O poder político ausentou-se nas barragens
Acreditar que o negócio das barragens entre a EDP e a Engie tinha de ser como foi é desacreditar o papel do Estado na defesa do interesse geral.
A narrativa do negócio das barragens entre a EDP e os franceses da Engie está a chegar ao momento em que entram em jogo as manigâncias jurídicas e as complexidades fiscais que servem para afastar os cidadãos de uma conclusão tão óbvia com simples: se o Estado não cobrou 110 milhões de euros de imposto de selo, foi porque o Governo não quis. Se esta vontade traduz uma estratégia política para capitalizar a EDP ou atrair investimento estrangeiro, que se assuma; se em causa está um erro de avaliação, que se reconheça. O que não faz sentido é dizer que a Autoridade Tributária é que tem nas mãos a chave do processo. E ainda menos afirmar que os ministros não têm o poder de intervir em negócios desta dimensão e gravidade, assumindo-se como verbos de encher na gestão dos assuntos públicos.
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A narrativa do negócio das barragens entre a EDP e os franceses da Engie está a chegar ao momento em que entram em jogo as manigâncias jurídicas e as complexidades fiscais que servem para afastar os cidadãos de uma conclusão tão óbvia com simples: se o Estado não cobrou 110 milhões de euros de imposto de selo, foi porque o Governo não quis. Se esta vontade traduz uma estratégia política para capitalizar a EDP ou atrair investimento estrangeiro, que se assuma; se em causa está um erro de avaliação, que se reconheça. O que não faz sentido é dizer que a Autoridade Tributária é que tem nas mãos a chave do processo. E ainda menos afirmar que os ministros não têm o poder de intervir em negócios desta dimensão e gravidade, assumindo-se como verbos de encher na gestão dos assuntos públicos.
Toda a história do negócio nos mostra que a EDP soube defender, como lhe compete, os interesses dos seus accionistas e que o Governo não foi capaz de lhe exigir todas as contrapartidas fiscais ao seu alcance. Em causa não estava um negócio banal entre privados, mas uma concessão cuja transmissão exigia uma autorização do Estado. Sendo assim, tendo nas mãos os trunfos do processo, o Governo dispunha de condições para impor as regras do jogo. Bastava-lhe fazer depender a autorização da cedência das concessões a um modelo de negócio que dispensasse tanta engenharia financeira. E que colocasse dúvidas sobre a cobrança de impostos. Como não o fez, uma venda acabou por dar lugar a uma fusão. Tinha nascido o pecado original.
Acreditar que o negócio tinha de ser assim é desacreditar o papel do Estado na defesa do interesse geral. Se a estratégia escolhida gerava dúvidas sobre a cobrança do imposto de selo, havia que escolher outra. Mas, mesmo optando pela via por que se optou, seria exigível ver os membros do Governo dizer que, até prova em contrário, os impostos teriam de ser cobrados, em vez de assumirem uma atitude tíbia que remete para uma divisão administrativa uma decisão do foro político. O Governo tem dificuldade em explicar a sua gestão do processo e necessita de expedientes para responder às investidas do Bloco e do PSD.
Nada indica que a história acabe bem. O negócio fez-se no âmbito da lei e fez-se com o aval do Estado. Se a AT decidir que o imposto tem de ser pago, anuncia-se uma batalha jurídica longa e penosa. Não será talvez o maior problema. O dano maior está na ideia segundo a qual o poder político está refém dos grandes interesses – que ganha lastro com este infeliz caso.