, mas têm sido confrontados pela fraca adesão, problemas técnicos ou pela dificuldade em activar o sistema de alerta automático das apps. É o caso das versões de França, Reino Unido, Itália e também da app portuguesa StayAway Covid.
“Este tipo de aplicações poderiam funcionar melhor se existisse diálogo entre diferentes áreas de conhecimento. Há muitos sistemas que não podem depender só da engenharia”, argumenta. “Neste caso, é preciso conhecer as percepções públicas sobre cibersegurança e a capacidade dos profissionais de saúde para incorporar estas aplicações.”
É uma visão partilhada por outros académicos. No relatório Inteligência Artificial: Caminhos e Oportunidades — Uma Visão de Portugal, publicado este ano pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, uma das críticas ao modelo de inovação português era a falta de profissionais de ética e filosofia a pensar sobre inteligência artificial.
Há anos que a Comissão Europeia também tenta promover uma maior interacção entre as ciências sociais e humanas no desenvolvimento científico e tecnológico através do programa europeu de financiamento da ciência Horizonte 2020. “Muitos dos desafios societais que precisam de ser enfrentados através da investigação e da inovação são demasiado complexos para serem ultrapassados com uma única disciplina científica”, sublinhou Jean-Eric Paquet, director-geral do departamento de investigação e inovação da Comissão Europeia, no relatório de 2020 sobre os projectos do Horizonte 2020.
Para lidar com as alterações climáticas, por exemplo, é preciso ter conhecimento de psicologia e sociologia. Isto porque inovações ao nível do consumo energético e transportes só terão impacto se considerarem a forma como as pessoas mudam de comportamento.
É um dos motivos que levaram à criação de campus como o do Iscte – Conhecimento e Inovação um pouco por toda a Europa. É o caso do Social Sciences Research Park, da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, e da Unidade de Coordenação Académica (UCA) da Universidade Pompeu Fabra, em Espanha. Lurdes Rodrigues que acredita que este tipo de iniciativas — que a equipa do Iscte visitou para a criação do novo centro — demonstram “que é possível contrariar tendências difusas de desvalorização das ciências sociais e humanas.”
Saúde, transportes, indústrias culturais
E que tipo de projectos podem surgir no novo centro do Iscte? “Estamos muito interessados na saúde, na área dos transportes, nas indústrias culturais, mas não só”, enumera Lurdes Rodrigues. “A forma como se pode modernizar a administração pública através da ciência de dados e da inteligência artificial tem muito potencial”, continua.
Numa fase inicial, porém, os investigadores do centro devem dedicar-se a projectos já em curso como o DeSTRESS, da Business Research Unit (BRU), o pólo de estudos negócios do Iscte, que procura soluções para prevenir e gerir problemas de saúde relacionados com o uso excessivo de ferramentas digitais no trabalho. Ou o Muse, um projecto do Centro de Investigação e de Intervenção Social do Iscte que visa explorar o impacto da música no desenvolvimento de competências sociais.
“Temos muitos projectos em curso. O novo espaço serve apenas para melhorarmos as nossas conversas e perceber o que ainda pode ser feito”, resume Lurdes Rodrigues. “No fundo, queremos a riqueza que já existe nos vários centros de produção de conhecimento do Iscte num só campus.”
Correcção 01/04: É o Centro de Documentação do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P que ficará num novo espaço do Iscte — Conhecimento e Inovação aberto ao público. Uma versão inicial do artigo referia o Centro Nacional de Documentação Ferroviária.