No sono, a tecnologia é vilã e heroína

Há a ideia de que sono e tecnologia não se misturam, mas nos últimos anos têm surgido cada vez mais aparelhos para monitorizar a qualidade do sono. Contudo, é preciso saber interpretar os dados.

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A luz azul dos ecrãs não contribui para a boa higiene do sono. Os telemóveis modernos já incluem filtro de luz Adam Hester/Getty

Há cada vez mais empresas a tentar vender sono de qualidade. Nos últimos anos, a tecnologia do sono tornou-se um mercado rentável com cada vez mais aplicações e aparelhos para monitorizar as horas passadas a dormir. Até 2026, este mercado deve ultrapassar os 31 mil milhões de dólares (perto de 26 mil milhões de euros) de acordo com dados da analista Global Markets. 

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Há cada vez mais empresas a tentar vender sono de qualidade. Nos últimos anos, a tecnologia do sono tornou-se um mercado rentável com cada vez mais aplicações e aparelhos para monitorizar as horas passadas a dormir. Até 2026, este mercado deve ultrapassar os 31 mil milhões de dólares (perto de 26 mil milhões de euros) de acordo com dados da analista Global Markets. 

Um dos objectivos parece ser eliminar a narrativa da tecnologia como “vilã do sono”, devido a jogos de computador viciantes e ecrãs demasiado luminosos. Os especialistas dizem que está a funcionar.

“As pessoas podem sentir que tiveram uma noite de sono terrível, mas quando um dispositivo lhes diz que tiveram uma boa noite, a pessoa confia mais no dispositivo do que na própria sensação que tem”, partilha com o PÚBLICO Anna Nagele, professora de criatividade computacional na universidade Queen Mary, em Londres, que está a explorar a relação entre as pessoas e os seus dispositivos tecnológicos como parte do doutoramento. “Há várias razões para isto. Por exemplo, a ideia que os dados e procedimentos técnicos são considerados objectivos e, por isso, ‘verdade’”, continua a académica.

Só que nem todos os aparelhos criados para monitorizar a qualidade do sono o fazem bem e faltam auditorias regulares aos produtos. O alerta surge num pequeno estudo publicado este ano na revista académica Nature and Science of Sleep que analisou oito aparelhos populares para monitorizar o sono (incluindo o Apple Watch e a Fitbit) ao longo de cerca de três meses.

A conclusão? Em geral, a tecnologia é boa a detectar o tempo que alguém passa a dormir, mas tem dificuldade em perceber os estágios do sono: leve, profundo, ou REM (a fase em que sonhamos). Sem estes dados, torna-se difícil avaliar a qualidade do sono. “Se o alarme de alguém dispara quando estava a dormir profundamente, vai acordar atordoado e pode sentir que não dormiu bem, quando pode ter dormido”, clarifica Joshua Hagen, o director do Centro de Performance Humana no Instituto Rockefeller de Neurociências, nos Estados Unidos, que foi um dos autores do estudo.

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Há vários opções de relógio de luz no mercado Philips

Nalguns casos, a preocupação em “dormir melhor” pode levar a stress e ortossonia (ansiedade em atingir um “sono perfeito”). O termo foi cunhado em 2017 por uma equipa de investigadores do sono da Northwestern University, em Chicago, que começaram a notar um aumento de pacientes com problemas em “dormir bem” devido à informação de aparelhos para monitorizar o sono. 

Isto não quer dizer que os monitores de sono não ajudam, mas é preciso compreender os limites. Hagen diz que os aparelhos podem ser uma forma para medir “aspectos que as pessoas controlam” como as horas a que se deitam.

Anna Nagele lembra que a maioria dos aparelhos ainda não considera se as pessoas fazem sestas durante o dia. “Na medição de um ‘sono bom’ não há conexão com a natureza. [Não se pensa] que os padrões de sono podem mudar com as estações do ano, a temperatura, a mudança da duração do dia e da noite”, sugere a académica. “O mercado do sono está vinculado ao tempo do relógio, como quase toda a nossa vida.”