UNESCO quer mais explicações sobre pavimentação de caminho em floresta protegida na Madeira
Projecto para pavimentação e requalificação do caminho das Ginjas levanta questões à UNESCO, que pede a revisão do estudo de impacte ambiental.
A UNESCO tem muitas dúvidas sobre a necessidade defendida pelo Governo Regional da Madeira em pavimentar o Caminho das Ginjas, uma estrada florestal, em terra batida, que ao longo de 10 quilómetros serpenteia a floresta Laurissilva, classificada, há 20 anos, como património mundial natural.
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A UNESCO tem muitas dúvidas sobre a necessidade defendida pelo Governo Regional da Madeira em pavimentar o Caminho das Ginjas, uma estrada florestal, em terra batida, que ao longo de 10 quilómetros serpenteia a floresta Laurissilva, classificada, há 20 anos, como património mundial natural.
Após pressão de várias organizações ambientalistas, que estão contra o projecto de pavimentação e requalificação do caminho que liga o sítio das Ginjas, em São Vicente, costa Norte da ilha, ao Paúl da Serra, o planalto central da Madeira, e uma carta enviada pelo eurodeputado dos Verdes, Francisco Guerreiro, à delegação da UNESCO em Lisboa, a organização remeteu o estudo de impacte ambiental (EIA) para análise, na União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
A resposta, da organização independente que fornece pareceres técnicos à UNESCO, chegou esta semana, e traz mais perguntas, do que certezas. Para começar, a UICN não compreende porque o EIA não coloca a hipótese de simplesmente não se avançar para a obra, orçada em cerca de sete milhões de euros. “A UICN considera que a opção de não-projecto deveria ser considerada no EIA”, diz a organização não-governamental no relatório enviado à UNESCO, no qual pede uma “clarificação” e uma “revisão” ao estudo que sustenta o projecto de intervenção do executivo madeirense.
“A UICN considera que a justificação geral da necessidade de pavimentar a estrada, não foi demonstrada nos documentos apreciados, e deve por isso ser clarificada, incluindo os benefícios específicos em termos de protecção e conservação da zona de maior valor ambiental.” Por isso, pede uma revisão do EIA, que tenha em consideração um conjunto de interrogações apontadas no documento. “Só depois, pode ser tomada uma decisão em relação à aprovação do projecto.”
Exemplo dessas dúvidas, são os benefícios do projecto para a conservação da natureza, que a UICN não consegue encontrar no EIA, que, na opinião desta ONG, prefere destacar os efeitos positivos da requalificação da estrada na ligação entre comunidades, no turismo e na capacidade de intervenção dos bombeiros na zona.
“No entanto, a justificação para a necessidade fundamental de pavimentar a estrada, não é referida”, insiste o relatório, que é crítico também na forma como o EIA desvaloriza a biodiversidade daquela zona, e a forma como ela poderá ser afectada, primeiro durante a fase de construção da obra, e depois na sua utilização, com o expectável aumento do tráfego rodoviário e da exploração turística.
A leitura que a UICN faz do EIA coincide com a que um conjunto de nove ONG ambientalista fez do documento, considerando o projecto um atentado ambiental.
“O EIA apresenta ilegalidades, falhas técnicas muito graves, falta de rigor científico e uma tentativa grosseira para ocultar a fiel caracterização do estado actual do ambiente na área do projecto” resumiram as associações ambientalistas, num comunicado partilhado, em que acusaram o estudo de pretender “mascarar um projecto inútil e lesivo para o ambiente”.
Em resposta, o governo madeirense anunciou alterações ao projecto inicial. Em vez de asfalto, a pavimentação da estrada será feita com os tradicionais paralelepípedos em basalto, a largura será mais reduzida; sem docas de estacionamento nas zonas mais sensíveis e o tráfego será controlado, com a implementação de um horário para a circulação automóvel.
Mas, para os ambientalistas, a questão mantém-se. O caminho das Ginjas, aberto na década de 80 do século passado, para servir de ligação alternativa entre o Norte e o Sul da Madeira, deve ser deixado como está. Em terra batida, para que a floresta continue o que tem feito, absorvendo aquele percurso num processo natural de regeneração. É que a estrada, com a abertura de novas ligações, teve sempre pouco uso, e não fossem alguns veículos todo-o-terreno mais aventureiros, os serviços florestais e investigadores envolvidas em trabalhos científicos, já teria caído no esquecimento.
A Laurissilva é uma floresta húmida com características subtropicais. Um resquício do período Terciário, quando, há cerca de 20 milhões de anos, se estendia por uma vasta área no Sul da Europa e no Norte de África. Existe uma pequena mancha florestal de Laurissilva nos Açores, em São Miguel e na Terceira, e nas Canárias, mas é na Madeira que tem a maior dimensão, ocupando cerca de 20% do território da ilha.