Gravidez, entre a expectativa e o medo: “O que é assustador é não estarmos no comando mesmo que seja o nosso corpo”
Diz-se que é a melhor coisa do mundo e o período mais feliz da vida de uma mulher. Mas para Margarida Albuquerque e Sofia Arruda ainda há muito que desmistificar — a começar por aquela ideia.
O tempo de gestação é diferente de mulher para mulher, mas ainda assim a maioria enfrenta desafios que nunca tinha imaginado. A médica Margarida Albuquerque, a especializar-se em psiquiatria e co-autora do livro O Lado Emocional da Maternidade, e a actriz Sofia Arruda, que escreveu o livro Calma, Vai Correr Tudo Bem, trocaram ideias sobre gravidez, pós-parto e maternidade, esta quinta-feira, no âmbito da Conversa Ímpar.
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O tempo de gestação é diferente de mulher para mulher, mas ainda assim a maioria enfrenta desafios que nunca tinha imaginado. A médica Margarida Albuquerque, a especializar-se em psiquiatria e co-autora do livro O Lado Emocional da Maternidade, e a actriz Sofia Arruda, que escreveu o livro Calma, Vai Correr Tudo Bem, trocaram ideias sobre gravidez, pós-parto e maternidade, esta quinta-feira, no âmbito da Conversa Ímpar.
“Já tinha tido várias amigas que tinham estado grávidas, mas percebi que havia vários temas que nunca tinham sido falados abertamente”, começa por dizer a actriz Sofia Arruda, que teve o seu primeiro filho no Verão de 2019, tendo sentido que “vários temas eram tabus”. Foi esse o ponto de partida para escrever Calma, Vai Correr Tudo Bem: abordar temáticas que poderiam ter facilitado a experiência da gravidez, se soubesse mais sobre elas. A começar pela ansiedade.
A ansiedade durante a gravidez foi causada, segundo Sofia Arruda, pelos medos, sendo que estes “andam todos à volta da saúde do bebé”. Afinal, explica, é “como olhar para uma carta fechada”. “O que é assustador é não estarmos no comando mesmo que seja o nosso corpo.”
“Só o facto de se saber que nas primeiras 12 semanas se pode perder o bebé traz stress”, explica Margarida Albuquerque, que sublinha o facto de, numa gravidez, “o lado emocional” ser “tão importante quanto o obstétrico”. E essa ansiedade é ainda maior pelo facto de poucas vezes ser partilhada, já que, lembra a médica, há uma espécie de “senso comum” que diz para não contar nada a ninguém até à primeira ecografia. A incongruência é que é exactamente durante esse primeiro trimestre que se dão as maiores alterações hormonais, causando por vezes mal-estar, náuseas, suores, etc.
“A ecografia das 12 semanas é um alívio”, confirma Sofia Arruda. “Mas a ansiedade não se fica por aí”: seguem-se mais e mais exames e, a cada um, uma pontinha de medo. Depois, lembra Margarida Albuquerque, chegam os “comentários do ‘mexe’ ou ‘não mexe’”. “Para algumas mulheres [esta pergunta] é uma fonte de angústia”, avalia.
Durante a gravidez, a sexualidade é um dos pontos pouco debatidos, sendo que para Margarida Albuquerque “é fundamental que o casal fale sobre o assunto”, considerando que a sexualidade não se esgota num único acto. Sofia Arruda concorda — “É muito importante haver cumplicidade entre o casal” — e acrescenta que não se deve desvalorizar a fase de recuperação do corpo, aconselhando qualquer mulher a consultar um fisioterapeuta pélvico depois do parto.
Da tristeza à depressão
Sofia Arruda nunca imaginou que viria a chorar compulsivamente e aparentemente sem nenhuma razão por dias a fio, imediatamente após o parto. “Sempre associei a depressão pós-parto a mulheres que tinham uma predisposição”, considerando que aquela só se dava a “quem estava numa situação complicada”. “Eu não tinha razão nenhuma [para me sentir triste] e dois dias depois de o bebé nascer comecei a chorar dia e noite.”
O que Sofia Arruda descreve não é uma depressão pós-parto, esclarece Margarida Albuquerque, mas poucas mulheres estão cientes de que irão passar por isso. Trata-se do chamado “Baby Blues”, caracteriza-se por uma angústia incontrolável, e ocorre com oito em cada dez mulheres, normalmente nas duas primeiras semanas de vida do bebé.
Para esta médica, esta questão “devia ser mais falada uma vez que a probabilidade de acontecer é maior do que não acontecer”. “Todas as transições de vida são difíceis, mas a maternidade é tida como a mais difícil de todas. Daí, todos os sintomas do chamado Baby Blues serem normais. A mulher e a sua rede de apoio saberem isto é um passo para ultrapassar esses episódios.”
No entanto, é preciso prestar atenção, porque, explica a especialista, “a doença psiquiátrica pode surgir após o parto, sem qualquer doença associada anterior”, reforçando que “os Baby Blues são normais durante uns dias, mas se se arrastam no tempo poderá transformar-se numa doença que deve ser tratada, pedindo ajuda a profissionais de saúde”.
No pós-parto, há ainda muitos outros desafios. A começar pelas visitas que, no lugar de presentes, trazem palpites, “e nem sempre se percebe como lidar com eles”, recorda, divertida, Sofia Arruda. Margarida Albuquerque concorda que “lidar com os conselhos de terceiros é um dos maiores desafios” da maternidade. E deixa a dica: “A melhor forma de lidar com isso é saber exactamente o que queremos ou não ouvir”.
Mas o mito da maternidade “como a melhor coisa do mundo” e como o tempo “mais feliz da mulher” resiste. É importante, reflecte Margarida Albuquerque, compreender que a maternidade é antes de mais “uma fase da vida, cheia de desafios”.
Com a maternidade chegam também as dores, as noites mal dormidas, o cansaço. E, brinca Sofia Arruda, “é por isso que os bebés são lindos e fofinhos — para aguentarmos isso tudo”.