Fisco recua e não aplica IRS aos apoios dos trabalhadores a recibos
A horas do arranque da entrega do IRS, Finanças mudaram interpretação sobre apoios à redução da actividade. Afinal, não estão sujeitos a IRS. Instruções de preenchimento das declarações dizem o contrário.
A administração fiscal fez tábua rasa de algumas das informações que publicou ao longo do último ano sobre a tributação dos apoios da covid-19 — e contrariamente às instruções de preenchimento das declarações de rendimento publicadas até esta quinta-feira à noite no Portal das Finanças — anunciou que, afinal, não vai aplicar IRS aos vários apoios excepcionais que foram pagos em 2020 aos trabalhadores independentes.
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A administração fiscal fez tábua rasa de algumas das informações que publicou ao longo do último ano sobre a tributação dos apoios da covid-19 — e contrariamente às instruções de preenchimento das declarações de rendimento publicadas até esta quinta-feira à noite no Portal das Finanças — anunciou que, afinal, não vai aplicar IRS aos vários apoios excepcionais que foram pagos em 2020 aos trabalhadores independentes.
Esta decisão é inédita e contrária ao entendimento que o fisco deu a conhecer há um ano e que mantinha inalterado até este momento — a decisão foi anunciada ao final da tarde desta quarta-feira pelo Ministério das Finanças, apenas 4h30 antes do início da entrega das declarações de rendimento (o prazo de apresentação começa às 0h desta quinta-feira, 1 de Abril, e dura até 30 de Junho).
O apoio extraordinário à redução da actividade económica dos trabalhadores independentes — que, até agora, o fisco dizia que estava sujeito a IRS e que teria de ser declarado no campo 412 do anexo B da declaração como se fosse um “subsídio destinado à exploração” — não será, afinal, tributado.
Como a mudança é de última hora, as instruções de preenchimento das declarações publicadas no Portal das Finanças estão desactualizadas, porque se baseiam no entendimento anterior, isto é, na leitura que prevaleceu durante meses e que só agora mudou, na véspera da entrega. Até às 21h, as instruções oficias ainda referem que este apoio tem de ser declarado no campo 412.
Já de acordo com a nova versão que o Ministério das Finanças deu a conhecer através de um comunicado, os trabalhadores independentes não terão de declarar os valores do apoio a redução da actividade (artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020), nem os valores do apoio extraordinário a trabalhadores (o montante fixo mensal dos 438,81 euros criado pelo Artigo 325.º-G do Orçamento Suplementar, a que alguns trabalhadores puderam aceder depois de esgotarem o acesso ao apoio original).
Outros apoios sem IRS
Da mesma forma, também os montantes da linha de apoio aos artistas e outros profissionais da cultura (do Fundo de Fomento Cultural) não têm de ser declarados, porque, afinal, também não serão tributados. Os trabalhadores deverão, assim, ignorar a informação que se encontra publicada nas instruções das Finanças para declarar essas verbas no campo 413 do anexo B.
A medida extraordinária de incentivo à actividade profissional (o apoio à quebra da actividade criado para quem não reunia o número suficiente de descontos à Segurança Social) e a medida de enquadramento de situações de desprotecção social (outro apoio idêntico) também já não têm de ser declaradas no campo 412, porque também não estão sujeitas a IRS.
O fisco mudou este enquadramento depois de discutir com a Segurança Social como é que as medidas excepcionais deveriam ser encaradas fiscalmente. E se, durante meses, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) considerava que os apoios à redução da actividade eram subsídios — num ofício chegou a escrever que “os apoios não consubstanciam apoios sociais, uma vez que não há cessação de actividade” —, agora, já entende que o suporte financeiro da Segurança Social visa compensar a perda de rendimentos mesmo que actividade continue a existir.
Apoio à família sujeito IRS
Só alguns dos entendimentos que o fisco deu a conhecer aos contribuintes num ofício de Abril de 2020 mudaram, outros mantêm-se iguais.
Há medidas que o fisco já considerava que deveriam ser alvo de tributação e esse entendimento não mudou.
Em síntese, deixando de lado as mudanças de interpretação, a leitura feita pelo Ministério das Finanças é esta: “Os apoios pagos aos trabalhadores pela Segurança Social no âmbito das medidas excepcionais e temporárias de resposta à pandemia covid-19 para compensação de retribuições estão sujeitos a IRS, enquanto os apoios destinados à compensação de perda de rendimentos estão excluídos de tributação em sede de IRS”.
Na prática, só há três apoios que são tributados: os pagamentos aos trabalhadores que estiveram em layoff simplificado; os pagamentos do novo layoff (apoio à retoma); e os apoios excepcionais à família (o apoio aos pais que tiveram e ficar em casa quando as creches e escolas fecharam por causa da pandemia).
Na maioria dos casos (trabalhadores por conta de outrem), estes valores já deverão aparecer pré-preenchidos no Portal das Finanças, porque foram as empresas que processaram os apoios e já tiveram de comunicar ao fisco essa informação, tal como fazem com os salários. Já os trabalhadores independentes terão de os declarar agora o valor do apoio à família (devem fazê-lo no campo 414 do anexo B).
No entanto, isso já não acontecerá relativamente aos apoios criados para compensar as quebras de facturação sentidas ao longo do ano passado. Na prática, os trabalhadores independentes poderão aceitar a declaração automática — que este ano se aplica pela primeira vez a este universo de contribuintes — se os rendimentos do trabalho assumidos pelo fisco estiverem correctos e a restante informação também.
O automatismo abarcará os profissionais que estão inscritos na AT como profissionais associados a um dos códigos da tabela a que se refere o artigo 151.º Código do IRS e que só auferiram estes rendimentos. De fora ficam os trabalhadores independentes registados como “outros prestadores de serviços” (código 1519).
Complemento do layoff sem tributação
Outra das medidas em relação à qual o fisco mudou de entendimento — contrariando as informações que as Finanças deram à imprensa nas últimas semanas — tem a ver com o enquadramento do complemento de estabilização pago directamente pela Segurança Social a alguns trabalhadores que estiveram em layoff. Se, até ao momento, a AT considerava que este montante deveria ser tributado, agora já entende que não deve ser.