Como contar a um filho a pior coisa que já se fez?
Todos os pais têm coisas na sua vida de que não se orgulham, coisas que esperam nunca ter de contar aos filhos. Pode ser difícil ser honesto acerca dos erros que cometemos no passado, não só por vergonha, mas também porque queremos proteger a inocência das nossas crianças.
O meu filho Finn soube da Laura cedo. As nossas fotografias estavam espalhadas pela casa, e falávamos sobre ela frequentemente. Ele sabia que tivéramos um acidente de viação e que a Laura morrera. Ele sabia que a Laura tinha sido minha namorada na faculdade e que eu conhecera a mãe dele depois da morte da minha namorada. Ele conhecia o pai da Laura, e sabia que ele era uma parte muito especial das nossas vidas.
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O meu filho Finn soube da Laura cedo. As nossas fotografias estavam espalhadas pela casa, e falávamos sobre ela frequentemente. Ele sabia que tivéramos um acidente de viação e que a Laura morrera. Ele sabia que a Laura tinha sido minha namorada na faculdade e que eu conhecera a mãe dele depois da morte da minha namorada. Ele conhecia o pai da Laura, e sabia que ele era uma parte muito especial das nossas vidas.
O que ele não sabia era que o acidente tinha acontecido por minha culpa, que aconteceu porque infringi a lei, e que fui preso por isso.
Todos os pais têm coisas na sua vida de que não se orgulham, coisas que esperam nunca ter de contar aos filhos. Pode ser difícil ser honesto acerca dos erros que cometemos no passado, não só por vergonha, mas também porque queremos proteger a inocência das nossas crianças. As coisas que fiz — conduzir depois de beber, causar a morte da Laura, ir para a prisão — não são como um mau disfarce de Halloween ou uma foto embaraçosa da faculdade. Preocupou-me dizer-lhe pois isso poderia destruir a imagem que tinha de mim e forçá-lo a crescer muito mais depressa do que eu estava preparado.
Quando era mais novo, Finn perguntou-me o que era o meu trabalho. Disse-lhe que ajudava as pessoas que saíam da prisão a reconstruírem e recomeçarem as suas vidas.
“Mas a prisão não é para os homens maus?”, perguntou-me. Na altura, ele era obcecado por super-heróis e vilões, e tinha a sensação de que o mundo estava dividido entre os bons e os maus. Eu disse-lhe que as pessoas não são todas boas ou todas más, e que o meu trabalho era ajudar as que se colocavam do lado dos maus a voltarem para o lado dos bons. É verdade que sei que, longe de estarem cheias de vilões, as nossas prisões estão apinhadas de muitas pessoas que não deveriam lá estar. Mas aquela pareceu-me ser a melhor forma de explicar o meu trabalho. Todos podem mudar a sua vida, expliquei, e queria ajudá-los a fazê-lo porque um mundo onde as pessoas têm segundas oportunidades era um mundo melhor para ele crescer.
No dia a seguir, vi-o a brincar com os seus super-heróis, e o Batman meteu o Joker na cadeia. Mas, uns minutos mais tarde, o Batman deixou o Joker sair e convidou-o a juntar-se aos bons.
Como pais, há uma profunda satisfação em ver os nossos filhos a agir com a sabedoria que tentamos transmitir, e este foi um dos momentos mais orgulhosos da minha experiência parental. Mas, apesar de ele ter compreendido que as pessoas deviam ser perdoadas, eu ainda tinha medo de lhe contar toda a história do acidente.
À medida que ele continuou a crescer, eu continuei a não querer que ele me visse de forma diferente se eu lhe contasse. Pensava nisso o tempo inteiro. Adorava a forma infantil como ele me olhava, como o pai que não podia fazer mal. Não queria privá-lo da imagem que tinha de mim. E também não queria privar-me dela. Podia imaginar o olhar desapontado ao descobrir que o pai era um dos “maus”.
Mas o trauma e a dor de perder a Laura tinham-me ensinado a ser vulnerável e franco com as pessoas que amava. Queria mostrar-lhe o significado da franqueza, e queria que ele soubesse que confiava nele o suficiente para partilhar consigo a minha dor. Quando ele tinha sete anos, pensei que era altura de ser honesto com ele.
Sentei-me ao seu lado na cama. Tivemos sempre as nossas melhores conversas quando eu o aconchegava. Eu tremia tanto quanto na leitura da minha sentença pelo juiz há uma década.
“Olá, amigo. Preciso de te contar uma coisa.” Ele podia perceber pela minha voz que aquilo que eu ia dizer era importante, e ficou calado e atento, olhando-me com os olhos bem abertos e curioso. “Sabes que a Laura morreu num acidente de carro e que eu também lá estava?” Ele assentiu com a cabeça. “Eu estava de facto a conduzir embriagado. A culpa foi minha. Infringi a lei, e fui para a prisão por isso.”
No início, ficou chocado. Depois, confuso. Ele sabia que beber e conduzir não era um comportamento seguro, e sabia que era contra a lei. Mas ele não compreendia como beber e conduzir poderia significar ser responsável pela morte de alguém num acidente de viação. Ele não queria que a culpa fosse minha.
“Mas foi um acidente”, argumentou.
“Isso é verdade. Mas, por vezes, quando fazemos uma má escolha e ela tem um mau resultado, temos de assumir a responsabilidade pelas consequências.”
Disse-lhe que não havia nada no mundo como o amor que um pai tem por um filho. Eu tinha tirado a coisa mais importante do mundo à família da Laura, e foi por isso que o perdão que recebi dos seus pais foi tão incrível.
“Na televisão dizem que a comida na prisão é má. É verdade?”
“Yep. Não é lá muito boa.”
“Lamento o que te aconteceu, papá”, disse, aninhando a cabeça no meu colo, enquanto eu lhe passava os dedos pelo cabelo. “Sei que tens saudades da Laura”, continuou. “Ficas triste quando falamos sobre ela.”
“Tenho saudades dela. Tenho muitas saudades dela.”
Ele perguntou-me se eu desejava que ela ainda estivesse viva, e eu disse-lhe que sim.
“Mas não nos terias ou terias conhecido a mamã se ela ainda fosse viva.” Ele queria que eu escolhesse entre a vida que tenho com ele e a vida que teria tido com a Laura. “Eu nem teria nascido se ela fosse viva.”
“Não é assim que a vida funciona, companheiro. Se houvesse algum mundo mágico onde eu pudesse trazer a Laura de volta, também te teria nesse mundo. Mas, no mundo real, não conseguimos mudar o passado. Eu fiz uma má escolha, e ainda dói. Muito. Quem me dera poder mudar o passado, mas não posso. E também é verdade que nunca trocaria a vida que tenho contigo, com a mamã e com as tuas irmãs por nada no mundo.”
Enquanto o Finn fechava os olhos, senti-me muito mais próximo dele. Preocupava-me que, depois de lhe contar, ele olhasse para mim de forma diferente, mas aprendi que os nossos filhos não nos amam porque somos perfeitos.
Tal como nós os amamos, eles amam-nos porque nós somos deles. E porque fui honesto com ele, à medida que ele foi crescendo, sempre foi honesto comigo, e saberá sempre que, independentemente dos erros que ele venha a cometer, tem um pai que compreende que todos podem ser perdoados.