O capitalismo português no seu esplendor
Se um empresário judicioso e fora das relações sociais com a banca conspícua e o poder político volátil jamais avançaria com uma proposta de controlo da Groundforce sem uma sólida reserva de capital, Alfredo Casimiro pôde fazê-lo sem problemas.
O conflito áspero entre o ministro que tutela a TAP, Pedro Nuno Santos, e o dono da participação maioritária na Groundforce, Alfredo Casimiro, pode irritar muita gente pela forma truculenta como se discutem na praça pública as ameaças sobre o futuro de uma empresa importante e dos seus 2400 trabalhadores. Todavia, está também a ter o mérito de nos desvendar a maneira como o Estado gere a venda dos bens que integram o domínio público – e de provar como em Portugal se criam e protegem capitalistas sob o manto da proximidade política. Honra seja feita ao ministro Pedro Nuno Santos: ele é truculento, e por vezes provocador, mas ao revelar que Alfredo Casimiro pagou 3,7 milhões de euros por 50,1% da Groundforce depois de ter recebido da empresa 7,6 milhões de comissões de gestão, o ministro pôs a nu uma vez mais o pantanoso mundo dos negócios patrocinado pelo Estado português.
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O conflito áspero entre o ministro que tutela a TAP, Pedro Nuno Santos, e o dono da participação maioritária na Groundforce, Alfredo Casimiro, pode irritar muita gente pela forma truculenta como se discutem na praça pública as ameaças sobre o futuro de uma empresa importante e dos seus 2400 trabalhadores. Todavia, está também a ter o mérito de nos desvendar a maneira como o Estado gere a venda dos bens que integram o domínio público – e de provar como em Portugal se criam e protegem capitalistas sob o manto da proximidade política. Honra seja feita ao ministro Pedro Nuno Santos: ele é truculento, e por vezes provocador, mas ao revelar que Alfredo Casimiro pagou 3,7 milhões de euros por 50,1% da Groundforce depois de ter recebido da empresa 7,6 milhões de comissões de gestão, o ministro pôs a nu uma vez mais o pantanoso mundo dos negócios patrocinado pelo Estado português.
Numa feliz expressão, a jornalista Helena Garrido descreveu no Observador a extraordinária conquista da maioria do capital da Groundforce por Alfredo Casimiro como “o regresso de capitalistas sem capital”. Mais do que o génio negocial do empresário ou o seu sentido de oportunidade, a expressão revela a permeabilidade do Estado a negócios duvidosos. A iminência da bancarrota em 2012 ajuda a explicar a forma desesperada como se vendeu a parte de leão da Groundforce a quem se dispôs a pagá-la não com o seu dinheiro, mas com o dinheiro que viesse a tirar da empresa. Mas não é preciso muita memória ou imaginação para concluir que o Estado dá quase sempre parte de fraco nas negociações em que se envolve. Veja-se o caso das barragens da EDP.
O exemplo revelado por Pedro Nuno Santos é grave não apenas porque expõe as vulnerabilidades de quem deve defender o sector público; é-o também por nos provar que Portugal é um paraíso para os videirinhos. Por muito mérito que Alfredo Casimiro tenha tido ao criar um grupo empresarial a partir do zero, temos razões de sobra para suspeitar que, como tantos outros, o seu caminho de sucesso não dispensou o tradicional sistema de patrocinato que o Estado lhe concedeu no controlo da Groundforce. Se um empresário judicioso e fora das relações sociais com a banca conspícua e o poder político volátil jamais avançaria com uma proposta de controlo da Groundforce sem uma sólida reserva de capital, Casimiro pôde fazê-lo sem problemas. No esplendoroso mundo do capitalismo pátrio, o mérito, o esforço, a frugalidade ou a transparência sempre valeram menos do que a esperteza que mantém portas sempre abertas no Terreiro do Paço.