Mais de metade dos sobreviventes de AVC ainda não retomaram tratamentos de reabilitação

Apenas 26% dos sobreviventes de um acidente vascular cerebral conseguiram retomar os tratamentos de reabilitação de forma idêntica à pré-pandemia, segundo inquérito.

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Os AVC são a maior causa de incapacidade em Portugal, mas os tratamentos de reabilitação continuam parcialmente suspensos devido à covid-19 Adriano Miranda (arquivo)

Mais de metade dos doentes que sobreviveram a um Acidente Vascular Cerebral (AVC) inquiridos num estudo disseram que devido à pandemia ainda não conseguiram retomar os tratamentos de reabilitação e apenas um terço teve as consultas médicas de seguimento de “forma habitual”.

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Mais de metade dos doentes que sobreviveram a um Acidente Vascular Cerebral (AVC) inquiridos num estudo disseram que devido à pandemia ainda não conseguiram retomar os tratamentos de reabilitação e apenas um terço teve as consultas médicas de seguimento de “forma habitual”.

Divulgado na véspera de se assinalar o Dia Nacional do Doente com AVC, o inquérito da Portugal AVC - União de Sobreviventes, Familiares e Amigos, que decorreu entre 4 e 17 de Março de 2021 e contou com a participação de 823 doentes, revela “grandes dificuldades” no acesso a consultas e tratamentos de reabilitação.

Em declarações à agência Lusa, o presidente da Portugal AVC, António Conceição, adiantou que já tinha sido realizado um primeiro inquérito em finais de Abril de 2020, numa altura em que o país estava em confinamento devido à pandemia de covid-19, em que “o panorama era absolutamente desastroso” com 91% dos sobreviventes a não terem acesso a qualquer forma de reabilitação.

A organização decidiu repetir o inquérito este mês, com enfoque no período que vai do último Outono/Inverno até ao presente, “e o panorama que daí resultou foi igualmente preocupante”, disse António Conceição.

Segundo o estudo, apenas um em cada três inquiridos teve consultas médicas previstas para o seguimento após o AVC de forma habitual, 29% apenas tiveram acesso a teleconsulta, e 38% dos casos não tiveram acesso a nenhuma das formas alternativas, tendo as suas consultas sido canceladas ou ficado a aguardar marcação.

Para António Conceição, esta falta de acompanhamento de consultas previstas para o seguimento após AVC (Medicina Geral e Familiar, Medicina Interna, Neurologia ou Fisiatria) “é muito grave”, porque tais consultas podem ser fundamentais para “prevenir novos episódios, evitar outras complicações de saúde e enquadrar os cuidados de reabilitação adequados”.

O inquérito revela também que apenas 26% dos sobreviventes que realizavam tratamentos de reabilitação os retomaram de forma idêntica à pré-pandemia, enquanto 55% ainda não os conseguiram retomar, “apesar de, supostamente, desde Maio do ano passado as clínicas estarem abertas e os hospitais a prestarem os ‘cuidados normais'”.

Houve ainda 19% dos inquiridos que fizeram menos tratamentos de reabilitação, considerados pelos sobreviventes como “o principal medicamento”.

Estes dados são “particularmente gravosos” dada a grande importância que os cuidados de reabilitação (fisiatria, terapia da fala, terapia ocupacional) têm no AVC, uma doença que causa cerca de 25 mil internamentos por ano e é a maior causa de incapacidade em Portugal, atingindo todas as idades e deixando múltiplas sequelas.

De acordo com o estudo, 41% dos inquiridos que beneficiam ou beneficiavam destes tratamentos dizem ter agora maiores dificuldades na movimentação e ou comunicação do que antes deste período.

Estes resultados mostram que “as clínicas de reabilitação têm uma capacidade reduzida face ao que tinham anteriormente” e que continuam as dificuldades de transporte, bem como as dificuldades de acesso às credencias para as consultas, entre outras, disse António Conceição, sobrevivente de AVC.

Nos meses após o AVC - alertou - “cada semana de espera ou de paragem não deixará de afectar significativamente a funcionalidade recuperada e a qualidade de vida do doente, com custos incalculáveis para o bem-estar físico e mental de todos os envolvidos, e mesmo financeiro, inclusive com reflexos no próprio Estado”.

“De facto não se vê luz ao fundo do túnel porque a falta continuada de uma estratégia que permita uma reabilitação eficaz, coordenada e multidisciplinar (...) tem consequências desastrosas na saúde e na funcionalidade dos sobreviventes de AVC”, alertou o responsável, que já deu conhecimento dos resultados ao Governo.