Muitas perguntas, poucas respostas e um relógio que não pára: quando a crise climática provoca ansiedade

“Porque não falamos da crise climática na escola?”, “Porque não resolvemos os problemas ambientais?”, “Para onde caminhamos?”. As perguntas enchem-lhes a cabeça e, ainda que saiam à rua para fazer greve (como acontece esta sexta-feira), as respostas tardam. E eles não pensam noutra coisa. É a ecoansiedade: uma reacção ao colapso ambiental que, não sendo um diagnóstico clínico, deve ser tida em conta. E há estratégias para lidar com ela.

Foto
Malte Mueller/Getty Images

Pedro Pinho era advogado até perceber que muitos dos seus clientes “eram pessoas e empresas que contribuem para a crise climática” — e, consequentemente, para problemas que lhe geram ansiedade. “Comecei a ter ataques de pânico, relacionados com outras coisas, mas também com isto”, conta. E deu por si a repensar não só “o que estava a fazer no escritório”, mas outras questões do dia-a-dia: “Quase fui obrigado, para efeitos de bem-estar, a alterar coisas da minha vida. Deixei de consumir produtos de origem animal, vendi o carro e passei a andar de bicicleta e transportes públicos.”

As crises de ansiedade que sentia não eram só provocadas pelas alterações climáticas, mas eram, em grande parte, exponenciadas por elas. Por isso, o portuense de 32 anos quis deixar de “contribuir para o sistema”, não só através de “acções individuais”, mas também com a sua capacidade intelectual, que estava a ser utilizada para “ajudar empresas a explorar os recursos existentes, fossem eles humanos ou naturais”. Agora, estuda fotografia e faz parte da luta climática — que, esta sexta-feira, 19 de Março, volta a sair à rua (ou a fazer greve online). E a ecoansiedade acalmou.

Bruna Silva ficava inquieta de cada vez que via pessoas a lavar a louça “com a água sempre a correr”. Pensar em parques aquáticos dava-lhe ansiedade. Em 2020, foram os fogos que assolaram a Austrália, “a desflorestação, animais a serem queimados, destruição da biodiversidade. Depois, a Amazónia...”, enumera.

Foto
Pedro Pinho, 32 anos Manuel Roberto

“Acho que nos deixou a todos ansiosos, mas a uns mais do que outros. Porque, tal como os nossos pais, avós ou bisavós queriam estar num mundo em que pudessem ver os seus filhos e criar os seus netos, também nós queremos”, lamenta. Quando pensa nisso, tem “pequenos ataques de pânico”, não consegue parar de andar de um lado para o outro. A única forma que encontra para se acalmar é “falar com alguém, ver alguma coisa na televisão ou ir apanhar ar”. “Às vezes as crises são tão fortes que é difícil de superar sozinha...”

Não sabia, até há pouco tempo, que havia um nome para o que sentia. Quando soube, ficou mais tranquila — afinal, não era a única que sentia ecoansiedade, essa inquietação ao pensar nas alterações climáticas.

Foto
Bruna Silva, 19 anos DR

A ecoansiedade é uma “reacção adaptativa normal” à crise planetária, começa por enquadrar Pedro Oliveira, psicólogo, psicoterapeuta e mentor do EcoPsi, um grupo de profissionais que trabalham na promoção da saúde mental e bem-estar psicológico no cenário de crise climática. “É uma reacção a notícias e informação sobre a crise planetária que gera determinados pensamentos e tem também uma componente traumática”, continua.

Não é, contudo, “um diagnóstico clínico ou psiquiátrico” — o que não significa que “o sofrimento que lhe está associado” deva ser menosprezado. A comunidade de psicólogos que se debruça sobre este tema não quer que a atribuição do termo como diagnóstico contribua para “a desculpabilização social daquilo que se está a passar”. É como se dissessem que “vai tudo correr mais ou menos, que havemos de encontrar uma solução e que há um grupo de pessoas com este diagnóstico que estão a sofrer mais”. “Estigmatizamos essas pessoas e isso vai na direcção contrária do envolvimento social, que é o que queremos das pessoas”, sintetiza o psicólogo.

Foto
Leonor Mineiro, 18 anos DR

Para Leonor Mineiro, a “falta de acção individual e colectiva” era um dos gatilhos que, aos 14 anos, já a fazia sentir “ansiedade e frustração”. Via problemas que “podiam ser resolvidos” e perguntava-se: “Mas por que não estão a ser?” A falta de respostas levava a que desviasse a atenção da escola para questões ambientais e como as poderia solucionar. Agora, com 18 anos, a activista da Greve Climática Estudantil e da Climáximo considera ser “bastante calma”. Mas teve de desenvolver estratégias para lá chegar.

A luta climática é “aparentemente inconsequente, apesar de haver pequenas conquistas”, refere Pedro Pinho. “Isto é um problema sistémico, não são as acções individuais que vão alterar o statu quo. Não há nada que eu possa fazer. E este sentimento de incapacidade, de falta de controlo, falta de consequência, é absolutamente sufocante. Estamos presos”, desabafa.

Pedro faz as contas: à partida, a maior parte das pessoas com a sua idade deverá chegar a 2050 (ano que os cientistas dão como prazo para alcançar a neutralidade carbónica antes de o planeta entrar em colapso) vivas. “Como é que eu estou confortável relativamente ao meu futuro sabendo que o mundo para o qual estamos a caminhar é pior do que o que vivemos hoje? E os indicadores de hoje já não são bons. Há quase um instinto de sobrevivência e preocupação aliado a questões éticas. E um ajuda a desenvolver o outro.”

A ansiedade que sente, descreve, passa também por estar constantemente a pensar: “E o que vem a seguir? E depois?”. É viver “com uma frustração contínua, sempre num estado de hiperalerta.” A necessidade de consumo de informação sobre o tema também aguça. E, em conversas, está sempre à procura de “uma forma de conseguir passar um determinado tipo de informação, preocupações, sempre à procura de uma consequência”.

Pedro Oliveira explica que um denominador comum na componente traumática é o sentimento de impotência, o tal pensamento de não saber o que fazer, não saber reverter a situação. Pode atingir uma “componente mais depressiva”, através de pensamentos tais como: “Porque vou para a faculdade? Estudar? Porque vou pensar nisto tudo, se não há futuro para o planeta?” e, em alguns casos, levar a pessoa “a fazer mal a si própria ou a atentar contra a própria vida”.

Esta é “a polaridade” da ecoansiedade: “Por um lado, não queremos que seja um diagnóstico psiquiátrico porque isso coloca a luta política, que todos temos que fazer, para trás; mas não quer dizer que o sofrimento associado a ela não seja real e não tenha de ser levado a sério. Porque tem.”

Para Leonor, o gatilho que a fazia ficar perturbada eram “pessoas desinformadas”. Não por haver pessoas que desconheciam a crise climática, mas porque se questionava porque não se falava disto na escola “se é tão urgente”. “Ficava stressada com o próprio sistema, que não nos ensina e não coloca isto como uma prioridade”, atira.

Para Bruna, a ansiedade podia aparecer “do nada” ou era desencadeada pelo facto de os pais, com quem vive, “não serem grandes seguidores das questões das alterações climáticas”: “Certas atitudes em casa, como a questão do gasto excessivo de água, acabavam por me deixar nervosa. Estes pensamentos levam a outros e cria-se uma enorme bola de neve.”

Tirar a tónica do problema

Neste momento, os grupos com níveis de ansiedade mais altos são “os jovens, porque vão ficar mais tempo no planeta”, os activistas e os cientistas climáticos, afirma Pedro Oliveira. Os “pais que estão mais sensibilizados para a causa climática, menos em apatia e negação, que vêem que o futuro dos filhos não é como o que eles tiveram” constituem uma segunda fatia. São grupos que “estão constantemente a ser expostos” a informação relacionada com a crise planetária.

Por isso, Pedro Pinho sentiu necessidade de “desligar um bocadinho” — não da luta, mas desta procura constante de consequências e resultados. “Se este meu problema não tem uma solução concreta, se eu directamente não vou conseguir resolvê-lo, tenho que, de alguma forma, desconstruir esta ideia e procurar não fazer deste o foco da minha atenção”, refere. É também acompanhado por um psicólogo, que o ajuda a perceber quais são os gatilhos que o fazem sentir ansiedade e como os trabalhar, como “tirar a tónica do problema”.

Foto
Manuel Roberto

A procura de ajuda especializada é um dos conselhos do psicoterapeuta Pedro Oliveira para quem sofre de ecoansiedade. Mas, salvaguarda, é importante perceber qual a posição do psicólogo em relação à crise climática. Depois, é importante perceber que “a união faz a força”. Por isso, “se a pessoa está isolada e não tem contacto com nenhum grupo com algum tipo de acção ambiental”, pode ser útil juntar-se a um: “Isso torna a ansiedade gerível.”

Para Bruna, que entrou este ano para a Greve Climática Estudantil e tenciona especializar-se em Direito Ambiental, esta estratégia funcionou. Das duas, uma: ou tenta distrair-se e esquecer a crise climática, ou reflecte sobre o que está a ser feito, o que pode melhorar, alternativas para implementar dentro de casa. Já Leonor considera que entrar em grupos de activismo a fez sentir “realizada, que estava a agir em relação ao problema”. “O facto de criar ligações e relações tão fortes com pessoas que têm as mesmas preocupações que eu, faz parecer que o problema está menos por resolver.

Mas, atenção: o grupo dos activistas é um dos que sofre de taxas de ecoansiedade mais altas e, muitas vezes, pode “conduzir ao burnout”, avisa o psicoterapeuta. Pedro Pinho vive-o na primeira pessoa. “É preciso estar entre o ligado e o um bocadinho menos ligado. Perceber que a luta tem de ser solidária, temos de ser empáticos uns com os outros, que não podemos ser só nós a fazer coisas e temos de ir dando a vez.”

Por último, Pedro Oliveira aconselha a cultivar “conexão com a natureza”, através da meditação, por exemplo, ou tentar “trabalhar artisticamente sobre este tipo de temas”. A meditação já faz parte da rotina de Leonor, que acrescenta uma estratégia: dedica uns minutos do seu dia para pensar sobre o tema e depois parte para outras actividades de cabeça limpa.

Leonor, Bruna e Pedro foram desenvolvendo as suas próprias estratégias e estão a aprender a lidar com a ecoansidade. Contudo, não têm dúvidas de qual seria o remédio santo. “Mais acção do Governo e a crise climática como uma matéria implementada nas escolas”, refere a primeira. “Ouvir mais pessoas a falar sobre o tema e contar com ajuda por parte das juntas de freguesia e câmaras municipais”, defende Bruna. “Mudança de sistema”, atira Pedro. “Se virmos um carro a vir contra nós, não saímos da estrada? Neste momento, estamos a ver um camião gigante mesmo perto de nós e as pessoas estão todas a discutir se ele vai ou não parar.”