Das raras reinfecções do SARS-CoV-2 às possíveis infecções após vacinação: porque é importante percebê-las?

Há algo muito importante a reter: mesmo já tendo sido infectado ou vacinado, tem de continuar a cumprir as medidas, como o uso de máscara e o distanciamento social.

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Modelo do coronavírus SARS-CoV-2 Visual Science

Com a pandemia declarada há mais de um ano, os casos de reinfecção confirmados de SARS-CoV-2 são raros no mundo. Em Portugal, ainda só foi documentado um caso. No Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa) tem-se vindo a fazer a análise de casos suspeitos. “Todas as semanas aparecem um ou dois casos para avaliarmos”, indica João Paulo Gomes, investigador do Insa. Mesmo sendo os casos tão poucos, perguntámos a alguns especialistas o que se sabe sobre eles. 

Um outro assunto são as possíveis infecções a seguir à vacinação. Já foram noticiados casos de pessoas com testes positivos do vírus SARS-CoV-2 depois de terem sido vacinadas (alguns mesmo depois da segunda dose da vacina), mas “as notícias são muito precoces e um bocadinho alarmistas”, considera João Paulo Gomes. O Insa também tem sido contactado para analisar suspeitas de falência das vacinas. Já o Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC) refere que não há dados sistemáticos ao longo da União Europeia e que não consegue dar essa informação por agora.

Afinal, o que é uma reinfecção?

Uma reinfecção acontece quando uma pessoa que já esteve infectada, conseguiu recuperar e volta a ficar infectada. “É complicado dar bem uma definição”, diz Paul Hunter, professor de Medicina da Universidade de East Anglia (Reino Unido). “Essencialmente, qualquer infecção em que as sequenciações dos genomas [dos vírus da primeira e segunda infecção] são suficientemente distintas ou se há um intervalo de três meses.” Essa é a definição dada pela Direcção-Geral da Saúde (DGS): “A reinfecção é definida através da confirmação laboratorial de duas infecções por duas estirpes diferentes, com episódios de infecção separados num determinado período de tempo. Nos coronavírus sazonais [que já conhecíamos antes do SARS-CoV-2], este período é habitualmente de 90 dias”.

O que torna um caso suspeito de reinfecção?

Uma suspeita de reinfecção acontece quando há um teste de PCR ou rápido de antigénio 60 dias ou mais a seguir a um teste de PCR, antigénio ou serológico positivo, segundo a informação mais recente do ECDC. O Gabinete de Comunicação do ECDC explicou ao PÚBLICO que a definição foi criada na sequência de um inquérito enviado aos Estados-membros da União Europeia em Fevereiro. “Os resultados deste inquérito serão publicados num relatório técnico nas próximas semanas”, indicou.

Além disso, foram adicionadas certas variáveis ao Sistema Europeu de Vigilância (TESSy) para captar casos suspeitos de reinfecção. Esta mudança foi posta e prática a 12 de Março. “É demasiado cedo para fornecermos dados de casos suspeitos de reinfecção a esta altura com base nos dados do TESSy.”

Mas como se confirma?

João Paulo Gomes refere que são precisas várias premissas para se confirmarem casos de reinfecção – e é isso que se faz no Insa. Primeiro, é necessário ter acesso às duas amostras biológicas do primeiro e segundo episódio de infecção para que possam ser sequenciadas. Para isso, também é preciso que as amostras tenham carga viral suficiente para a sequenciação genética. “Se a carga viral for baixinha não conseguimos conferir nada.” Caso se consigam sequenciar os dois genomas dos vírus, estes têm de ser suficientemente diferentes para se provar que é mesmo uma reinfecção pelo coronavírus SARS-CoV-2. Não termina aqui: é necessário estudar os marcadores genómicos de ambas as amostras para garantir que foram recolhidas da mesma pessoa e não foram trocadas em laboratório.

De outra forma, uma reinfecção pode ser confundida como uma reactivação do vírus da primeira infecção. Essas premissas garantem ainda que não se tratou de uma troca de amostras ou que não foram falsos positivos. João Paulo Gomes conta que, na maioria dos casos suspeitos que vão para o Insa, pelo menos uma das amostras dos dois episódios de infecção tem uma carga viral muito baixa, o que faz com que nem se consiga fazer a sequenciação. “Desconfiamos que muitas dessas amostras que estão no limiar da positividade sejam falsos positivos”, indica o cientista. “O PCR deu positivo no limiar e, se repetissem, se calhar já dava negativo. Há aqui uma coincidência demasiado grande para ser verdade. Por isso, é que nos inclinamos para que muitos desses casos não se traduzem realmente em positivos.” No fundo, é muito difícil avaliar uma reinfecção: “A reinfecção tem critérios muito rígidos.”

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Partículas do SARS-CoV-2 (a vermelho) NIAID

O que se está a fazer para se identificarem casos em Portugal?

No Insa está-se “em permanência” a analisar casos suspeitos de reinfecção. “É algo que há meses para cá tem sido consistente. É hábito”, diz João Paulo Gomes, responsável pelo Núcleo de Bioinformática do Departamento de Doenças Infecciosas. “Analisaremos tudo o que nos pedem como casos suspeitos e que seja alicerçado com bons motivos.” E quantos casos suspeitos já apareceram? “Casos suspeitos de reinfecção são às dezenas. Dir-lhe-ia que todas as semanas aparecem um ou dois para avaliarmos”, responde o investigador.

A DGS acrescenta que, de acordo com o ECDC, para se diferenciar os casos confirmados com excreção prolongada de restos virais ao longo do tempo de verdadeiros casos de reinfecção, “as autoridades de saúde devem avaliar minuciosamente as informações epidemiológicas e virológicas de cada episódio de infecção”. Referiu também que “todos os episódios de infecção, pertencentes ao mesmo indivíduo ou não, são analisados pelas autoridades de saúde, que têm aplicado as medidas de controlo adequadas como se se tratasse de novos casos de infecção após um período de 90 dias, seguindo o princípio da precaução”.

Foi identificado algum caso em Portugal?

Até agora, está confirmado apenas um caso de reinfecção. “Que tenha conhecimento, em Portugal foi apenas documentado um caso num ano e tal”, refere João Paulo Gomes. Esse caso pertence a uma profissional de saúde na casa dos 30 anos do Hospital de São João, no Porto. Em Setembro essa mulher foi infectada após vários familiares terem contraído o coronavírus. Ainda teve febre ligeira, perda de olfacto ou de paladar, dores no corpo ou cefaleias, mas depois de vários testes negativos foi dada como recuperada. Contudo, cerca de dois meses depois, em Novembro, voltou a sentir sintomas depois de um contacto de risco. Acabou por fazer um teste que deu positivo. Neste segundo episódio de infecção, teve mais tosse e febre, bem como dor torácica e perda de olfacto e paladar.

Foi a infecciologista Margarida Tavares que analisou o caso e a equipa de Luísa Pereira, do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S) da Universidade do Porto, sequenciou as amostras. “Quando fizemos a sequenciação, as variantes eram muito diferentes”, lembra Luísa Pereira. A variante detectada na primeira infecção pertence ao clado 20B, enquanto a segunda é do clado 20A, divergindo em cerca de 20 mutações. Luísa Pereira refere que já foram detectados outros casos suspeitos de reinfecções, mas não estava disponível a amostra da primeira infecção. “Não pudemos confirmar por sequenciação.”

Já têm sido noticiados outros casos de reinfecção em Portugal – incluindo no PÚBLICO –, mas, até ao momento, não foram mesmo confirmados laboratorialmente. A DGS adiantou que, de forma a seguir as orientações do ECDC e a uniformidade dos critérios da União Europeia, “encontram-se em análise as conclusões sobre casos com suspeita de reinfecção”.

Que outros casos se conhecem no mundo?

Por agora, os casos confirmados de reinfecção são raros. “Em termos de publicações científicas em todo o mundo, encontram-se dezenas de reinfecções documentadas. São poucas”, nota João Paulo Gomes. “Há 20 casos, vá lá, documentados.”

O primeiro caso a ser documentado foi o de um homem de Hong Kong, de 33 anos, que foi diagnosticado com uma segunda infecção mais de quatro meses depois de ter sido infectado pela primeira vez. Durante a primeira infecção, só teve sintomas ligeiros e terá sido assintomático após o segundo contágio. Pouco tempo depois, vieram a ser anunciados um caso na Bélgica, outro no Nevada (EUA) ou no Equador.

Quanto a levantamentos mais sistemáticos, conhecem-se os resultados de um estudo da Avaliação da Imunidade e Reinfecção do SARS-CoV-2 (SIREN) do Reino Unido em que se concluiu que as reinfecções são raras e que ocorreram em menos de 1% dos 6600 participantes. Nesse trabalho divulgado online em Janeiro concluiu-se que as respostas imunitárias de infecções passadas reduzem o risco de apanhar o vírus outra vez em 83% pelo menos durante cinco meses. Não se conseguiram sequenciar todos os casos de reinfecção.

Num outro estudo publicado na revista The Lancet baseado em dados recolhidos através da estratégia nacional de testes na Dinamarca indica-se também que as reinfecções são raras. Das pessoas que estiveram infectadas durante a primeira vaga só 0,65% (72 em 11.068) tiveram testes positivos de PCR outra vez durante a segunda vaga. Já numa outra análise de coorte foram considerados dados de quase 2,5 milhões de pessoas e viu-se que só 0,48% (138 em 28.875) que tinham já tido testes de PCR positivos tinham voltado a ter testes positivos pelo menos três meses mais tarde. Nesta investigação não se consideraram ainda as novas variantes nem se fez a sequenciação do vírus, tendo-se apenas conta uma janela temporal de três meses a seguir ao primeiro teste PCR positivo.

Embora ECDC refira que é muito cedo para se ter dados do TESSy, com base em respostas a inquéritos foram notificados 1870 casos de reinfecção em 2020 e 685 em 2021 (até meados de Fevereiro) na União Europeia/Espaço Económico Europeu – isto inclui tanto casos prováveis como confirmados de reinfecção.

“A comunidade científica é unânime em dizer que a probabilidade de reinfecção é baixa”, aponta João Paulo Gomes. Didier Cabanes indica que os casos são raros, “mas vão aumentar”. O director do centro de testes à covid-19 do i3S nota que a “vida” deste tipo de vírus é estar a mutar e à medida que o tempo passa vai acumulando mutações. “O sistema imunitário de uma pessoa que foi infectada há algum tempo fabricou alguns anticorpos específicos do vírus que estava a infectar nessa altura.” Como os vírus que circulam podem acumular essas mutações, isso pode fazer com que o sistema imunitário fique “menos potente” com um vírus com novas características.

Quem pode ser mais susceptível?

Pessoas com um sistema imunitário mais débil, responde João Paulo Gomes. “Em teoria, pessoas mais idosas estariam talvez mais sujeitas, porque o seu sistema imunitário não tem tanta robustez como o das pessoas mais jovens.” É isso que se conclui também no estudo da Dinamarca: pessoas com mais de 65 anos têm “um maior risco de reinfecção”. Por isso, aconselha-se a sua prioridade na vacinação.

Podem estar associadas a casos mais ligeiros ou mais graves de covid-19?

Como é algo raro, não há muitos dados para que se possa responder a esta questão. A nível dos casos documentados, existem alguns em que o primeiro episódio foi sintomático e o segundo assintomático ou pelo menos um em que o primeiro episódio foi sintomático e o segundo sintomático com hospitalização. No estudo do SIREN, viu-se que os poucos reinfectados podem ter níveis mais elevados do vírus no tracto respiratório, o que pode estar associado a um maior risco de transmitir o vírus.

Variantes de preocupação do vírus podem aumentar a probabilidade de reinfecção?

Ainda não se sabe bem. Tem-se ouvido falar muito da probabilidade de reinfecções associadas às variantes do Brasil, como a de Manaus (P.1) e do Rio de Janeiro (P.2), que têm uma mutação que está associada à falha de ligação dos anticorpos. Essa mutação também existe na variante da África do Sul e em alguns casos da variante do Reino Unido. Quanto ao Brasil, tem-se vindo a fazer essa associação porque Manaus foi uma zona muito fustigada na primeira vaga e inquéritos serológicos concluíram que havia uma grande quantidade da população que estaria imunizada pela infecção natural. Como na segunda ou terceira vaga houve um boom de infecções e ligadas às novas variantes com a tal mutação, concluiu-se que estariam associadas a reinfecções.

“Há alguma credibilidade nisso, mas parece-me que é um passo maior do que a perna”, considera João Paulo Gomes. “Não estudaram particularmente vários casos que permitissem ter PCR positivos num primeiro e segundo episódio. Basearam-se no facto de se estar infectado porque se vivia em Manaus na época em que havia imunidade de grupo e foi-se reinfectado. Há alguma falta de rigor científico nisto.” 

Embora ainda não se possa estabelecer uma ligação directa entre as reinfecções e as novas variantes, há a suspeita de as do Brasil e da África do Sul poderem estar associadas a casos de reinfecção “de uma forma um pouco mais frequente do que as outras”, indica o investigador.

E o que se sabe sobre a probabilidade de infecção a seguir à vacinação?

Sabe-se que é algo que pode acontecer. No site da DGS, esclarece-se: “Apesar de muito eficazes, as vacinas não evitam completamente o risco de infecção. Contudo, as poucas pessoas vacinadas que foram infectadas desenvolveram geralmente formas pouco graves de covid-19.”

Didier Cabanes indica que, em qualquer vacina, o corpo começa a ter uma quantidade de anticorpos para se proteger contra a infecção entre dez e 15 dias após a primeira dose. “Aqui há uma protecção parcial.” Numa segunda dose vai ter-se uma quantidade maior de anticorpos e ficar com uma resposta maior contra a infecção. “A segunda dose vai fazer com que esta quantidade de anticorpos vá subir e chegar a um plateau muito mais alto, o que pode demorar 15 dias, um mês, seis meses, um ano… Mas pode acontecer que durante algum tempo pessoas vacinadas mesmo durante a segunda dose vão ser infectadas.”

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Daniel Rocha

Miguel Castanho (do Instituto de Medicina Molecular – IMM) já tinha salientado ao PÚBLICO que a imunização atinge o nível máximo só “duas a três semanas depois da toma da segunda dose”. Paul Hunter pormenoriza que, no Reino Unido, uma única dose da vacina da Pfizer dá 61% de protecção após 28 dias e uma da Universidade de Oxford dá 60%. “Ambas as vacinas são bastante boas a reduzir a necessidade de hospitalização e morte, mas não é possível dizer quão eficazes são a evitar infecções assintomáticas.”

Além disso, Didier Cabanes nota que qualquer das vacinas aprovadas é eficaz, mas não o é mesmo a 100%. “É normal que de vez em quando apareçam pessoas que são vacinadas com as duas doses e ficam doentes.” Evitar que a infecção provoque sintomas ou casos de doença grave é uma das grandes missões da vacina. Mesmo assim: “Não se tem a certeza de que não vai haver doença grave com das duas doses da vacina. Vão ser casos muito raros, mas vão acontecer”, frisa Didier Cabanes. Também Miguel Prudêncio (também do IMM) tinha sintetizado: “As pessoas podem estar imunizadas e contrair o vírus. O que acontece é que o sistema imunitário consegue lidar de tal forma com o vírus que não desenvolve sintomas.” Já o epidemiologista Manuel Carmo Gomes assinala: “Quer uma primeira infecção com o vírus natural quer uma vacina não garantem que as pessoas não possam ser reinfectadas, mas sem sintomas ou com sintomas muito moderados. Não causam doença grave nem sequer moderada.” 

Paul Hunter alerta ainda que é preciso estar atento às variantes como a da África do Sul e que nos países onde estão mais disseminadas pode ser mais provável ser-se infectado a seguir à vacinação. Até agora, estudos preliminares sugerem que pelo menos algumas das vacinas aprovadas poderão dar (pelo menos) alguma protecção contra certas variantes de preocupação. Mas o seu efeito precisa de continuar a ser monitorizado. 

Que casos se conhecem e o que se está a fazer?

Questionada sobre o número de infectados após a vacinação, a DGS não respondeu até ao momento. Por sua vez, o ECDC apenas referiu que, tal como na questão das reinfecções, também aqui “não há dados sistemáticos na União Europeia/Espaço Económico Europeu e, portanto, não é possível dar esta informação a esta altura”. O Insa tem sido contactado sobre suspeitas de falência das vacinas todas as semanas.

Mas, nas últimas semanas, têm sido noticiados alguns casos de pessoas com testes positivos a seguir à vacinação. Por exemplo, há cerca de duas semanas, o director-clínico do Serviço de Saúde madeirense (Sesaram), José Júlio Nóbrega, fazia esse alerta. Até 23 de Março, houve 156 testes positivos para pessoas vacinadas após a primeira dose e 17 para a segunda dose das vacinas da Pfizer e da AstraZeneca. Os casos são de profissionais de saúde, utentes ou forças de segurança. A maioria não foi grave e, naquele que foi grave, a pessoa já estaria infectada antes da vacinação e não teve tempo de desenvolver anticorpos.

Mas ainda há muito a esclarecer (como o intervalo entre as inoculações e o resultado dos testes positivos) e não se pode falar ainda de falências vacinais. Para isso, só se poderia considerar os 17 casos após a segunda dose e se o intervalo entre a inoculação e a infecção tivesse suficientemente grande, indica José Júlio Nóbrega. Estes casos estão a ser estudados do ponto de vista clínico para que se perceber se foram sintomáticos, assintomáticos ou qual a variante do vírus.

num lar de Évora foram identificados 12 casos positivos 14 dias após a segunda dose da vacina. As pessoas tinham entre 87 e 99 anos, só três delas acabaram por ter alguns sintomas e “recuperaram com alguma facilidade”, diz Francisco Lopes Figueira, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Évora. “Se essas pessoas não tivessem levado a vacina, as consequências tinham sido mais complicadas. Era tudo gente muito idosa e debilitada.”

Sobre estes casos, João Paulo Gomes considera que “as notícias são muito precoces, um bocadinho alarmistas e carecem de suporte científico”. O investigador assinala que na “esmagadora maioria dos casos” que tem visto reportados não cumpre os critérios de uma potencial falência vacinal. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, só se pode considerar uma potencial falência vacinal se uma pessoa tiver um teste positivo, pelo menos, 14 dias após a segunda dose, nota. “Antes disso, considera que a pessoa não gerou resposta imunitária suficiente para isso.” Para se considerar um processo de falência vacinal tem de se ter um teste serológico e medir o tipo de anticorpos para se perceber se a vacina funcionou ou não. “Antes dos 14 dias, pode haver timings diferentes em termos de aparecimento de anticorpos.”

Quanto aos casos do lar de Évora, o cientista refere que nem sabe se se pode considerar que essas pessoas como infectadas. “Será que foi uma infecção ou será que foi uma infecção transitória? Ou seja, foi um teste positivo transitório porque alguém se contaminou e contaminou as outras pessoas de uma forma transitória?”, questiona. “O sistema imunitário dessas pessoas reagiu imediatamente um ou dois dias, o teste ainda foi positivo, mas um a dois dias depois já estariam negativas. Será que se infectaram? Se calhar positivaram durante umas horas, um dia ou um dia e meio. Houve falência vacinal aqui? Quanto a mim não.”

Por isso, para si, é “precoce” falar de tudo isto. “Temos de dar tempo ao tempo. Apenas uma percentagem muito pequena da população foi vacinada e não temos tempo e números que permitam fazer esse tipo de estudo.”

Dois estudos publicados esta semana na revista New England Journal of Medicine mostram que os números de infectados a seguir à vacinação nos EUA podem ser baixos: num deles viu-se que isso ocorreu em quatro de 8121 funcionários totalmente vacinados do Centro Médico do Sudoeste da Universidade do Texas; e no outro apenas sete de 14.990 funcionários da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, tiveram testes positivos duas ou mais semanas após a segunda dose da vacina da Pfizer-BioNTech ou da Moderna.

Porque é importante falar de tudo isto?

O epidemiologista Manuel Carmo Gomes não tem dúvidas de que a principal importância é saber se podemos vir a ter (ou não) imunidade de grupo. “Se esse fenómeno for muito generalizado e as vacinas não conferirem protecção contra infecção – isto é, infecção assintomática – e se as pessoas ficarem infectadas depois de vacinadas tiverem capacidade para transmitir, isso põe em causa a imunidade de grupo”, esclarece o membro da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19​, referindo que o mesmo se aplica às reinfecções. Sobre a duração da imunidade, para já, temos provas de que dura meses, mas com o tempo viremos a perceber melhor. “Estou preocupado com a duração da imunidade quanto basta, porque já sabemos que dura bastantes meses ou até um ano.”

João Paulo Gomes concorda que a questão das reinfecções está a ser muito levantada devido à imunidade de grupo e com o aparecimento das variantes. “Há aquela noção de que estão a aparecer muitas variantes que conseguem ultrapassar tudo e infectar toda a gente independentemente de a pessoa estar imunizada, mas é tudo teoria.”

Mas, quando atingirmos a imunidade de grupo, esta questão terá os dias contados? O investigador pensa que, daqui a uns tempos quando tivermos essa imunidade de grupo, a preocupação será olhar com calma para o tipo de mutações e variantes que vão aparecer. “As variantes do vírus que consigam andar a circular e a infectar no meio de populações imunizadas serão variantes que à partida têm mutações que enganam o nosso sistema imunitário.” Contudo, refere que espera que seja uma percentagem bem pequena. “Estaremos atentos.” 

Além disso, para outros microorganismos nem se fala de reinfecções ou se se é infectado a seguir à vacinação. Um vírus ou uma bactéria podem mudar tanto que é quase como se fosse novo. “No caso da gripe, que é sazonal, o vírus é tão diferente que o sistema imunitário não está preparado e pode ser suficiente para provocar uma infecção”, relembra o investigador do Insa. Caso este vírus se torne endémico, poderão aparecer alguns picos todos os anos (como da gripe) ou o processo de vacinação ter de ser feito todos os anos, como para populações mais vulneráveis. “Podemos conviver perfeitamente com isso tal como com a gripe.”

No fundo, aquilo que se pode fazer – mesmo tendo sido vacinado ou já infectado pelo SARS-CoV-2 – é continuar a cumprir as medidas de protecção, nomeadamente o distanciamento social ou o uso de máscara.