A UE está a exportar vacinas para países que também produzem e não as enviam para a Europa?

Ursula von der Leyen queixou-se esta semana que a Europa está a “exportar vacinas para países que estão a produzir e não enviam nada”

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Reuters/POOL

A frase

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A frase

“Eu não consigo explicar aos cidadãos europeus porque estamos a exportar vacinas para países que estão a produzir e não enviam nada”.

Ursula von der Leyen, 18 de Março de 2021

O contexto

A presidente da Comissão Europeia usou este argumento durante uma entrevista concedida a 14 jornais diários europeus, entre os quais o PÚBLICO, para justificar o seu “convite à transparência e abertura” no comércio internacional de vacinas, que segundo criticou, está actualmente muito desequilibrado, uma vez que nesse fluxo há uma região, que é a União Europeia, que está a enviar muito mais doses do que aquelas que está a receber.

Ursula von der Leyen quer corrigir esse desequilíbrio e “aumentar e estabilizar as entregas de vacinas”. Para tal, apontou a hipótese de a UE começar a restringir ou a suspender as suas exportações para os países produtores de vacinas que não respeitam os princípios da reciprocidade e proporcionalidade, dificultando ou mesmo impedindo a saída das doses que são fabricadas nos seus territórios — e cuja distribuição poderia ajudar a resolver os actuais problemas de abastecimento sentidos na UE, e que estão por detrás dos atrasos no desenvolvimento das campanhas de vacinação nos 27.

Os factos

A União Europeia estabeleceu um mecanismo de transparência para a exportação de vacinas contra a covid-19, que obriga todas as empresas farmacêuticas a obter uma autorização para o envio de doses para fora do território comunitário. Antes de efectuarem qualquer remessa, as companhias têm de dar informações sobre o número de doses e o destino final do envio: o mecanismo prevê que a autorização possa ser negada se houver uma falha no abastecimento do mercado interno, isto é, se o produtor que pretende exportar vacinas não estiver a cumprir as entregas previstas no contrato de aquisição prévia assinado com a Comissão Europeia.

Esse mecanismo entrou em vigor a 1 de Fevereiro, e desde então foram concedidas 314 autorizações de exportação e rejeitado um pedido relativo ao envio de 250 mil doses de vacinas produzidas pela AstraZeneca em Itália e destinadas à Austrália. De acordo com a Comissão Europeia, foram exportadas 41,5 milhões de doses a partir da UE para os seguintes 33 países: África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Bahrain, Brasil, Canadá, Chile, China, Colômbia, Coreia do Sul, Costa Rica, Emirados Árabes Unidos, Equador, Estados Unidos da América, Filipinas, Hong Kong, Índia, Japão, Kuwait, Macau, Malásia, México, Nova Zelândia, Omã, Panamá, Peru, Qatar, Reino Unido, República Dominicana, Singapura, Turquia e Uruguai.

A maioria desses países não tem capacidade de produção de vacinas. O Chile, por exemplo, que figura no topo da lista dos países com a taxa de vacinação mais elevada, não fabrica uma única dose de vacinas, e por isso não está em posição de “reciprocar”. Outros produzem vacinas, mas não aquelas que já foram aprovadas pela Agência Europeia de Medicamentos — é o caso da Coreia do Sul, que Ursula von der Leyen nomeou na sua entrevista ao PÚBLICO, que está a fabricar a russa Sputnik V.

Mas na lista há outros países que estão a beneficiar da produção europeia e estão simultaneamente a fabricar doses para a AstraZeneca, Pfizer/BioNTech ou Moderna. Os Estados Unidos, por exemplo, que impuseram uma restrição total às exportações de vacinas (embora estejam a permitir o comércio de matérias primas e outras substâncias e componentes utilizadas no fabrico de vacinas).

A relação comercial mais desequilibrada é com o Reino Unido, que já recebeu dez milhões de doses e é, para já, o principal destino de vacinas feitas na UE. Como a presidente da Comissão referiu na mesma entrevista, no contrato que a Comissão assinou com a AstraZeneca, estão identificadas várias unidades para a produção das vacinas, e duas delas localizam-se no Reino Unido. Só que até agora, a empresa — que prevê entregar apenas 30% da quantidade de doses prevista para o primeiro trimestre — , não usou a capacidade das unidades britânicas para abastecer o mercado europeu, apesar de o reverso estar a acontecer, e estar a enviar vacinas fabricadas na UE para administração no Reino Unido. O Governo de Londres nega que esteja a restringir as exportações de vacinas, mas recusa-se a divulgar o número de doses que já foram enviadas para a UE.

O PÚBLICO pediu à Comissão Europeia para confirmar a quantidade de vacinas que já foram importadas para a UE e a partir de que países, mas essa informação não está disponível. O mecanismo de transparência das exportações de vacinas contra a covid-19 que a UE tem em funcionamento não existe em mais nenhum lado, e por isso só as empresas farmacêuticas podem informar para onde estar a enviar as doses que saem das suas múltiplas unidades distribuídas pelo mundo.

Como explicou ao PÚBLICO fonte do executivo comunitário, uma vez que não existe um mecanismo de exportação de vacinas similar ao europeu, as informação que as autoridades aduaneiras recebem apenas diz respeito ao valor e ao volume de uma determinada remessa. Isto é, a Comissão não tem maneira de saber “quais são as quantidades, em número de doses” das vacinas que estão a chegar de países terceiros.

Uma outra dificuldade tem a ver com o facto de nas importações para a UE poderem estar a ser “contabilizadas” como vacinas componentes que são utilizados na sua produção mas não são ainda produtos acabados — a cadeia de abastecimento da AstraZeneca e da Pfizer envolve fornecedores dispersos em pelo menos 15 países (um deles é o Instituto Serológico da Índia, que é o maior produtor mundial de vacinas).

Em resumo

Com base na informação disponível, a afirmação da presidente da Comissão Europeia é correcta: a União Europeia está a exportar uma quantidade de doses para países que estão a produzir vacinas, e não está a beneficiar de um fluxo no sentido inverso. Os Estado membros não estão a receber vacinas produzidas fora do território da UE pelas empresas farmacêuticas que compõem o seu portfólio de fornecedores.