Eleições em Israel: Netanyahu e os seus rivais
A quarta eleição em dois anos é ainda mais imprevisível e há quem veja a democracia cada vez mais em perigo.
Mais uma vez, Israel vai a votos esta terça-feira. A quarta eleição em dois anos, a segunda em pandemia. O quadro mudou – o protagonista do bloco contra o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, é outro, e há mais um antigo aliado que se tornou rival na corrida. O que se mantém constante: Benjamin Netanyahu e o seu processo judicial, agora iniciado formalmente, por corrupção e tráfico de influências.
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Mais uma vez, Israel vai a votos esta terça-feira. A quarta eleição em dois anos, a segunda em pandemia. O quadro mudou – o protagonista do bloco contra o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, é outro, e há mais um antigo aliado que se tornou rival na corrida. O que se mantém constante: Benjamin Netanyahu e o seu processo judicial, agora iniciado formalmente, por corrupção e tráfico de influências.
Embora as sondagens sejam pouco fiáveis, há a possibilidade de o bloco de Netanyahu e os seus aliados naturais (os partidos ultra-ortodoxos) formarem governo. Mas ninguém arrisca prognósticos, já que institutos de sondagens apontam também para um enorme número de indecisos.
“Não conheço nenhum pensador sério que diga que Israel vai ter outra ronda de eleições por razões que não sejam os interesses pessoais de Netanyahu”, disse ao New York Times Gayil Talshir, professora de ciência política da Universidade Hebraica de Jerusalém. Há nove meses que todos os fins-de-semana há protestos nas ruas contra o “crime-minister”. No sábado saíram à rua de novo dezenas de milhares de pessoas.
Desta vez, o antigo jornalista Yair Lapid, de centro-esquerda, substituiu o antigo chefe do Exército Benny Gantz no segundo lugar das intenções de voto (embora com uma percentagem menor).
Gantz cedeu a entrar num governo com Benjamin Netanyahu após três eleições que teimavam em dar resultados semelhantes, pressionado por uma pandemia e as suas consequências económicas, e passou a linha vermelha que tinha imposto a si mesmo, coligando-se com Netanyahu, então investigado de corrupção (e entretanto acusado formalmente). Lapid, que estava numa aliança com Gantz, saiu. Gantz pagou caro e o seu partido Azul e Branco está no limiar de votos que permite uma entrada no Parlamento; Lapid capitalizou com a manutenção da posição de princípio e é agora ele quem disputa a chefia de um bloco governativo com Netanyahu – nenhum partido em Israel tem maiorias para governar e a fragmentação é grande.
Durante a campanha, Netanyahu fez da pergunta “onde está Lapid?” um mote – até que no fim-de-semana Lapid lhe respondeu, num vídeo, desafiando-o para um debate. Que não aconteceu.
"Podem estar a mentir"
Depois há ainda três partidos de antigos aliados, agora rivais, de Netanyahu: Avigdor Lieberman, o “russo” (moldavo, representa a comunidade de imigrantes de países da antiga União Soviética) do partido nacionalista Israel Beitenu (Israel Nossa Casa), Naftali Bennet, do partido Nova Direita, e finalmente Gideon Saar, o novo aliado-agora-rival, que saiu do partido para formar o que alguns analistas já chamaram “Likud-sem-Bibi”, o diminutivo por que Netanyahu é conhecido em Israel.
Numa reviravolta, Bennett assinou um documento prometendo não se juntar a um governo liderado por Lapid. Mas como sublinhou Gil Hoffmann, do Jerusalem Post, pode tentar alternar como primeiro-ministro como Gantz, e, além disso, o que se diz antes da votação não é uma certeza: “Há muitas pessoas que podem estar a mentir.”
Entre os partidos mais pequenos, há mudanças nos trabalhistas. O que já foi um dos maiores partidos de Israel parece ter sido salvo da destruição com a escolha de Merav Michaeli para a liderança, e a maioria das sondagens dizem que conseguirá passar a barreira para se manter no Parlamento. É o único partido com uma mulher na liderança.
Outro factor que mudou e bastante foi a paisagem política internacional: Netanyahu já não contou, nesta campanha, com anúncios de Donald Trump que lhe permitam apresentar-se como o político israelita que mais vantagens trazia para Israel em termos de política externa. Desta vez, Netanyahu acumulou, de modo pouco característico, fiascos, com a suspensão de uma viagem aos Emirados Árabes Unidos que deixou furiosos os anfitriões do primeiro-ministro israelita.
Até o que parecia uma notícia favorável vinda da Rússia – a libertação de uma israelita detida na Síria (tinha atravessado pelos Montes Golã) se tornou prejudicial quando foi revelado que o acordo com Damasco mediado por Moscovo implicava que Israel comprasse milhares de doses da vacina russa para a covid-19 para serem dadas ao regime de Bashar al-Assad.
E a sua promessa de voos directos entre Telavive e Meca caso fosse eleito foi alvo de alguma troça porque não há aeroporto em Meca.
O voto árabe
Finamente, outra diferença: o voto árabe. Após as eleições de Março a Lista Unida, que juntava todos os partidos árabes israelitas, deu um passo inédito indicando ao Presidente um candidato a primeiro-ministro pela primeira vez - isto na fase em que o Presidente ouve os partidos para decidir quem tem a primazia na formação de um governo, que pode não ser o partido com mais votos mas sim quem mais tem condições para forjar uma coligação. Na altura, a ideia era afastar Netanyahu, que apoiara uma lei que diminuía o estatuto dos árabes enquanto cidadãos de Israel.
Agora, um partido árabe que saiu da Lista e se apresenta sozinho, e que nem se sabe se passará o limiar mínimo para entrar no Parlamento, está a ser apresentado como uma possibilidade para Netanyahu. O líder do partido Ra’am, Mansour Abbas, não exclui apoiar nenhum político, mais, não exclui negociar com Netanyahu em troca de leis que ajudem a que escape ao processo legal que enfrenta, desde que isso permita conseguir benefícios para os árabes israelitas (que vivem em regra em locais com menos investimento público e se sentem como “cidadãos de segunda”).
Os partidos árabes podem ainda ser afectados pela fuga de alguns votos para, inesperadamente, o Likud. Netanyahu fez uma das mais espantosas reviravoltas e de quase chamar terroristas aos árabes israelitas e sugerir que estavam envolvidos em fraude eleitoral nas eleições passadas, nesta campanha tem cortejado o voto desta fatia do eleitorado.
A grande incógnita sobre o que farão os eleitores árabes começar pela participação. São uma comunidade pouco vacinada em comparação com a média no país, e por isso há quem antecipe que possam ir menos às urnas com medo de serem infectados pelo vírus que provoca a covid-19.
Perigo para a democracia
Tudo é imprevisível, mas o que está em jogo é imenso: como diz o director do Times of Israel David Horowitz, “uma vitória de Netanyahu, dado o número limitado e orientações dos seus potenciais parceiros políticos, representa um novo risco para o carácter democrático do país – o perigo é que a separação de poderes, o equilíbrio da responsabilidade entre o sistema judiciário, legislativo e o governo, seja recalibrado, sob um primeiro-ministro com o maior interesse pessoal directo em enfraquecer os tribunais”.
Estes aliados incluem, enumera Horowitz, partidos religiosos como o Shas e o Judaísmo Unido da Tora, que excluem mulheres das suas listas, têm lutado por excepções dos ultra-ortodoxos ao serviço militar obrigatório, e vêem o judaísmo não religioso como idolatria, diz. Uma coligação destas vai precisar do apoio, no governo ou fora, de uma aliança que inclui na sua lista pessoas conhecidas por serem provocadoras, racistas e homofóbicas, e cujo líder, Bezalel Smotrich, gostaria que Israel fosse uma teocracia.
O aviso é repetido pelo líder do Israel Democracy Institute Yohanan Plesner, que tem dito várias vezes que a democracia em Israel não é um dado adquirido.