Portugal Fashion: três dias de nostalgia com olhos postos no futuro
Maria Carlos Baptista, Estelita Mendonça, Katty Xiomara, Inês Torcato, Maria Gambina, Miguel Vieira, Ernest W. Baker, David Catalán e Alexandra Moura apresentaram as suas colecções online.
Durante três dias, o Portugal Fashion (PF) entrou virtualmente nas casas dos entusiastas da moda. A primeira fila da passerelle foi substituída pelo sofá e os looks-tendência pelos pijamas ou fatos de treino. No take 1 da The Sofa Edition — que contou com o anfitrião Hugo van der Ding — Maria Carlos Baptista, Estelita Mendonça, Katty Xiomara, Inês Torcato, Maria Gambina, Miguel Vieira, Ernest W. Baker, David Catalán e Alexandra Moura apresentaram as suas colecções. Criatividade, nostalgia e esperança definiram as propostas dos criadores.
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Durante três dias, o Portugal Fashion (PF) entrou virtualmente nas casas dos entusiastas da moda. A primeira fila da passerelle foi substituída pelo sofá e os looks-tendência pelos pijamas ou fatos de treino. No take 1 da The Sofa Edition — que contou com o anfitrião Hugo van der Ding — Maria Carlos Baptista, Estelita Mendonça, Katty Xiomara, Inês Torcato, Maria Gambina, Miguel Vieira, Ernest W. Baker, David Catalán e Alexandra Moura apresentaram as suas colecções. Criatividade, nostalgia e esperança definiram as propostas dos criadores.
“Olá, bem-vindos ao take 1 da The Sofa Edition do Portugal Fashion. Vamos poder assistir todos a uma coisa que geralmente não receberíamos sequer convite para ir — o que é extraordinário”, começa por dizer o radialista e ilustrador Hugo van der Ding. Ao longo dos três dias — 18,19 e 20 de Março — coordenou a emissão e conduziu as entrevistas aos nove designers, com muito humor à mistura.
O PF arrancou com as propostas de Maria Carlos Baptista para o próximo Outono/Inverno. A jovem designer venceu o concurso Bloom — a plataforma do PF dedicada ao apoio e promoção de jovens criadores — apenas há seis meses e, desde então, já teve oportunidade de apresentar a colecção Espaço Negativo na Semana da Moda de Paris. “Não estava nada à espera desta internacionalização muito rápida”, confessou a criadora.
O vídeo apresentado na passada quinta-feira no PF propõe formas estruturadas e silhuetas alongadas da colecção num ambiente industrial, em que as modelos posam em frente à câmara, pousada num tripé, como se se filmassem a si próprias. No final é a própria modelo a desligar a câmara.
Maria Carlos Baptista contou a Hugo van der Ding como traz sempre o universo do ballet para a moda. Recorde-se que a criadora era bailarina profissional, antes de se dedicar por completo ao design. O movimento, a performatividade e o conforto são então premissas fortes das propostas da marca, que pensa numa “mulher segura de si e feminina”.
A jovem designer explicou que encontrou no processo criativo desta colecção uma forma de escape à pandemia de covid-19. O mesmo aconteceu com Estelita Mendonça, o segundo designer a apresentar as propostas para o próximo Outono/Inverno, inspirado pela “utópica liberdade das raves dos anos 1990”. O vídeo, protagonizado por um só bailarino/modelo, mostra ao detalhe as peças — um nível de pormenor raramente conseguido num desfile tradicional.
Estelita Mendonça arrisca na mistura de cores, texturas e silhuetas. “Toda a colecção é muito colorida e com materiais mais técnicos, como as tendas”, explicou o designer. As tendas de campismo, que são um elemento constante no vídeo da colecção, representam o isolamento e o “aspiracional da liberdade”.
O primeiro dia do PF encerrou com Aurora de Katty Xiomara, uma colecção “baseada em todo o caos que estamos a vivenciar e como interfere com o nosso caos interior”, descreveu a designer. O vídeo com letra e música de Cati Freitas e interpretação de Sandra Barata Belo é uma viagem pelas ruas do Porto, repleta de nostalgia, mas com olhos virados para “este novo normal”.
A dimensão espiritual tem sido recorrente nas colecções da designer, ao longo das últimas estações. “Quando o desespero é tão grande, temos de nos agarrar a alguma esperança”, observou Katty Xiomara na conversa com Hugo van der Ding. As cores das peças foram inspiradas nos quatro elementos — terra, água, fogo e ar. Destacam-se também os estampados, explicou, fruto de trabalho gráfico mais intenso e de “um pensamento criativo que é muito mais do que um rabisco”. O resultado são peças que incorporam leveza, mas que paradoxalmente são também estruturadas, objectivas e práticas.
Take 1, dia 2: ode à cultura de Inês Torcato
O segundo dia da The Sofa Edition do Portugal Fashion arrancou com E faz-se luz, as propostas de Inês Torcato para o Verão de 2021. Num vídeo multidisciplinar com poesia de Tiago Quelhas, a designer quis mostrar os bastidores da moda, que “junta todas as artes” — desde maquilhadores, stylists, fotógrafos ou cabeleireiros — e alertar para o panorama actual da cultura em Portugal. “Se todos dermos passinhos pequenos, conseguimos chegar lá”, defendeu a criadora.
É a primeira vez que Inês Torcato decide apresentar uma colecção para a estação seguinte, mas é uma opção que pretende dar continuidade e reflecte “o ritmo acelerado do presente”. É também uma forma de dar resposta ao desejo de comprar logo, por parte dos consumidores.
Maria Gambina apresentou a colecção Fagan para o próximo Outono/Inverno, num vídeo realizado por André Tentúgal. O “clique” para o tema surgiu-lhe quando estava a ver um episódio da série The Crown, que retratava uma crise socioeconómica no Reino Unido, do final dos anos 1970. A história transportou-a para “aquilo que estamos a viver”, a “incerteza”, a “frustração”, a “solidão” e uma “certa inquietude”.
O resultado, contou a designer ao PÚBLICO na antevisão do evento, é uma colecção “muito escura”, mas, ao mesmo tempo, “feminina e delicada”. Esse lado feminino está presente no movimento e leveza de algumas peças, nos plissados e silhuetas volumosas. Em contraste, os modelos que as vestem estão estáticos.
A noite de sexta-feira terminou com o desfile do consagrado Miguel Vieira — o primeiro designer da The Sofa Edition a optar por uma apresentação mais tradicional. A colecção DNA foi também apresentada em Janeiro na Semana da Moda Masculina de Milão. Azul medieval, verde inverno, castanho licor de café, cinza nuvem, preto caviar e branco-trufa são as cores da próxima estação fria do criador, numa colecção que apresenta silhuetas clássicas com um twist.
Os modelos usam maquilhagem e acessórios arrojados e as unhas pintadas, num desfile com ambiente de festa. O criador arriscou na mistura de texturas e lamenta que no digital se perca o toque da lã, da caxemira, da alpaca e do pêlo de ovelha falso usados nesta colecção.
Take 1, dia 3: a romagem ao passado de Alexandra Moura
Ernest W. Baker é a marca de moda autoral dos jovens designers Inês Amorim e Reid Baker. O vídeo conceptual da dupla — com que participaram na Semana da Moda Masculina em Paris, em Janeiro — marcou o arranque do último dia do Take 1 do PF.
Inspirados pelo cinema, na nova colecção rompem com os clássicos do guarda-roupa masculino, que tem sido assinatura da marca ao longo dos últimos anos. Reinventam-se adicionando elementos mais confortáveis, como T-shirts, hoodies e um roupão imponente. “Não podemos fechar os olhos à tendência de as pessoas procurarem o conforto”, explicaram, a Hugo van der Ding, a dupla de designers.
Ainda que sejam entusiastas do vídeo e de “contar uma história”, sentem que o equilibro perfeito só será conseguido num híbrido entre o digital e um desfile. “No vídeo falta sempre o toque e não vemos tanto as emoções das pessoas”, observou Inês Amorim.
O conforto foi também mote para a colecção Reworks de David Catalán, que optou pelo formato de desfile — exibido, tal como Ernest W. Baker, também na Semana da Moda Masculina de Paris. As propostas para o próximo Outono/Inverno do designer espanhol revisitam as origens da marca e o estilo próprio de Catalán: “Faço roupa para mim e para amigos. Sou descontraído, mas gosto de estar bem vestido com detalhes de alfaiataria.”
O resultado é uma colecção de roupa “relaxada”, com mistura de texturas e acabamentos diferentes, como o veludo. Destacam-se os tie dyes em cores retro, feitos a pensar num “homem moderno com um toque contemporâneo”.
Alexandra Moura foi responsável por encerrar o Take 1 do Portugal Fashion com a colecção Subversão. Como a designer contava ao PÚBLICO, é reflexo dos seus primeiros passos no universo da moda, dos primeiros desenhos onde era tudo feito à mão, da música que ouvia, da forma de vestir dessa época. No fundo, resumia, “é ir reviver como tudo começou” nos anos 90, o século passado.
Além de silhuetas-assinatura da marca, como a desconstrução da alfaiataria, a colecção surpreende pelos volumes mais contidos, as cores mais ácidas, a mistura de padrões e as peças inacabadas. “As referências da marca estão todas aqui, mas também nos cansamos e precisamos explorar outras coisas”, disse Alexandra Moura a Hugo van der Ding.
O Take 2 da The Sofa Edition do Portugal Fashion ainda não tem data marcada, mas estão confirmadas as apresentações de Diogo Miranda, Alves/Gonçalves, Hugo Costa, Luís Onofre, Marques’Almeida, Susana Bettencourt, Sophia Kah, Concreto, entre outros. “Estamos ansiosos”, concluiu Hugo van der Ding.