Portugal e a região geopolítica do Atlântico
Manter o Atlântico como um espaço de paz, diálogo e cooperação é um objectivo ambicioso, mas urgente e vital para os nossos interesses, tendo em vista a renovação da vocação atlântica.
1. A segurança marítima é uma das prioridades da presidência portuguesa da União Europeia (UE) durante o primeiro semestre de 2021. Portugal contribuirá para ajudar a Europa a reconhecer o seu lugar no mundo a partir da porta que é aberta pelo Atlântico.
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1. A segurança marítima é uma das prioridades da presidência portuguesa da União Europeia (UE) durante o primeiro semestre de 2021. Portugal contribuirá para ajudar a Europa a reconhecer o seu lugar no mundo a partir da porta que é aberta pelo Atlântico.
É imperativo nacional controlar e defender o nosso espaço geográfico com uma dimensão essencialmente marítima - espaços marítimos com 20 vezes o território terrestre – e configuração arquipelágica com uma ZEE que é a segunda mais extensa da UE.
Importa ainda sublinhar, que o espaço marítimo resultante da fusão da ZEE e da extensão da Plataforma Continental (PC) será equivalente ao dos países da UE (ou Índia). Ou seja, mais de 40 vezes o território nacional, passando 97% do território a ser de natureza marítima. Este factor, porém, não tem sido considerado como racional no redimensionamento e apetrechamento da nossa Marinha.
Para perceber a importância do Atlântico, basta recordar que 80% do comércio externo e até 40% do comércio interno da UE tem lugar por via marítima e que grande parte dele transita pelo Atlântico. Acresce, que pelo mar são enviadas mais de 60% das nossas exportações e estamos dependentes em cerca de 70% das importações sendo recebida a totalidade do petróleo e 2/3 do gás natural que o país consome.
Assim, o valor geoestratégico de Portugal no Atlântico pode ser valorizado através de iniciativas concretas, que reforcem a capacidade e a credibilidade de Portugal na segurança e defesa do vasto espaço atlântico sobre o qual tem responsabilidades.
Ambicionamos ver a extensão da PC reconhecida pela ONU. Mas temos consciência de que ela representa uma responsabilidade acrescida por uma mais eficaz monitorização das actividades ilegais e criminosas que cruzam o oceano. É imperativo nacional controlar e defender o nosso espaço geográfico. Só com segurança marítima (dimensão security e safety) se desenvolve a normal actividade económica.
O Atlântico está a passar por uma profunda transformação que Portugal não pode deixar de seguir cuidadosamente. Um conjunto diversificado de factores está na origem desse processo nomeadamente: a chamada extensão dos direitos conferidos aos Estados, com os processos das PC; o aparecimento de novas potências emergentes que transformarão as dinâmicas do Sul e as interacções com o Norte; o alargamento do canal do Panamá tem impacto no porto de Sines fazendo de Portugal uma boa porta de entrada para a Europa;
E do ponto de vista geopolítico, Sines é também relevante porque o porto poderá vir a ser incluído na iniciativa chinesa “Belt and Road Initiative” (Nova Rota da Seda) no âmbito do acordo bilateral entre os dois países.
Além disso, o Atlantic Centre, criado nos Açores, vai ser um instrumento de afirmação de Portugal, promovendo a segurança cooperativa no conjunto do Atlântico, tendo em vista reforçar a capacidade e a credibilidade na segurança do vasto espaço atlântico sobre o qual tem responsabilidades.
2. Com efeito, para um país, como Portugal, que sempre viveu o seu destino em estreita ligação com o Atlântico e que precisa de explorar melhor todo o potencial que detém na região, o assunto é de importância estratégica.
Importa sublinhar que Portugal tem adicionado a relação entre o Atlântico Norte e Sul, referindo-se, portanto, à globalidade e centralidade geopolítica e geoeconómica do Atlântico.
A Norte o país nunca deixou de manter uma presença na NATO. Em sentido contrário, na sequência da descolonização, houve algum enfraquecimento do interesse pelo Sul, em parte devida às atenções no projecto europeu.
No entanto, Portugal deve dar uma maior dinâmica à tradicional visão do Atlântico como área de expansão económica e de relacionamento com os países da CPLP e paralelamente promover uma convergência de esforços entre os países costeiros do Norte e do Sul para a construção de uma comunidade que facilite a segurança comum das linhas de navegação e fontes energéticas.
O país teria ainda interesse em afirmar-se como um interveniente credível no Atlântico Sul, tendo em conta a defesa dos seus interesses nacionais e de uma visão integrada do Atlântico - que é abrangente e ambiciosa -, porque visa influenciar a reconfiguração da arquitectura de segurança que passa pelo desenvolvimento da segurança marítima no espaço africano e da gestão de crises.
Na realidade, ocorreu o recrudescimento da pirataria, fenómeno que se considerava extinto mas a que o Atlântico não ficou imune, nomeadamente do Golfo da Guiné (GdG), região de 2,3 milhões de Km2. Nesta região, em 2019, verificaram-se 90% dos raptos e assaltos no mundo.
A falta de segurança marítima põe em causa o transporte e a exploração dos imensos recursos naturais da região, nomeadamente hidrocarbonetos. Por isso, exigem-se políticas integradas no espaço do GdG permitindo assim evitar espaços vazios onde as actividades ilícitas se possam desenvolver.
A UE adoptou o mecanismo de Presenças Marítimas Coordenadas, tendo em vista operar em regiões designadas como Áreas de Interesse Marítimo, como é o caso do GdG, para coordenar as capacidades e as acções militares dos Estados-membros como Portugal, França e Espanha.
No contexto geopolítico e geoestratégico do Atlântico Sul identificam-se desafios e oportunidades que asseguram a possibilidade da presença naval portuguesa na região do GdG explorando o reforço do instrumento da cooperação militar no âmbito da CPLP – como tem acontecido com São Tomé e Príncipe.
No Atlântico Sul, o estatuto de potência emergente é aplicado ao Brasil, à África do Sul, a Angola e à Nigéria, na qualidade de exportador de recursos energéticos.
Estes quatro países estão a alterar o panorama da actividade económica através do Atlântico, que passará a ter uma maior participação do sul, com reflexos directos nos fluxos marítimos entre o Norte e o Sul e entre a América do Sul e África. O seu potencial energético já atrai os interesses da China e Índia e crescerá com as suas necessidades energéticas.
3. A questão central do desafio atlântico passa por duas dimensões distintas. Uma centrada a norte, assegurando, quer à NATO, quer à UE, um controlo da respectiva área marítima, cuja segurança é importante para a economia mundial. A outra é a centrada a sul, no âmbito do relacionamento bilateral e multilateral da CPLP – que deve ser encarado de forma mais dinâmica – no que diz respeito segurança marítima, combate à pirataria, criminalidade organizada e cibercriminalidade.
É também estratégico para Portugal o facto da administração norte-americana poder interessar-se mais por África, pois uma melhor relação no âmbito da agenda transatlântica poderá melhorar o diálogo sobre a utilização da Base das Lajes, revalorizando a sua importância estratégica. E, de acordo com últimos desenvolvimentos, a base passará a integrar a rota sul no Atlântico entre os EUA e África.
Manter o Atlântico como um espaço de paz, diálogo e cooperação é um objectivo ambicioso, mas urgente e vital para os nossos interesses, tendo em vista a renovação da vocação atlântica.
Portugal tem um potencial relevante para dar um contributo útil à operacionalização de uma visão integrada do Atlântico. Tem experiência da região, tem proximidade política com os principais intervenientes, tem relações privilegiadas com o Sul, e tem a ambição de desempenhar um papel activo na segurança marítima ao nível internacional.
O reforço do vínculo transatlântico, da maritimidade europeia, com o potencial do Atlântico Sul, contribuirá para a revalorização geoestratégica de Portugal no sistema internacional e confere-lhe maior autonomia estratégica.