As nossas vidas importam
Hoje, 21 de Março, celebramos o Dia Internacional contra a Discriminação Racial. E estamos cansadas: já sofremos estas discriminações há demasiado tempo. E não toleraremos mais nenhuma.
Todas temos o direito a estar seguras. De acordo com o artigo número 25 da Constituição Portuguesa, “a integridade moral e física das pessoas é inviolável”. A violência policial (utilização injustificada de violência por parte das forças policiais que é, geralmente, direccionada a civis desprotegidos) apresenta-se, portanto, como um atentado à colectividade social, criando insegurança advinda dos sectores que deveriam, por princípio, combatê-la.
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Todas temos o direito a estar seguras. De acordo com o artigo número 25 da Constituição Portuguesa, “a integridade moral e física das pessoas é inviolável”. A violência policial (utilização injustificada de violência por parte das forças policiais que é, geralmente, direccionada a civis desprotegidos) apresenta-se, portanto, como um atentado à colectividade social, criando insegurança advinda dos sectores que deveriam, por princípio, combatê-la.
Quando pensamos na acção das forças policiais de uma perspectiva de análise étnico-racial, torna-se inevitável perspectivar o abuso e a violência imposta perante certas comunidades marginalizadas. O Comité Anti-Tortura (CPT) do Conselho da Europa lançou um relatório, em 2020, onde declara que os afrodescendentes são os mais vitimizados pela violência advinda destas forças. Movimentos com expressão internacional como o Black Lives Matter reflectem estruturalmente o abuso policial como arma repressiva de um Estado fundado na escravatura e no racismo sistémico, visando a manutenção do status quo. É na violência institucionalizada que encontramos o gume mais afiado da repressão e da lógica neoliberal que governa as nossas vidas.
A desresponsabilização das forças policiais relativamente a assassinatos de afrodescendentes e a impunidade judicial que se evidencia nestas instâncias reforça as estruturas desiguais inerentes ao actual sistema socio-económico. É este mesmo sistema que assassinou George Floyd, em Mineápolis, e que agrediu Cláudia Simões, na Amadora.
Também é esta política discriminatória que tem disputado a hegemonia nas estruturas internas das forças policiais. O descontentamento gerado pelas difíceis condições laborais nestes sectores tem criado grande espaço de manobra para a captação política por parte de forças extremistas de extrema-direita. O Movimento Zero tem vindo a demonstrar a sua força junto dos trabalhadores da polícia, sem esconder a cumplicidade com as forças de direita populistas, vendo-se institucionalmente representadas na figura do deputado André Ventura. O caso específico do polícia Manuel Morais, agente principal do corpo de intervenção da PSP, também evidencia a forma como as vozes que se apresentam contrárias a este fenómeno são silenciadas. Este sindicalista foi crítico da acção policial em muitos bairros periféricos, evidenciando a índole racista que motivava muitos dos comportamentos dos seus colegas. Esta denúncia trouxe-lhe muitos dissabores, tendo sido suspenso quando chamou André Ventura “aberração” na sua página de Facebook. O comportamento humanista de combate pela melhoria das condições laborais de nada lhe valeu quando repetiu o mesmo que vários relatórios já indiciavam.
O que torna difícil a conversa sobre brutalidade policial é o facto de as vozes que se insurgem contra esta desigualdade serem as menos escutadas na nossa sociedade. Baldwin dizia que na sociedade norte-americana os afro-americanos não eram contabilizados como parte da população, logo, as suas confissões eram naturalmente fraudulentas. E, nas raras ocasiões em que estas denúncias são investigadas, é a polícia responsável por averiguar a sua própria conduta. Onde é que se colocam as problemáticas da neutralidade? Ou, como se grita nas mobilizações, a quem se liga quando a polícia mata?
Hoje celebramos o Dia Internacional contra a Discriminação Racial. E estamos cansadas: já sofremos estas discriminações há demasiado tempo. E não toleraremos mais nenhuma. Encontramos no racismo mais uma forma de legitimação do sistema socio-económico e reconhecemos a organização colectiva como forma cerrada de travar esse combate. A luta pela igualdade não é um acto de filantropia e não se resume à mera ajuda; existe para defender a vida. E sempre que houver ameaças à vida encheremos as ruas, como o país que fez Abril nos tem ensinado, cantaremos em plenos pulmões uma única reivindicação: as nossas vidas importam.