Uigures que fogem à repressão na China não conseguem voltar a ver os filhos
Para evitarem o internamento forçado em campos de “reeducação”, muitos uigures fugiram de Xinjiang nos últimos anos. Quem deixou os filhos com familiares perdeu totalmente o contacto, diz a Amnistia Internacional.
Quando a mulher de Omer Faruh lhe telefonou a dizer que a polícia chinesa na cidade deles em Xinjiang estava a pedir os passaportes aos habitantes, o livreiro soube imediatamente que a sua família tinha de abandonar o país. Disse à mulher, Meryem, para não entregar os passaportes e comprou bilhetes de avião para ela e para os dois filhos mais velhos para virem ter com ele à Arábia Saudita, onde se encontrava na altura, para depois partirem para Istambul. As duas filhas mais novas, com cinco e seis anos, ainda não tinham documentação que lhes permitisse viajar, portanto decidiram deixá-las ao cuidado dos pais de Meryem, em Korla, na região central de Xinjiang.
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Quando a mulher de Omer Faruh lhe telefonou a dizer que a polícia chinesa na cidade deles em Xinjiang estava a pedir os passaportes aos habitantes, o livreiro soube imediatamente que a sua família tinha de abandonar o país. Disse à mulher, Meryem, para não entregar os passaportes e comprou bilhetes de avião para ela e para os dois filhos mais velhos para virem ter com ele à Arábia Saudita, onde se encontrava na altura, para depois partirem para Istambul. As duas filhas mais novas, com cinco e seis anos, ainda não tinham documentação que lhes permitisse viajar, portanto decidiram deixá-las ao cuidado dos pais de Meryem, em Korla, na região central de Xinjiang.
Tudo isto se passou em Novembro de 2016 e desde então Omer e Meryem nunca mais souberam das suas filhas mais novas. “Sou uma de milhares de pessoas uigures cuja família foi destruída”, diz Omer no relatório da Amnistia Internacional publicado esta sexta-feira que documenta vários casos de separação de famílias em Xinjiang, uma região onde o Estado chinês tem posto em prática uma política altamente repressora da comunidade uigur, descrita por alguns observadores como um genocídio em curso.
A Amnistia entrevistou seis famílias uigures que fugiram de Xinjiang antes da intensificação da repressão contra a minoria muçulmana a partir de 2017. Desde então, estima-se que pelo menos um milhão de uigures tenham sido internados em “campos de reeducação”, onde são forçados a trabalhar, perdem o contacto com as suas famílias, são impedidos de rezar e são sujeitos a uma assimilação cultural forçada.
Há também relatos de abusos sexuais e agressões cometidos contra esta comunidade e casos de esterilizações forçadas. Ao mesmo tempo, as autoridades chinesas construíram um grande aparato de vigilância urbana na província de 25 milhões de habitantes, transformando Xinjiang numa espécie de laboratório para tecnologias de controlo social.
O Governo chinês nega estar a cometer abusos contra a população uigur e descreve as suas políticas como tendo objectivos benévolos de integração da minoria muçulmana e para prevenir o terrorismo fundamentalista.
“Choramos à noite”
Para muitos dos uigures que fugiram de Xinjiang, essa decisão privou-os quase totalmente do contacto com familiares que permaneceram na China. Depois de ter estado quase um ano sem saber notícias sobre os pais de Meryem, a família soube que tinham sido internados num dos “campos de reeducação”, mas continuam sem saber o paradeiro das duas filhas que estavam ao seu cuidado.
“A minha mulher e eu choramos apenas à noite, para esconder a nossa mágoa dos nossos outros filhos”, diz Omer. Sem poder regressar por medo de represálias, a família apelou à embaixada turca em Pequim para pedir informações às autoridades chinesas informações sobre as filhas, mas nunca obteve resposta.
A Amnistia também conta o caso de Rizwangul, uma mulher uigur emigrada no Dubai desde 2014 que deixou o filho Muhammed, de três anos, em Xinjiang com os avós que a aconselharam a deixar a criança terminar os estudos na China. Rizwangul costumava passar férias na sua cidade natal, mas em 2017, quando se preparava para o voltar a fazer, amigos e familiares aconselharam-na a não viajar.
A irmã disse-lhe, alguns meses depois, que Muhammed estava a viver na escola, e Rizwangul percebeu que o filho tinha sido internado num campo de “reeducação”. A última vez que falou com ela foi há mais de três anos, apenas para a irmã lhe dizer para não voltar a ligar por ser inseguro.
“Imaginem que não conseguem falar com a vossa família, que não sabem se os vossos filhos, os vossos pais ou familiares estão vivos ou não durante anos. Imaginem que não são apenas vocês, mas milhões de pessoas separadas dos seus familiares”, disse Rizwangul.
A Amnistia diz que os quatro casos que apresenta no relatório “apenas desvendam a superfície da escala do sofrimento suportado pelas famílias uigures separadas das suas crianças”. “Os uigures no estrangeiro hesitam frequentemente em falar publicamente sobre as violações de direitos humanos contra si e as suas famílias por receio de retaliação contra os seus familiares na China”, explica o investigador da Amnistia Internacional na China, Alkan Akad.
A organização não-governamental deixa apelos ao Governo chinês para que permita o acesso sem restrições de equipas de investigação das Nações Unidas, investigadores independentes e jornalistas, a Xinjiang para apurar potenciais violações de direitos humanos contra os uigures.