Em busca da resiliência perdida: como podem os pais ajudar os filhos a serem perseverantes?

Muitas pessoas, incluindo as crianças, apresentam “dificuldade em encontrar um sentido para o que vivemos e uma forma saudável de o atravessar”.

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Ramin Talebi/Unsplash

Durante as últimas décadas, muitos foram os pais que tentaram a todo custo evitar que os filhos tivessem contrariedades, na senda da felicidade. Mas, de há um ano a esta parte, em pandemia, as famílias enfrentam limitações diárias no que diz respeito ao desenvolvimento de tarefas sociais e, ainda que muitas crianças e adolescentes possam ser resilientes, a pandemia tem vindo a testar os seus limites. O afastamento da família e dos amigos, o medo da doença, o uso de máscara e todas as actividades, escolares e de lazer, à distância, têm tido um grande impacto na saúde física e mental de todos.

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Durante as últimas décadas, muitos foram os pais que tentaram a todo custo evitar que os filhos tivessem contrariedades, na senda da felicidade. Mas, de há um ano a esta parte, em pandemia, as famílias enfrentam limitações diárias no que diz respeito ao desenvolvimento de tarefas sociais e, ainda que muitas crianças e adolescentes possam ser resilientes, a pandemia tem vindo a testar os seus limites. O afastamento da família e dos amigos, o medo da doença, o uso de máscara e todas as actividades, escolares e de lazer, à distância, têm tido um grande impacto na saúde física e mental de todos.

A “felicidade” deu lugar a uma nova palavra, a “resiliência”, cujo significado se tornou dos mais procurados nos motores de busca, que foi incluída no famoso Plano de Recuperação e Resiliência. Os pais prepararam os filhos para terem capacidade de se adaptarem à mudança? Para resistirem à pressão em situações adversas? Para superarem obstáculos? “Já tínhamos alguns sinais de que não estávamos a preparar, nomeadamente, as novas gerações com as ferramentas psicológicas para lidarem com a frustração, dor, sofrimento, incompletude”, disse Helena Águeda Marujo, em entrevista ao PÚBLICO, no início do mês. “Poderemos ter tido uma geração de pais hiperprotectores, que teve dificuldade em ensinar que a felicidade se faz também com a capacidade de superar a infelicidade. Para ser mais maduro emocional e espiritualmente preciso da experiência de confronto com a dor”, defendeu.

Muitas pessoas, incluindo as crianças, apresentam “dificuldade em encontrar um sentido para o que vivemos e uma forma saudável de o atravessar”, começa por dizer Rosário Carmona e Costa, psicóloga clínica e fundadora do Instituto Belong, em Algés, acrescentando que a procura dos serviços de saúde mental “atingiu, neste segundo confinamento, números nunca antes vistos”. Gerir sintomas de ansiedade e de depressão tem-se tornado cada vez mais difícil. 

Actualmente, muitas crianças e jovens sentem “a ausência da sensação de liberdade, dos abraços, do convívio com a família alargada e com os amigos”, descreve a psicóloga clínica Vera Ramalho, directora do Psiquilíbrios, em Braga, explicando como as relações interpessoais têm um “papel fundamental” no bem-estar de todos, contribuindo para o sentimento de felicidade, “um estado interior de cada pessoa”.

É mais complicado conseguir afirmar que, em plena pandemia, o sentimento de felicidade esteja fortemente presente, mas é possível promover “níveis de resiliência em tempos tão adversos” de forma a aumentar o bem-estar das crianças, defende José Morgado, psicólogo e docente no departamento de Psicologia e Educação do ISPA - Instituto Universitário, em Lisboa. “O bem-estar é uma dimensão mais tangível do que felicidade”, assegura.

A resiliência pode ser definida como “uma construção psicológica”, a maior ou menor facilidade com que as pessoas lidam com situações mais desconfortáveis. “É a forma como utilizamos os nossos recursos para enfrentar uma situação e daí decorre uma aprendizagem que nos faz colocar algo em prática”, aponta Rosário Carmona e Costa. Não sendo possível apagar “diferenças individuais de uma forma definitiva”, como ressalva José Morgado, é possível “tornar as crianças, apesar das suas diferenças, mais resilientes”. 

Algumas estratégias para ajudar as crianças a enfrentar o desânimo e a serem mais resilientes:

A pandemia não tem de determinar a nossa vida

Os pais podem mostrar aos filhos que os eventos difíceis não têm de determinar o curso das suas vidas. Existem muitos aspectos que podemos controlar e modificar. De acordo com Vera Ramalho, é particularmente importante que os pais mostrem aos mais novos que “é normal terem pensamentos e emoções positivas e negativas e que todas são válidas”. É fundamental que os adultos consigam “dar mais atenção ao que funciona nas suas vidas individualmente e em família, dar relevo às capacidades e competências individuais da criança e ensiná-la a usá-las a seu favor”.

Desenvolver a confiança e a auto-estima

“Tu és capaz.” José Morgado defende a importância de a criança perceber que os erros são normais, corrigíveis e não alteram as suas qualidades e capacidades. Aumentar a confiança e ajudar na auto-estima das crianças e adolescentes, fazê-las ver que são capazes, é um ponto bastante significativo. Potenciar a experiência dos filhos, ajudar a combater a ideia de que não têm capacidades para desempenhar determinada tarefa ajuda, também, a torná-las mais resilientes.

Ter pensamentos positivos

Foque a criança em pensamentos saudáveis e no presente. Os pais devem criar o espaço de positividade que a criança necessita. “Com algumas crianças poderá ser útil construir um diário, de modo a escrever as principais situações que acontecem no dia, os sentimentos que surgiram, o que correu bem ou mal e tomar decisões diferentes no dia seguinte”, sugere Vera Ramalho.

No entanto, promover a positividade não se deve traduzir num “incentivo às crianças a não pensarem em coisas más ou não verem o lado negativo” das coisas, sendo que é importante que o façam de maneira a que “contactem com todas as emoções de forma realista, mas depois possam ser hábeis a detectar aspectos positivos numa situação que impulsione à acção”, recomenda Rosário Carmona e Costa.

Promover a autonomia 

José Morgado recorre a uma expressão de Almada Negreiros — “Educar é ajudar alguém a tomar conta de si próprio” — para defender a importância de os pais incutirem a autonomia aos filhos. Crianças autónomas são, de forma evidente, mais resilientes, mais capazes de pensar sobre o que fazer, sobre o cumprimento das regras. É essencial promover a autonomia e a responsabilidade na realização de algumas tarefas, de acordo com a idade da criança, defende.

Ser flexível

Ensine a criança a ser flexível. Segundo Rosário Carmona e Costa, os pais devem promover a capacidade de flexibilidade dos filhos. Saber “reajustar desejos e objectivos sempre que compreenda a impossibilidade da realização do esperado e ajudar a ver os ganhos associados a outras escolhas possíveis”, exemplifica.

Promover a amizade

Cabe aos pais impulsionar e ajudar os filhos a terem amigos. Trata-se de um importante veículo para a criança aprender a ser mais resiliente. “A rede de amigos possibilita jogos de cooperação, definição de regras, o ganhar e perder”, explica José Morgado. Do ponto de vista funcional, a rede de amigos fornece um “conjunto de experiências” que contribuem para que as crianças e adolescentes tenham essa resiliência.

Trabalhar a ideia da mudança

“Há coisas que mudam e mudar não é mau”, ensinar as crianças a olhar para a mudança e fazê-las compreender que esta “é algo natural na vida das pessoas”. Desenvolver essa “plasticidade, essa capacidade de adaptação” de que José Morgado fala é, também, um factor pertinente, uma ferramenta aliada à resiliência.


Texto editado por Bárbara Wong