Caso das Pessoas pelo Clima recusado definitivamente

Tribunal de recurso manteve a decisão da 1.ª instância, de nem sequer considerar o processo admissível. Equipa de advogados fala em “escândalo”, diz que está em causa o acesso dos cidadãos à justiça e que vai avaliar a possibilidade de avançar para o Tribunal dos Direitos Humanos

Foto
Alfredo Cunhal Sendim é um dos portugueses que integrou este processo Rui Gaudêncio

O Tribunal Europeu de Justiça (TEJ) recusou o recurso interposto pelo movimento Pessoas pelo Clima, que inclui três famílias portuguesas, numa decisão que os responsáveis pelo processo consideram ser “devastadora” e que “põe em causa o acesso à justiça” por parte dos cidadãos europeus. A apreciação foi feita por Roda Verheyen, uma das coordenadoras da equipa de advogados, numa conferência de imprensa online esta quinta-feira.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O Tribunal Europeu de Justiça (TEJ) recusou o recurso interposto pelo movimento Pessoas pelo Clima, que inclui três famílias portuguesas, numa decisão que os responsáveis pelo processo consideram ser “devastadora” e que “põe em causa o acesso à justiça” por parte dos cidadãos europeus. A apreciação foi feita por Roda Verheyen, uma das coordenadoras da equipa de advogados, numa conferência de imprensa online esta quinta-feira.

Na decisão agora divulgada, o TEJ concordou com a decisão de inadmissibilidade do caso que já estivera na base da primeira decisão desfavorável aos peticionários, por parte do Tribunal Geral da União Europeia (TGUE). A decisão desta quinta-feira confirma “a título definitivo a inadmissibilidade do recurso de anulação” da decisão anterior, refere o TEJ.

Em causa, para as duas decisões, está uma norma do tratado fundador da União Europeia que estabelece que uma pessoa só pode contestar judicialmente um acto legislativo da UE se for individualmente afectado por ele. “O tribunal está a fazer uma interpretação muito restritiva desta norma. Neste caso, o tribunal diz que só podes ir contra actos legais [da UE] se fores o seu recipiente. Se for um caso que afecta muitas pessoas, ninguém pode processar. É um argumento redondo: ele reconhece que há muitos afectados, mas não a pessoa individual directamente. É um escândalo. O tribunal inventou isto e continua a recorrer a isto”, disse Roda Verheyen, numa alusão à jurisprudência já da década de 1960 que alimenta esta interpretação. 

A equipa legal do movimento Pessoas pelo Clima considera que ao tomar esta decisão “a principal preocupação do tribunal é evitar que apareçam muitas pessoas a apresentar acções similares” e considera que ela reflecte um verdadeiro problema no acesso dos cidadãos à justiça, referiu Gerd Winter, outro coordenador da equipa de advogados. Afirmando que este é “um dia muito triste”, Roda Verheyen afirmou que “o acesso [dos cidadãos] à justiça foi negado duas vezes” e avançou que a equipa jurídica vai agora considerar a possibilidade de levar o caso para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, onde foi aceite e está a correr um outro processo relacionado com o clima, interposto por um grupo de crianças e jovens portugueses. Gerry Liston, da equipa que acompanha este caso, e que esteve presente na conferência de imprensa desta quinta-feira, fez um resumo do que aconteceu até agora, classificando como “muito importante” o facto de o tribunal ter considerado o caso como prioritário, instando os 33 estados visados a responderem. 

Dez famílias

O movimento Pessoas pelo Clima, composto por dez famílias de Portugal, França, Itália, Alemanha, Roménia, Quénia, Fiji e a Associação de Jovens Saami da Suécia, avançou com o processo no TGUE em Maio de 2018. Os responsáveis pela acção argumentavam que a União Europeia não estava a fazer tudo o que era possível para travar as alterações climáticas, nomeadamente, ao nível das suas ambições para a redução de emissões de gases com efeito de estufa, que se situava em 40% até 2030, o que era considerado insuficiente para travar a crise climática e proteger os cidadãos.

Nuno Forner, da associação ambientalista Zero, disse ao PÚBLICO que, apesar de a decisão agora conhecida não ser surpreendente, havia “alguma esperança” que o tribunal de recurso não fizesse o que fez, “assinar por baixo a decisão anterior”. “Saiu o pior. Continua a comprovar-se a falta de acesso à justiça na União Europeia em matéria de ambiente”, afirmou, ressalvando: “Nem tudo é mau.”

E o que não é mau, explica, Nuno Forner, é o que também fora referido na conferência de imprensa por Harriet Mackaill-Hill, da Rede Europeia de Acção Climática (CAN Europe): “É um dia triste, estamos muito desapontados e profundamente preocupados. Contudo, quero dizer que estas vozes foram ouvidas, no sentido em que se elevou o objectivo de corte de emissões para pelo menos 55% até 2030, e alguns [líderes da UE] ainda querem mais. É um bom passo na direcção certa, mas ainda é pouco se queremos cumprir as metas do Acordo de Paris”, disse.