A América de regresso à Europa
A China e a Rússia fazem parte da agenda da conversa que Joe Biden terá com os líderes europeus quando participar logo à noite no Conselho Europeu. É mais um gesto de reconciliação transatlântica que desta vez partiu de Bruxelas. O Presidente terá, pelo menos, a satisfação de ver a sua política dar frutos numa das questões essenciais da sua política externa — unir as democracias para defender a democracia.
1. Na terça-feira passada, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, participou em Bruxelas na primeira reunião da NATO da administração Biden. No dia seguinte encontrou-se com Ursula von der Leyen e Josep Borrell. Veio garantir aos aliados europeus o empenho dos EUA na Aliança Atlântica e na União Europeia, mas a sua visita não foi de mera cortesia. Blinken não se limitou a reafirmar o empenho americano na Aliança. Explicou também a utilidade que os EUA vêem nela, num mundo que é radicalmente diferente do que existia quando a NATO foi criada e nos anos posteriores ao fim da Guerra Fria. Para Washington, a Aliança faz sentido no quadro mais geral da resistência das democracias à ofensiva dos regimes autoritários no mundo, o mais ameaçador dos quais se chama China. É esta a linha-mestra da nova política externa de Joe Biden — unir as democracias para conter a influência crescente da China (e de outras potências autoritárias, como a Rússia), que se manifesta hoje de forma mais ou menos agressiva à escala global. Foi a mesma mensagem que deixou nos encontros com a União Europeia.
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1. Na terça-feira passada, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, participou em Bruxelas na primeira reunião da NATO da administração Biden. No dia seguinte encontrou-se com Ursula von der Leyen e Josep Borrell. Veio garantir aos aliados europeus o empenho dos EUA na Aliança Atlântica e na União Europeia, mas a sua visita não foi de mera cortesia. Blinken não se limitou a reafirmar o empenho americano na Aliança. Explicou também a utilidade que os EUA vêem nela, num mundo que é radicalmente diferente do que existia quando a NATO foi criada e nos anos posteriores ao fim da Guerra Fria. Para Washington, a Aliança faz sentido no quadro mais geral da resistência das democracias à ofensiva dos regimes autoritários no mundo, o mais ameaçador dos quais se chama China. É esta a linha-mestra da nova política externa de Joe Biden — unir as democracias para conter a influência crescente da China (e de outras potências autoritárias, como a Rússia), que se manifesta hoje de forma mais ou menos agressiva à escala global. Foi a mesma mensagem que deixou nos encontros com a União Europeia.
A segunda mensagem de Blinken foi igualmente clara. Num debate público com o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, o secretário de Estado voltou a lembrar que a construção do Nord Stream 2, o novo gasoduto que liga a Rússia directamente à Alemanha, contornando a Polónia e a Ucrânia, é uma ameaça à segurança europeia. “O Presidente Biden foi muito claro quando disse que o gasoduto é uma má ideia para a Europa e para os EUA, pondo em causa, em última análise, os próprios objectivos de segurança da Europa.” O gasoduto é uma gigantesca pedra no sapato nas relações entre Washington e Berlim. Desde a invasão da Ucrânia e a anexação da Crimeia, a Rússia passou a ser vista como uma ameaça à segurança europeia. A Europa juntou-se aos EUA de Obama para impor sanções a Moscovo, que se mantiveram até hoje, mas que evitaram sempre atingir o sector energético.
A construção do Nord Stream 2 está quase concluída. Escrevia Constanze Stelzenmuller, da Brookings Institution, no Financial Times: “A inflexibilidade de Berlim arrisca-se a alienar a administração americana, que quer fazer frente à Rússia. (…) A nova administração insiste na necessidade dos aliados democráticos se unirem contra as grandes potências autoritárias, como a Rússia de Vladimir Putin e a China de Xi Jinping.”
2. A China e a Rússia fazem parte da agenda da conversa que Joe Biden terá com os líderes europeus quando participar logo à noite no Conselho Europeu. É mais um gesto de reconciliação transatlântica que desta vez partiu de Bruxelas. O Presidente terá, pelo menos, a satisfação de ver a sua política dar frutos numa das questões essenciais da sua política externa — unir as democracias para defender a democracia.
Na segunda-feira passada, União Europeia, EUA, Reino Unido e Canadá decidiram em simultâneo aplicar sanções a um conjunto de dirigentes chineses directamente implicados na repressão violenta dos uigures do Xinjiang. Os EUA já tinham aplicado sanções há um ano, tendo agora ampliado o número de dirigentes visados. O que se passa nessa região autónoma habitada por uma população na sua maioria muçulmana é demasiado brutal para que os europeus pudessem continuar a olhar para o lado. É a primeira vez que a União aplica sanções a Pequim desde o massacre de Tiananmen, em 1989.
A retaliação chinesa chegou no mesmo dia, através de sanções dirigidas directamente a responsáveis europeus, entre os quais estão cinco eurodeputados de várias bancadas do Parlamento Europeu, acompanhadas por uma linguagem agressiva e ameaçadora que caiu mal em Bruxelas. Curiosamente, a retaliação foi apenas contra a Europa, poupando os EUA. A China sabe quem tem força e quem não tem, mas terá, desta vez, ido longe demais, habituada à complacência europeia. Cabe ao Parlamento Europeu ratificar o polémico Acordo de Investimento entre a União e a China que Angela Merkel fechou no último dia da presidência alemã e a 20 dias da posse de Joe Biden. A pressa não caiu bem em Washington. A Alemanha, a grande beneficiária do acordo, garantiu que a sua política comercial não seria prejudicada com a chegada do novo Presidente. O regime chinês averbou uma enorme vitória diplomática.
Se já havia alguma reserva no Parlamento Europeu sobre o acordo, agora a má vontade dos eurodeputados viu-se multiplicada por cem. Ou China levanta as sanções, ou não há condições nem sequer para discutir o acordo, dizem os representantes de quase todos os grupos políticos. “O custo potencial que a China pode vir a pagar é relativamente alto”, escrevia o Wall Street Journal. Não é apenas o acordo que está em causa. A atitude agressiva de Pequim pode “levar a União a aproximar-se de Washington depois de um período em que a distância entre os dois lados do Atlântico foi altamente benéfica para Pequim”.