A Maçonaria e os novos Cabrais
Só os fracos e os covardes perseguiram a Maçonaria durante a História, alegando sempre perigos inventados para destruir o direito a uma opção filosófica de vida.
Nas vésperas da decisão parlamentar agendada para o próximo dia 25, relativamente à questão da pertença, ou não, de deputados representantes dos diversos partidos a designadas “associações discretas”, importa ressalvar alguns factos e circunstâncias de grande relevo para o debate, para mais num ano em que a Maçonaria regular celebra 30 anos de actividade em Portugal.
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Nas vésperas da decisão parlamentar agendada para o próximo dia 25, relativamente à questão da pertença, ou não, de deputados representantes dos diversos partidos a designadas “associações discretas”, importa ressalvar alguns factos e circunstâncias de grande relevo para o debate, para mais num ano em que a Maçonaria regular celebra 30 anos de actividade em Portugal.
Em primeiro lugar, salientar que a Maçonaria é uma organização singular que se assume pelo seu passado, e por tudo o que representa como uma das maiores organizações democráticas a nível mundial. Os maçons são respeitadores das leis do Estado, defensores da liberdade e promotores da fraternidade. Os princípios da Maçonaria são a liberdade dos indivíduos (instituições, raças, nações), a igualdade de direitos e obrigações dos Homens, a fraternidade entre todos os Homens e entre todas as nações. A Maçonaria respeita as opiniões políticas e crenças religiosas de todos, reconhecendo que todas as religiões e ideais políticos são igualmente respeitáveis.
A Maçonaria age assim constantemente no estrito cumprimento e respeito da Lei: “Os Maçons cultivam nas suas Lojas o amor à Pátria, a submissão às leis e o respeito pelas autoridades constituídas. Consideram o trabalho como o dever primordial do ser humano e honram-no sob todas as formas (10.ª Regra fundamental da Maçonaria Regular).”
Mais ainda, a Maçonaria é, e sempre foi, um dos maiores inimigos de qualquer forma de ditadura. Os ditadores apregoam caminhos únicos de uma só verdade, a sua verdade ou a verdade que lhes convém. Bem sabemos que não há nada pior, para um ditador, do que uma organização que consegue abrigar – em paz e no seu seio – pessoas das mais variadas convicções e tendências. Daí, talvez, a razão para as perseguições que fatalmente a Maçonaria sofreu, sempre que um ditador alcançou o poder.
Ao longo dos tempos existiram múltiplos relatos de perseguições, de processos da inquisição, de ataques do poder régio instituído por norma absolutista, de processos de ilegalização, de processos que pretenderam – de forma mais ou menos mitigada, e por vezes a coberto de pretensas leis de transparência ou de outras “criações e invenções” – obrigar os maçons a identificarem-se enquanto tal, independentemente da sua vontade individual e conduzindo até a processos mais ou menos inquisitoriais, de ilegalização, de tentativa de infiltração e/ou de pressão social e de intimidação.
José Cabral, deputado em 1935, antigo nacional-sindicalista, director-geral dos serviços prisionais, tornou-se um dos nomes mais conhecidos da História portuguesa. Não porque tivesse qualquer importância como político, mas porque serviu de veículo à ditadura de Salazar para levar à Assembleia Nacional um dos mais infames projectos-lei da nossa História, conforme foi adjectivado por um dos grandes poetas portugueses: o Projecto-Lei n.º 2 sobre “Associações Secretas”, que tinha como objectivo a identificação dos maçons e a ilegalização da maçonaria.
José Cabral afirmou à data: “Eu sei de Estados que a não toleram. Estados de características idênticas ao nosso: Estados fortes, autoritários, norteados apenas pela noção firme do bem comum e, assim, sei que a Maçonaria foi exterminada pelo Estado fascista que a declarou incompatível com a sua própria existência. Nós temos uma doutrina e somos uma força, disse Salazar, e das mesmas fronteiras, com a doutrina e com a força da Maçonaria.”
Na altura, Fernando Pessoa teve oportunidade de explicar a José Cabral – e a todos os anti-maçons – o que pensava do tema: “Não sou maçon, nem pertenço a qualquer Ordem semelhante ou diferente. Não sou, porém, anti-maçon, pois o que sei do assunto me leva a ter uma ideia absolutamente favorável da Ordem Maçónica.”
Fernando Pessoa, nessa publicação, afirma que uma tal proposta de lei só podia ser apresentada por alguém – José Cabral – que manifestava um total desconhecimento do que é a Maçonaria. E o mesmo libelo de ignorância deixa aos que habitualmente se assumem como anti-maçons, contra algo que desconhecem e não terão capacidade para entender.
Os maçons sempre defenderam a liberdade e por isso lutaram contra a escravatura, contra a pena de morte, defenderam a democracia, defenderam o ser humano e estiveram também na origem da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Estiveram sempre, como hoje sucede enfrentando a pandemia da covid-19, na linha da frente. Usando a fraternidade e a caridade como as suas maiores armas.
Por estes valores, a Maçonaria foi perseguida e encarcerada pelos déspotas e pelos tiranos. Por Salazar, Franco, Mussolini e particularmente por Hitler, o qual assassinou, estima-se, mais de 200.000 maçons.
As nações evoluídas do mundo aceitam e orgulham-se de a Maçonaria estar presente nos seus Países. Sabem que a Fraternidade é o seu valor maior e é inalienável. E que a prática da Maçonaria jamais interfere com política e religião, mesmo tendo ao longo do tempo sido perseguida por ambos.
Só os fracos e os covardes perseguiram a Maçonaria durante a História, alegando sempre perigos inventados para destruir o direito a uma opção filosófica de vida. Um homem pode ter um partido, um clube de futebol, uma tendência sexual e jamais ser incomodado por isso. Mas não pode ser maçon sem lhe ser exigido que se apresente publicamente nessa condição, como se se tratasse de um marginal ou de um portador de uma doença contagiosa.
Importante também é entender-se que a Maçonaria tem regularmente lançadas sobre si insinuações e acusações, mais ou menos explícitas, consoante os casos. Por vezes até, como muito recentemente sucedeu, esses ataques têm como origem personalidades cujas funções e cargos exigiriam atitudes públicas mais responsáveis e não atentatórias da honra e da dignidade alheias. Sempre disse e repito: qualquer alegação de um acto ilícito deve ser investigada por parte das autoridades competentes. Mas devem igualmente ser sancionadas quer a calúnia sem provas, quer as ofensas sem razão. Mais ainda quando afectam a reputação de toda uma instituição.
O que diriam e como se sentiriam os representantes e altos dignitários deste nosso País chamado Portugal se permitissem que novos “Josés Cabrais” renascessem, atentando contra os valores fundamentais e envergonhando esta grande Nação aos maçons e grandes figuras da nossa História como Alexandre Herculano, Adelino da Palma Carlos, Alfredo Keil, Almeida Garrett, Antero de Quental, Almeida Santos, António Augusto de Aguiar, António Granjo, António Feliciano de Castilho, Bernardino Machado, D. Pedro IV, Fontes Pereira de Melo, Jaime Cortesão, Heliodoro Salgado, Fernando Valle, Bissaya Barreto, Fernando Teixeira, Raul Rego, Francisco de Almeida Grandella, Igrejas Caeiro, Raul Solnado, Machado dos Santos, Camilo Pessanha, Gago Coutinho, Cassiano Branco, Emídio Guerreiro, Branquinho da Fonseca, Rodrigues Sampaio, Lagoa Henriques, Lima de Freitas, Leonardo Coimbra, Aquilino Ribeiro, Vitorino Nemésio, Barbosa do Bocage, Vianna da Mota, José Fontana, Ferreira Borges, e tantos outros?
Segundo Tolentino de Mendonça, o Papa Francisco considera “insustentável” viver em sociedades livres e igualitárias, se não se aceitar “viver em sociedades fraternas”. “Um mundo onde o sonho de liberdade e de igualdade é feito em pedaços. Um mundo onde nos sentimos a voltar para trás, onde alguns fantasmas, algumas ameaças à liberdade, à dignidade da pessoa humana, ao reconhecimento da igualdade fundamental, coisas que julgávamos adquiridas nas nossas sociedades, voltam hoje a ser postas em questão”, advertiu.
Apelamos às entidades que regem a nossa Nação ao bom senso, à defesa dos direitos e dos princípios estabelecidos pela Constituição Portuguesa, e ao entendimento da profundidade das consequências éticas e morais da aprovação de uma Lei que obrigue um homem livre, para exercer uma função para a qual foi eleito, a ter de confessar obrigatoriamente as convicções filosóficas e espirituais que regem os princípios da sua vida.
Aos “Cabrais” dos dias de hoje, nós maçons deixamos uma palavra de esperança: a de que no seu caminho sejam bafejados pela Sabedoria e alcancem a Luz.