Centeno: probabilidade de prolongar moratórias “é muito, muito baixa”
Governador do Banco de Portugal alerta que uma prorrogação sem autorização do regulador teria um “efeito de ricochete” sobre os bancos e os clientes, com os créditos a ficarem marcados como “em reestruturação” e as famílias limitadas no acesso a novos empréstimos.
O governador do Banco de Portugal reforçou esta terça-feira que o prolongamento das moratórias, nomeadamente a que termina esta quarta-feira, 31 de Março, não pode ser feito por falta de enquadramento europeu. Para Mário Centeno, a resposta às dificuldades de pagamentos deve ser encontrada “nos bancos e na adaptação de apoios públicos”.
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O governador do Banco de Portugal reforçou esta terça-feira que o prolongamento das moratórias, nomeadamente a que termina esta quarta-feira, 31 de Março, não pode ser feito por falta de enquadramento europeu. Para Mário Centeno, a resposta às dificuldades de pagamentos deve ser encontrada “nos bancos e na adaptação de apoios públicos”.
No que diz respeito às respostas dos bancos, o governador destacou a constituição de provisões de dois mil milhões de euros, em 2020, por parte dos bancos, uma medida que considera positiva.
No entanto, o total do crédito inserido nas medidas que permitiram suspender o pagamento de capital e juros ascendia, no final de Janeiro, a 45,7 mil milhões de euros (particulares e empresas).
Ouvido no Parlamento, a requerimento do Bloco de Esquerda, o governador admitiu que aproximadamente 20% do total das moratórias está em termos de risco de incumprimento no "stage 2”, ou seja, risco moderado (pouco mais de nove mil milhões de euros).
Centeno admitiu que tem estado em contactos com Autoridade Bancária Europeia (EBA, na sigla em inglês), mas reconheceu que a probabilidade de prorrogação das moratórias é “muito, muito baixa”. Acrescentando ainda que essa possibilidade [de prorrogação] “não está neste momento colocada”.
Relativamente ao projecto de lei do PCP, que é apreciado esta quarta-feira, e que pretende a prorrogação por mais seis meses, Centeno reafirmou que sem enquadramento da EBA isso teria um “efeito de ricochete” sobre os bancos e sobre os clientes. Ou seja, esses créditos seriam marcados como “em reestruturação”. Para os bancos, isso significaria imparidades. As famílias ficariam marcadas como casos de incumprimento e veriam o seu acesso futuro ao crédito dificultada no futuro. Esta iniciativa do PCP já conseguiu convencer o PSD, que admitiu viabilizá-la na generalidade e limitá-la na especialidade, em duração e só com a autorização da EBA.
O antigo ministro das Finanças voltou a minimizar o impacto da moratória privada (criada pelos bancos) que chegou agora ao fim e que obriga os clientes a retomar o pagamento de capital e juros a partir de Abril. No final de Fevereiro, esta moratória de crédito à habitação ascendia a 3,1 mil milhões de euros, abaixo dos 3,7 mil milhões de euros de Janeiro.
“A moratória que termina amanhã [quarta-feira] é, de facto, minoritária”, referiu o governador, lembrando que os particulares nesta solução não sofreram quebras de rendimentos, desemprego ou outras consequências económicas da pandemia, porque os que sofreram estão na moratória pública. Entre os vários números que avançou, Centeno referiu que, dos 294.700 contratos em moratórias, cerca de 86 mil estão na medida que expira agora. E ainda que a dívida média dos particulares na moratória pública é de 65 mil euros e na privada de 38 mil euros.
O total de crédito das famílias que está tanto na moratória pública e privada é de 20 mil milhões de euros, dos quais 17,1 mil milhões (ou 86%) relativos a crédito à habitação.
Maior preocupação nas empresas
A moratória das empresas é a que merece maior preocupação ao supervisor e também nestas há alterações em Abril, uma vez que uma parte começa já a pagar os respectivos juros. Apenas as empresas que estão nos sectores “mais vulneráveis”, como o alojamento ou a restauração, continuam a beneficiar da moratória de capital e juros até Setembro.
Em relação ao risco destas moratórias para o sector financeiro, e referindo-se apenas às que estão nos sectores mais vulneráveis, Centeno referiu que 20% dos casos estão cobertos por garantias públicas e que 48% têm associados garantias reais.
O responsável garantiu aos deputados que o Banco de Portugal está a monitorizar, junto da banca, a situação das moratórias das empresas.
“Temos de olhar para os sectores mais vulneráveis, mais afectados, que ainda não recuperaram o nível de actividade face ao pré-crise”, afirmou, acrescentando que está a aceder “ao maior conjunto de informação alguma vez utilizado para uma análise desta natureza, em termos de dados micro”, porque é necessário “agir com antecipação”.
Para além da resposta à situação por parte dos bancos, e que faz parte da responsabilidade do sector, o governador também defendeu, e agora na perspectiva do Governo, que “não se pode tirar um único euro de apoio de forma precoce”, sendo necessário “uma adaptação de apoios públicos em função da evolução da crise pandémica”.
Em síntese, o ex-ministro das Finanças coloca no Governo a responsabilidade de criar mecanismos alternativos à prorrogação das moratórias, o que o sector bancário também tem vindo a reclamar, e que pode passar por novas garantias públicas ou mecanismos de recapitalização das empresas.
O crédito às empresas abrangido pela moratória pública ascendeu a 24 mil milhões de euros no final de Janeiro, correspondendo a 33,2% do total de empréstimos concedidos pelas instituições financeiras a este tipo de clientes, ou seja, um terço do total. O número de devedores neste segmento ascendia a 54 mil, no final de Janeiro, do qual 99% pertencente ao universo das pequenas e médias empresas (PME).