Eutanásia: o conhecimento, a política, a religião e a ética
Num tema tão fraturante, ter a liberdade de poder escolher sem impor a mesma escolha ao outro é exatamente o que qualquer democracia deve defender.
A recente decisão do Tribunal Constitucional abriu, de novo, a oportunidade para se ouvirem as opiniões mais diversas sobre o assunto. E ainda bem, pois mostra uma democracia robusta e participativa, o que, em temas como a vida dos humanos ou a sustentabilidade do planeta, é reconfortante.
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A recente decisão do Tribunal Constitucional abriu, de novo, a oportunidade para se ouvirem as opiniões mais diversas sobre o assunto. E ainda bem, pois mostra uma democracia robusta e participativa, o que, em temas como a vida dos humanos ou a sustentabilidade do planeta, é reconfortante.
E mostra também a forma como o conhecimento vai sendo cada vez mais invocado para ultrapassar as incertezas que se espera sejam esclarecidas para que lei possa ser mais robusta.
O que se tornou muito claro ao longo deste recorrente debate é que a divisão de opiniões já deixou de ser feita de forma simplista, baseada no ser-se assumidamente de esquerda ou direita, ser-se crente ou não, ser-se profissionalmente competente ou não, ou ainda de se defenderem ou não valores éticos universais.
Perceber que no espetro ideológico, e não só em Portugal, tanto à esquerda como à direita, as opiniões se dividem, é indiscutivelmente um sinal de maturidade política. Apesar da maioria a favor da eutanásia ter vindo a crescer, o número de deputados que à direita votam a favor e que à esquerda votam contra é significativo.
Também se tornou mais do que evidente que muitos dos que se assumem como crentes praticantes não se identificam automaticamente com as posições oficiais das mais diversas religiões.
E são também muitos os médicos, advogados, enfermeiros e farmacêuticos, para não falar de outras profissões relevantes, que não acompanham automaticamente as posições que as suas Ordens divulgam. A própria posição dos juízes do Tribunal Constitucional não foi consensual. A complexidade do tema é, mais uma vez, espelhada no acórdão que foi divulgado.
E felizmente, quando falamos de valores éticos universais, a prioridade que cada um de nós dá a esses valores, quando a perceção de conflito entre eles é evidente, varia de pessoa para pessoa e de acordo com a experiência de vida de cada um. O que é perfeitamente normal e até desejado.
Alguém tentar colocar-se num nível ético mais elevado por pensar diferente é, não só de uma arrogância inaceitável, como mostra um desprezo profundo pela autonomia individual. Num tema tão fraturante, ter a liberdade de poder escolher sem impor a mesma escolha ao outro é exatamente o que qualquer democracia deve defender.
Todos reconhecemos que o diálogo não é fácil. Para os que acreditam que a vida é uma dádiva, pensar que alguém possa querer por fim à sua vida é inimaginável. Para os que acham que a nossa vida e o nosso corpo são o resultado da liberdade e da responsabilidade de escolhas sucessivas, nem sempre lineares, por fim à vida em situações de doença e sofrimento incontrolável não será mais do que exercer uma dessas escolhas. O direito de usar conceitos como o de profunda empatia e compaixão aplicam-se a ambos.
A importância do conhecimento, em todos estes domínios, reflete-se nesta conclusão.
Deputado e investigador
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico