Combater o racismo em casa: como ligar as nossas crianças à herança chinesa?

Os crimes de ódio contra asiáticos estão na ordem do dia nos EUA, depois de seis mulheres de ascendência asiática terem sido assassinadas por um atirador em Atlanta. A comunidade ásio-americana teme pela sua segurança, mas a resposta pode estar na forma como se estima a herança cultural em família.

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A família da autora Kristen Chase

Há dias, acordei preocupada com a minha mãe. A última vez que senti este medo foi quando ela foi operada ao coração, numa cirurgia de peito aberto. Agora, com o aumento da violência contra asiáticos, particularmente os idosos, estou outra vez preocupada. Mas, desta vez pela sua segurança.

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Há dias, acordei preocupada com a minha mãe. A última vez que senti este medo foi quando ela foi operada ao coração, numa cirurgia de peito aberto. Agora, com o aumento da violência contra asiáticos, particularmente os idosos, estou outra vez preocupada. Mas, desta vez pela sua segurança.

Este ano não é a primeira vez que a minha mãe sofre discriminação como ásio-americana​. Tendo crescido num clima antijaponês, do pós Segunda Guerra Mundial, ela aprendeu rapidamente a esconder a sua identidade asiática, falando apenas inglês depois de ter começado o jardim-de-infância em Washington D.C. e mergulhando na cultura americana, deixando-a com poucos conhecimentos sobre a sua rica história familiar.

Crescendo birracial, embora passando por uma rapariga branca aos olhos da maioria das pessoas, era completamente versada na ascendência alemã do meu pai, com apenas uma compreensão superficial da minha herança chinesa, conseguida através de breves e pouco frequentes visitas de familiares e dos poucos álbuns de fotografias que tínhamos espalhados pela casa. “O teu bisavô foi a primeira pessoa chinesa nascida nos EUA em Washington D.C.”, contava-me a minha mãe, admirando a sua imagem na capa do Washingtonian que estava pendurada na nossa parede.

Isso não significava que eu não estivesse exposta à minha quota-parte de estereótipos quando revelava que a minha mãe era chinesa. Mas, como adolescente no final dos anos 90, frases como “não admira que sejas tão boa no violino!” e “faz sentido teres saltado dois níveis”, juntamente com o fascínio pela minha aparência, não me pareciam depreciativas.

Mas agora, que estou nos meus quarentas, com o desejo de me ligar ao meu passado, tenho pesquisado os meus antepassados e explorado mais sobre o que significa ser um ásio-americano​. Ao fazer isso, tornei-me intimamente ligada aos desafios que enfrentamos como uma classe estrangeira a viver neste país.

Ao criar as minhas próprias crianças multirraciais para compreenderem a sua cultura numa cultura cada vez mais ásio-fóbica — ainda mais importante porque passam por um bando de crianças brancas, o que pode ser visto como um “privilégio” — é imperativo que lutemos contra a perpetuação dos estereótipos asiáticos e ajudemos as nossas crianças a tomar uma posição contra a violência.

Para mim, isso passa por falar aos meus filhos sobre o seu tetravô Gong Moy, que veio para este país há mais de um século, em 1879, e se estabeleceu em Washington, D.C., com a sua mulher e 12 filhos, um dos quais era o seu trisavô, que, como soube recentemente, foi oficialmente o segundo chinês nascido nos Estados Unidos, em Washington, D.C.

Depois, há os encontros com os bisavós, no Norte de Jersey, depois de muitos anos a viver longe deles, e o ouvir as suas histórias, como a de como o meu avô voltou para a China para casar com a irmã mais velha da minha avó, mas em vez disso acabou eescolher a minha avó. Essa é uma história que eu nunca tinha ouvido até há pouco tempo.

Educá-los envolve comer as poucas receitas familiares chinesas que a minha mãe fez quando eu era criança, incluindo os seus rolos de ovos cantoneses, camarão com molho de lagosta e bife de pimenta, pratos que finalmente aprendi a preparar durante o ano passado e que os meus filhos agora adoram tanto como eu.

E honramos as celebrações culturais, como o Ano Novo Lunar, que permite uma exploração das profundas tradições que não vivia desde criança, visitando os meus bisavós. Ainda hoje me lembro de como estava entusiasmada por abrir o pequeno envelope vermelho cheio de dinheiro. Com os meus próprios filhos, celebramos com comida, fazendo bolinhos caseiros e cozinhando ao vapor o tradicional peixe inteiro.

E, desde que os meus filhos sabem mais sobre a sua herança, mostram precisar de usar as suas vozes para contrariar o ódio que está a ser dirigido aos ásio-americanos. Compreendem a necessidade de falar quando ouvem comentários questionáveis entre amigos, ou quando chamam a atenção para o racismo nas suas publicações nas redes sociais. E estão familiarizados com o risco que isto acarreta, mas mais com a mudança positiva que as suas pequenas vozes podem fazer.

Embora os meus filhos estejam intrinsecamente ligados à cultura asiática através dos seus antepassados, todos nós podemos criar crianças com uma ligação empática a diversos grupos, como os ásio-americanos, que tornam o nosso país, e qualquer outro, tão vibrante.

É importante expor os nossos filhos às poderosas histórias que felizmente são contadas com mais frequência, desde os livros mais vendidos, como Interior Chinatown, até ao filme Minari, nomeado para os Óscares, melhor filme incluído. Liguemo-nos a pessoas nas nossas comunidades com quem normalmente não nos damos. Preparemos cozinhados, alguns com os quais poderemos estar familiarizados e outros que possam ser novos aos nossos paladares. E celebremos os feriados ou dias especiais dos outros, mesmo que isso se limite a reconhecer a importância dos mesmos para essa cultura.

Ao fazer esforços simples, mas sistemáticos, criando estas experiências para os nossos filhos, alimentamos a empatia e começamos a quebrar o ciclo do racismo, para que eles possam crescer num mundo onde a tolerância, e não o ódio, seja o laço que os une.

Espero que, ao fazê-lo, nunca se mantenham acordados com medo, preocupados com a segurança dos seus pais.