Uma noite em que o futebol venceu a política
Espanha não reconhece o Kosovo como nação independente e a TVE, canal que transmitiu a partida entre os países, chamou tudo menos “Kosovo” ao país balcânico. Com provocações e política à parte, no relvado o jogo foi tranquilo: venceu o futebol.
Como constatou o jornalista espanhol Miguel Ángel Lara, o futebol é tão grande que há mais países registados na FIFA (211) do que nas Nações Unidas (193 mais dois estados observadores). Este dado serve de preâmbulo para provar que, nesta quarta-feira, a força do futebol venceu a da política.
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Como constatou o jornalista espanhol Miguel Ángel Lara, o futebol é tão grande que há mais países registados na FIFA (211) do que nas Nações Unidas (193 mais dois estados observadores). Este dado serve de preâmbulo para provar que, nesta quarta-feira, a força do futebol venceu a da política.
O Kosovo viajou até Sevilha, onde acabou por perder (3-1) frente à poderosa Espanha, na qualificação para o Mundial 2022. O resultado, já esperado, não é a notícia principal – a notícia é o facto de a Espanha ter recebido uma nação que não reconhece como tal.
Se o futebol propriamente dito não fugiu ao que deveria ser – uma disputa competitiva, mas saudável –, o ambiente à volta da partida foi tudo menos normal. Quem viu o jogo pela televisão espanhola TVE – que colocou a sigla do Kosovo em caixa baixa –, percebeu que no canal do país vizinho os narradores foram instruídos a não falarem do Kosovo, tendo de encontrar outras formas de o designar. “O adversário de Espanha”, “a equipa da Federação de Futebol do Kosovo” e “o território de Kosovo” foram algumas delas. Também o speaker do estádio evitou falar do país, dizendo “equipa kosovar”.
Alterações provocatórias que, para a Espanha, fazem toda a diferença: permitem que remeta a equipa do país balcânico da ex-Jugoslávia a um grupo de onze rapazes que se juntam para efeitos futebolísticos e não um a grupo de jogadores em representação de um determinado território – o tal que Espanha não reconhece como nação independente.
Os espanhóis, que são um dos cinco países da União Europeia que não reconhecem o Kosovo (os restantes são Chipre, Roménia, Eslováquia e Grécia), chegaram mesmo a provocar o adversário, nos últimos dias, referindo-se à equipa kosovar como “território de Kosovo”. Os responsáveis federativos do jovem território, unilateralmente independente da Sérvia desde 2008, queixaram-se, mas a Espanha pouco crédito lhes passou.
No futebol o Kosovo ainda é pobre
Do lado kosovar existe, futebolisticamente, uma equipa com poucos artistas de calibre mundial. Quando fez o primeiro jogo oficial como selecção (em 2016, frente à Finlândia), o Kosovo arranjou onze jogadores já perto do início da partida.
Independente em 2008, este país ainda não consegue ter futebolistas nascidos já no Kosovo e a FIFA abriu uma excepção aos regulamentos, permitindo que muitos jogadores tenham mudado de selecção para actuarem pelo Kosovo – há, sobretudo, ex-atletas da “irmã” Albânia.
Para Espanha, o passaporte kosovar não é sequer admitido para entrar no país, mas o Ministério do Interior espanhol abriu uma excepção. No fim de contas, dentro do relvado, tudo se passou, nesta quarta-feira, como definem a FIFA e a UEFA: ao futebol o que é do futebol, à política o que é da política.
E, neste domínio, mandaram os espanhóis. Depois de um empate frente à Grécia e uma vitória curta frente à Geórgia, a equipa de Luís Enrique precisava de vencer e convencer. E fê-lo. Triunfou por 3-1 (Dani Olmo, Ferran Torres e Gerard Moreno), numa exibição globalmente convincente e de domínio quase total, selando um desfecho que lhe permite subir à liderança do grupo B, com sete pontos em três jogos, mais um do que a Suécia (seis pontos em dois jogos).