Morreu José Gabriel Pereira Bastos, antropólogo e estudioso das comunidades ciganas

O antropólogo, psicanalista e estudioso das comunidades ciganas portuguesas estava internado há dois meses. Morreu de covid-19. Tinha 78 anos.

Morreu este sábado o antropólogo, psicanalista e estudioso da vida das comunidades ciganas, José Gabriel Pereira Bastos, vítima de covid-19. Tinha 78 anos. José Bastos, que escreveu artigos de opinião para o PÚBLICO, estava internado no hospital há dois meses. O óbito foi confirmado ao PÚBLICO por fonte familiar.

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Morreu este sábado o antropólogo, psicanalista e estudioso da vida das comunidades ciganas, José Gabriel Pereira Bastos, vítima de covid-19. Tinha 78 anos. José Bastos, que escreveu artigos de opinião para o PÚBLICO, estava internado no hospital há dois meses. O óbito foi confirmado ao PÚBLICO por fonte familiar.

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Segundo uma nota de pesar do CRIA – Centro em Rede de Investigação em Antropologia, do qual foi fundador, o antropólogo era “um dos cientistas sociais portugueses mais criativos e inovadores, com um fôlego e uma ambição teóricas raras”. Ainda segundo o centro de investigação, era uma das pessoas que mais profundamente conhecia o pensamento de Freud e os meandros da sua obra. “Tomou as teorias deste autor como ponto de partida para um quadro explicativo capaz de fundar uma antropologia geral, uma teoria global do ser humano cuja dimensão integrativa e transdisciplinar visasse derrubar o que chamava de ‘estilhaçamento disciplinar’”, lê-se na nota.

José Bastos integrou o departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa e, em articulação com a psicanálise, desenvolveu uma teorização sobre a antropologia dos processos identitários. Este trabalho forneceu a fundamentação teórica, para mais de uma dezena de projectos no âmbito do Centro de Estudos de Migrações e Minorias Étnicas da FCSH da Universidade Nova.

Entre as actividades que exerceu, estão as de professor associado com Agregação em Antropologia e Psicanálise na FCSH, durante 23 anos, local onde se formou em antropologia, foi co-fundador do Centro de Estudos de Migrações e Minorias Étnicas e docente no Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), onde estudou.

Especialista em teoria freudiana, antropologia dos processos identitários ou análise das produções culturais e antropologia do simbólico, ao longo dos anos, foi autor, co-autor ou co-organizador de inúmeras obras, entre elas, As Minorias Étnicas em Portugal (1997), Portugal Multicultural (1999), Filhos Diferentes de Deuses Diferentes (2006), Que Futuro tem Portugal para os Portugueses Ciganos? (2007), Portugueses Ciganos e Ciganofobia em Portugal (2012), Para uma Antropologia dos Processos Identitários (2013) ou Contar Direito por Linhas Tortas (2012). Psicanalista de formação, teve uma experiencia acumulada de décadas como terapeuta, para além de ter desenvolvido e leccionado, ao longo de parte dos anos 1970 e 1980, a cadeira de Psicanálise e Literatura na Faculdade de Letras de Lisboa.

Em antropologia licenciou-se na década de 1980. No departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, haveria de leccionar diversas cadeiras onde articulava a psicanálise com os saberes antropológicos, reorientando as suas aquisições teóricas no domínio da literatura para o estudo dos processos identitários. O investigador Mário Machaqueiro, do Instituto de História Contemporânea, que o conheceu bem, escrevia este sábado que “o seu foco era a multidimensionalidade da acção humana e o modo como nos podemos orientar, em termos epistemológicos mas também políticos, no seu conhecimento. Para ele as identidades não podiam ser explicadas numa vertente meramente parcelar ou unilateral.”

Segundo Mário Machaqueiro, terão sido estas algumas das premissas que forneceram a fundamentação teórica para os estudos desenvolvidos pela equipa de investigação que, na década de 1990, José Bastos e a antropóloga Susana Trovão dirigiram no âmbito do Centro de Estudos de Migrações e Minorias Étnicas. Terá sido a partir daí que José Bastos “pode encetar a sua actividade, simultaneamente científica e cívica, de investigação e de denúncia das condições de vida das comunidades ciganas em Portugal, uma actividade que o tornou a voz mais autorizada, entre nós, no tocante ao conhecimento dos ciganos portugueses.” Para o jornal PÚBLICO, José Bastos, haveria de escrever vários textos de opinião, versando a questão cigana. No último, a 11 de Julho de 2019, com o título de A Paixão Xenófoba de Bonifácio, a Questão Cigana e o Racismo de estado, escrevia que “com base em dados estatísticos comparativos de uma dezena de minorias, os ciganos são, a muito grande distância, a mais grave e escandalosa de todas as situações de racismo e xenofobia registadas em Portugal”.

Nos últimos anos, José Bastos também se dedicou ao trabalho, inacabado, de redescobrir e divulgar a vida e a obra da escritora, jornalista e activista política feminista Maria Lamas, sua avó.