Ordem dos Enfermeiros arquiva queixa contra Ana Rita Cavaco
Conselho jurisdicional considera que as publicações de Ana Rita Cavaco na sua página do Facebook se enquadram no âmbito do exercício da liberdade de expressão.
A participação apresentada em Fevereiro por um grupo de 18 enfermeiros contra a bastonária, Ana Rita Cavaco, foi arquivada pelo conselho jurisdicional Ordem dos Enfermeiros. No acórdão, o organismo considera que as várias situações denunciadas se enquadram no âmbito do exercício da liberdade de expressão. A decisão foi aprovada por unanimidade, com 11 votos a favor.
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A participação apresentada em Fevereiro por um grupo de 18 enfermeiros contra a bastonária, Ana Rita Cavaco, foi arquivada pelo conselho jurisdicional Ordem dos Enfermeiros. No acórdão, o organismo considera que as várias situações denunciadas se enquadram no âmbito do exercício da liberdade de expressão. A decisão foi aprovada por unanimidade, com 11 votos a favor.
Em causa estava uma queixa contra a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros na sequência de vários textos publicados na página de Facebook de Ana Rita Cavaco sobre “a conduta alegadamente indevida de alguns cidadãos no que ao plano de vacinação contra a covid-19 diz respeito”, de acordo com o acórdão a que o PÚBLICO teve acesso. Nestas publicações observavam-se "fortes indícios de violação dolosa de diversas normas legais enunciadoras de deveres deontológicos dos enfermeiros”, no entender dos signatários, que consideravam a violação “de tal forma grave e danosa da imagem e reputação públicas da Ordem e da profissão de enfermeiro, que, no entendimento dos signatários, justifica a aplicação da pena disciplinar máxima, isto é, a expulsão”.
O Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros considerou no acórdão que as seis publicações indicadas se dividem em dois grupos distintos.
Uma primeira situação diz respeito a comentários, a 11 de Dezembro, sobre a enfermeira Leila Sales, a quem Ana Rita Cavaco se terá referido como “uma Leila qualquer” e responsabilizado pelo recrutamento de voluntários para “eventual participação na vacinação contra a covid-19, lendo-se ainda na publicação, de acordo com a participação: “[Na Ordem dos Enfermeiros] (...) a cadeia de comando é clarinha como água e terei mão extremamente pesada para invenções ou más intenções. Num processo tão sério e importante não haverá espaços para parvoíces ou voluntarismos de pessoas com outras intenções. Fica o aviso.” Para os signatários, esta publicação representou uma ameaça a outra enfermeira.
Publicação não representa “qualquer infracção"
O conselho jurisdicional considera que “tais considerações não merecem acolhimento”, referindo que Ana Rita Cavaco “tem legitimidade para participar à Ordem dos Enfermeiros factos susceptíveis de constituir infracção disciplinar, sendo que tanto o pode fazer enquanto cidadã ou membro directa ou indirectamente afectadas pelos factos que pretende participar”.
Dessa forma, o acórdão refere que dessa publicação em análise “não se retira a prática de qualquer infracção” de Ana Rita Cavaco, tendo esta apenas alertado a enfermeira “de que poderia vir a exercer aqueles que são os seus direitos (...), não só enquanto cidadã e membro afectada pelos factos que por aquele pudesse vir a ser praticados, mas também como Bastonária e, por inerência, Presidente do Concelho Directivo.”
Os restantes cinco textos apreciados foram enquadrados num segundo grupo. As publicações tiveram como destinatários: a presidente da Câmara de Portimão, Isilda Gomes, que Ana Rita Cavaco comentou na sua página ser “gorda fura filas”; Francisco Rodrigues Araújo, presidente da Assembleia Municipal de Arcos de Valdevez; a ministra da Justiça, Francisca van Dunem; a Directora Regional do Instituto da Segurança Social do Algarve, Margarida Flores, e o Secretário de Estado da Descentralização, Jorge Botelho; e o colunista Daniel Oliveira.
“O discurso de Ana Rita Cavaco, que se apresenta como uma opinião pessoal, subjectiva, suportada pela invocação de factos que apontam para essa mesma opinião, não é um discurso objectivamente difamatório, pelo que nele não pode ser directamente assacada qualquer infracção cometida e consequente responsabilidade disciplinar”, pode ler-se no acórdão.
O conselho jurisdicional começa por referir “que nenhum dos aqui visados é enfermeiro e/ou membro ligado à Ordem dos Enfermeiros”, considerando por isso que não se aplica nesta situação uma alínea do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros que refere que um enfermeiro tem o dever de proceder “com correcção e urbanidade” por considerar que esse dever é para com “os membros desta ordem profissional [dos enfermeiros]”.
No Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, a alínea c) do Artigo 111.º refere que o enfermeiro assume o dever de proceder “com correcção e urbanidade, abstendo-se de qualquer crítica pessoal ou alusão depreciativa a colegas ou a outros profissionais”.
O conselho jurisdicional considera também que as publicações realizadas “no exercício da liberdade de expressão” de Ana Rita Cavaco “vão no sentido do cumprimento” da defesa dos interesses gerais dos enfermeiros. Refere ainda, citando o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que estando em causa “questões do interesse público, ou de interesse alargado e figuras públicas – como é o caso – os limites da crítica admissível têm de ser apreciados de uma forma muito mais lata que aqueles que envolvem a crítica de um cidadão comum, anónimo”.
Contactada pelo PÚBLICO, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros preferiu não fazer qualquer comentário.