AVC: Prevenir, tratar e reabilitar em tempos de pandemia
O AVC continua a representar a principal causa de mortalidade e incapacidade em Portugal. A cada hora, três pessoas sofrem um AVC sendo que uma acaba por morrer. Esta quarta-feira assinala-se o Dia Nacional do Doente com AVC.
São 9h35. José António está a tomar o pequeno-almoço na companhia da mulher, Maria. Folheia as páginas do seu jornal diário lendo as últimas sobre a pandemia quando, subitamente, sente que a sua mão direita deixa de lhe obedecer. Tenta comentar esta estranha sensação com Maria mas apenas consegue emitir algo que o próprio não consegue entender. Alarmada, Maria nota que o marido tem a “boca ao lado” e não consegue mobilizar o braço direito. Ela sabe que o marido é um doente de risco pois, aos 67 anos, sofre de hipertensão e diabetes e fuma um maço de cigarros por dia.
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São 9h35. José António está a tomar o pequeno-almoço na companhia da mulher, Maria. Folheia as páginas do seu jornal diário lendo as últimas sobre a pandemia quando, subitamente, sente que a sua mão direita deixa de lhe obedecer. Tenta comentar esta estranha sensação com Maria mas apenas consegue emitir algo que o próprio não consegue entender. Alarmada, Maria nota que o marido tem a “boca ao lado” e não consegue mobilizar o braço direito. Ela sabe que o marido é um doente de risco pois, aos 67 anos, sofre de hipertensão e diabetes e fuma um maço de cigarros por dia.
Reconhecendo no marido os três sinais de alarme do Acidente Vascular Cerebral (AVC) — Fala (dificuldade em falar), Face (desvio da face) e Força (alteração da força num braço um num lado do corpo) — decide ligar de imediato para o 112, seguindo os passos que ouviu um médico recomendar num programa de televisão para activação da Via Verde AVC. Rapidamente uma ambulância o transporta ao hospital onde lhe confirmaram que uma das artérias mais importantes do cérebro estava entupida por um coágulo. Em menos de 30 minutos começou um tratamento para dissolver o coágulo (trombólise) e foi transferido para outro hospital para fazer um procedimento para o retirar definitivamente (trombectomia).
Às 13h30, José António já estava na Unidade de AVC e começava a conseguir dizer pequenas frases. Vinte e quatro horas depois estava de regresso ao seu hospital de origem e já era capaz de movimentar sem dificuldade o braço direito e falar de forma quase normal. Após uma semana estava de volta a casa com indicação para realizar terapia da fala mas totalmente capaz de realizar as suas tarefas diárias de forma autónoma.
O AVC continua a representar a principal causa de mortalidade e incapacidade em Portugal. A cada hora, três pessoas sofrem um AVC sendo que uma acaba por morrer e metade fica com algum tipo de sequelas, com marcas importantes na vida pessoal, familiar, social e profissional. Nos últimos anos, com o desenvolvimento de novos tratamentos e a criação, um pouco por todo o país, de serviços dedicados ao tratamento do AVC (as Unidades de AVC) — conseguiu-se obter uma importante redução da mortalidade por esta doença — cerca de 39% entre 2011 e 2015. As campanhas de sensibilização para a importância das medidas de prevenção, reconhecimento dos sinais de alarme de AVC e sobre os procedimentos a adoptar em caso de suspeita de AVC têm sido prioridades ao longo dos últimos anos e delas se começavam a obter resultados sólidos e sustentáveis para a saúde da população.
Com a explosão da pandemia por covid-19, tudo mudou na nossa vida. No último ano vimo-nos confrontados com o maior desafio civilizacional das últimas décadas, com naturais impactos a nível dos serviços de saúde. Porque, sabendo nós que os recursos não são ilimitados, a magnitude da pandemia levou à necessidade de reorganização de meios e recursos humanos, físicos e tecnológicos. Proporcionar a resposta adequada à pandemia e manter a resposta necessária às restantes patologias, tem sido um desafio diário no último ano. Por outro lado, a pandemia aumentou o receio dos doentes em procurar ajuda e em recorrer aos serviços de saúde, colocando em causa, quer o seguimento das patologias crónicas, quer a resposta a situações urgentes.
No âmbito concreto do AVC, as repercussões desta situação foram evidentes. Logo nos primeiros meses de confinamento, um inquérito realizado pela Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral junto de 32 hospitais portugueses, mostrou que em metade deles se registou uma redução de 25 a 50% no número de internamentos por AVC, evidenciando o receio de recurso aos serviços de saúde. Por outro lado, os doentes chegavam tarde aos hospitais, numa fase em que muitos dos tratamentos decisivos para evitar as consequências do AVC já não são passíveis de ser realizados. Muitos chegavam já com complicações que contribuíram para um prognóstico menos favorável e limitaram o potencial de recuperação dos sobreviventes. Simultaneamente assistiu-se a uma redução dos, já habitualmente deficitários, meios destinados à reabilitação em paralelo com a das respostas sociais indispensáveis à fundamental recuperação e reintegração familiar e social dos sobreviventes de AVC. Por último, também a dimensão da prevenção foi afectada a diversos níveis, quer pelo compromisso do seguimento regular dos doentes em consultas nos Cuidados de Saúde Primários, pelo descurar do controlo dos factores de risco e até pelas restrições à circulação de pessoas e a interrupção de actividades desportivas fundamentais para a manutenção de um estilo de vida saudável.
Neste contexto, foi fundamental a rápida resposta de profissionais e instituições de saúde em diversas dimensões. Reforçaram-se campanhas de divulgação destinadas à população, criaram-se formas alternativas de contacto e seguimento dos doentes, nomeadamente com recurso à telemedicina, optimizaram-se circuitos hospitalares para manter a resposta na fase aguda do AVC. Dispomos assim de todos os meios para fazer face às necessidades de saúde da população.
É fundamental que todos saibam que é seguro, para além de fundamental procurar ajuda. As pessoas não devem adiar as suas consultas e exames e, em situações de urgência, não devem hesitar em contactar as linhas de emergência e recorrer aos serviços hospitalares. Só prevenindo, identificando precocemente, tratando e reabilitando adequadamente conseguiremos diminuir o impacto do AVC e das doenças cerebrovasculares na população.
Da mesma forma que a covid-19 não é o fim da linha para a humanidade, o AVC também não o será para cada doente se utilizarmos as armas mais adequadas para o combater. E para isso é fundamental um esforço concertado de todos. Tal como no caso de José António é necessário agir rápido e sem hesitações para que todos os elos da cadeia possam funcionar e os doentes possam ter os melhores cuidados em cada momento. Porque cada minuto conta na resposta ao AVC! Porque “tempo é cérebro”!