Faculdade de Direito queria gravar movimento e som nos exames. Estudantes contestaram e provas voltam a ser presenciais
Proctorio, o software proposto pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, regista movimento, alterações de ruído, capta a imagem do ecrã. Alunos consideraram o uso da ferramenta uma violação da privacidade, contestaram e a instituição acabou por recuar. Afinal, os exames vão ser presenciais.
A Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) anunciou esta quinta-feira que vai abandonar as regras de vigilância para os exames online, anunciadas esta semana, depois de grande contestação dos alunos. As provas serão, afinal, presenciais.
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A Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) anunciou esta quinta-feira que vai abandonar as regras de vigilância para os exames online, anunciadas esta semana, depois de grande contestação dos alunos. As provas serão, afinal, presenciais.
Na quarta-feira, os alunos inscritos para ir a exame de recurso foram surpreendidos com um “manual de utilização em contexto de realização de provas à distância”, que previa a utilização da plataforma Proctorio, uma ferramenta com o objectivo de “assegurar a total integridade da aprendizagem”.
Através desta ferramenta de vigilância, durante todo o tempo da prova, os alunos seriam gravados por um sistema inteligente que detecta movimento, alterações de ruído e capta a imagem do ecrã para evitar fraude.
No grupo interno dos alunos da faculdade, no Facebook, depressa começaram a surgir centenas de publicações e comentários de estudantes indignados, que acusavam a instituição de proceder de forma ilegal e em desrespeito do Regulamento Geral sobre Protecção de Dados (RGPD). Entre os comentários dos futuros juristas, apareciam excertos do RGPD e de outros instrumentos legislativos e a partilha de ligações, convidando os colegas a denunciar a situação no site da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD).
Ao email do PÚBLICO, chegaram também algumas queixas de estudantes, que consideraram a decisão uma “invasão de privacidade” e “violação de direitos pessoais”. Uma aluna, que não quis ser identificada, lamentava que a faculdade preferisse “não confiar nos alunos ou adoptar soluções mais adequadas, como a realização presencial”. Outra referia que esta solução “induz enorme stress aos alunos em exame, como se estivessem com vigilantes a toda a volta, o que não acontece nos exames presenciais e tem consequências muito negativas na prestação dos alunos”.
Perante a contestação dos alunos, a Faculdade de Direito emitiu ao início da tarde um despacho em que recua na decisão, perante as “dúvidas em matéria de protecção de dados”. Assim, os exames da época de recurso do primeiro semestre, que já tinham sido adiados no final de Janeiro, face ao agravamento da situação epidemiológica provocada pela covid-19, voltam a ser presenciais, realizando-se online através da plataforma Zoom, em que decorrem também as aulas, apenas em casos excepcionais.
Antes de ser conhecida a decisão, a associação académica também tinha dado voz às queixas dos estudantes, exigindo a suspensão da decisão de utilizar a plataforma Proctorio. Num comunicado publicado no Facebook, a Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa (AAFDL) lamenta que a instituição não tenha promovido uma discussão sobre as soluções para os exames online atempadamente, optando por “métodos desproporcionais”.
A polémica agora protagonizada pela FDUL não é nova e já no ano lectivo passado as instituições de ensino superior se debateram com o problema da fraude nas avaliações, encontrando, por vezes, alternativas mais intrusivas e consideradas questionáveis do ponto de vista da protecção de dados.
Por isso, em Maio, a CNPD emitiu orientações sobre a avaliação à distância, em que alertava as instituições para a necessidade de respeitarem “os princípios e as regras legais de protecção dos dados”. No documento, a autoridade admite a necessidade de as instituições adoptarem soluções “que permitam realizar as avaliações à distância com a indispensável fiabilidade”, mas avisa que devem também ponderar “o interesse que visa prosseguir com os processos de avaliação à distância seleccionados e os direitos e interesses dos titulares dos dados”.
Referindo medidas concretas, a CNPD considera, por exemplo, que a utilização de câmara de vídeo é aceitável para verificar a identidade do estudante, mas desadequada para o vigiar durante o exame, bem como a gravação de som e o recurso a programas que bloqueiem o acesso a determinados documentos ou sites.
Ora, as regras impostas pela FDUL contrariam essas orientações: além da captação e gravação de som e imagem durante todo o tempo da prova, o sistema em causa detecta e sinaliza aumentos de ruído, quando os alunos desviam o olhar do monitor durante muito tempo e até regista a imagem do ecrã. Por outro lado, na lista de permissões requeridas pela plataforma, encontram-se, por exemplo, a “leitura e alteração de todos os dados nos websites visitados”, a “modificação de dados copiados e colados” e a “gestão das transferências”.
Apesar das orientações da CNPD sobre o tema, a FDUL não foi a única a optar por soluções mais intrusivas para assegurar que os estudantes não copiam durante os exames e já este mês foi noticiado pelo Jornal de Notícias que a Comissão estaria a investigar a legalidade da utilização do software Respondus, na Universidade do Minho.