Circulação na UE: detentores de certificado ficarão isentos de testes e quarentenas

Comissão avança proposta legislativa para a criação de um sistema interoperacional que facilite a liberdade de movimentos na UE. A bola passa agora para os co-legisladores, que terão de negociar e aprovar o regulamento a tempo de entrar em vigor no Verão.

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Rui Gaudêncio

A Comissão Europeia apresentou, esta quarta-feira, uma aguardada proposta para a criação de um “passe verde digital”, para ser utilizado nas fronteiras e facilitar a liberdade de circulação, ao dispensar o seu portador dos actuais procedimentos de testagem e quarentena obrigatória que são exigidos pelos Estados membros no acesso ao seu território.

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A Comissão Europeia apresentou, esta quarta-feira, uma aguardada proposta para a criação de um “passe verde digital”, para ser utilizado nas fronteiras e facilitar a liberdade de circulação, ao dispensar o seu portador dos actuais procedimentos de testagem e quarentena obrigatória que são exigidos pelos Estados membros no acesso ao seu território.

O documento, que não é um passaporte mas um certificado, atestará o estado de imunização do seu portador, ou por já ter sido vacinado contra a covid-19, ou por ter desenvolvido anticorpos por ter estado infectado com o novo coronavírus.

Para evitar a discriminação dos indivíduos que não estão imunes, os viajantes também poderão requisitar a emissão deste documento — que será disponibilizado pelas autoridades nacionais de forma gratuita, em formato digital ou em papel — como comprovativo da realização de um teste com resultado negativo, sem qualquer distinção entre os testes rápidos antigénio ou os PCR.

Mas em caso nenhum o certificado poderá ser exigido “como pré-condição para o exercício da liberdade de movimentos”, ressalva a Comissão, que na sua proposta escreve preto no branco que a ausência deste documento não pode ser invocada para impedir o embarque de passageiros por qualquer serviço de transporte transfronteiriço (aéreo, ferroviário, rodoviário ou marítimo).

A proposta legislativa para o estabelecimento de “um quadro comum para a emissão, verificação e aceitação de certificados interoperacionais” relativos à “vacinação, testagem e recuperação da covid-19” estabelece critérios uniformes para a emissão e o reconhecimento destes documentos, e medidas para a protecção dos dados pessoais e da privacidade dos seus portadores. 

Para assegurar a segurança e autenticidade, os certificados terão obrigatoriamente que conter um código QR e uma assinatura digital. Relativamente à “validação” do estado de imunidade, o que está previsto, é que os Estados membros reconheçam obrigatoriamente a vacinação com qualquer uma das vacinas aprovadas pela Agência Europeia do Medicamento, e que aceitem a validade dos testes de anticorpos, por um determinado período.

A Comissão abre a porta ao reconhecimento da imunização com outras vacinas que não constam no portfólio europeu e não estão autorizadas pela EMA mas estão a ser administradas por alguns Estados membros, como e o caso da russa Sputnik V ou da chinesa Sinopharm. Mas essa será uma decisão que cada país terá de tomar individualmente.

Para a Comissão avançar com esta “solução europeia”, foi fundamental a pressão exercida por um grupo de Estados membros, com a Grécia à cabeça, que ameaçavam tomar medidas unilaterais para facilitar a entrada de turistas estrangeiros, e assim “salvar” a época turística do Verão.

“A confiança é um elemento muito importante durante uma pandemia. Por isso quisemos evitar a fragmentação, e propor uma nova ferramenta com vários elementos para estabelecer um sistema comum e que garante que os cidadãos podem viajar livremente e em segurança, sem restrições e sem discriminação”, explicou o comissário europeu com a pasta da Justiça, Didier Reynders, na apresentação da proposta.

Ao contrário do que aconteceu no passado, o executivo não se limitou a divulgar orientações ou recomendações que os Estados membros podem ou não cumprir (as matérias de saúde pública e gestão de fronteiras são competências nacionais) e desenhou um instrumento legislativo que, depois da negociação e aprovação do Parlamento Europeu e Conselho da UE, entrará em vigor como um regulamento comunitário de aplicação temporária.

Esse carácter temporário foi, de resto, vertido para as disposições do regulamento, que estabelece o período da pandemia como o seu próprio “prazo de validade”. Segundo confirmou Didier Reynders, assim que a organização Mundial da Saúde declarar o fim da pandemia, a UE retomará o quadro “regular” de liberdade de circulação, e o sistema deixará de ser necessário.

A proposta da Comissão apenas regula os aspectos técnicos associados à liberdade de circulação, deixando à discricionaridade dos Estados membros a decisão política sobre outros “direitos” associados ao certificado verde, isto é, quais as medidas restritivas que deixarão de ter de ser cumpridas pelos detentores deste documento à chegada ao país, e outros eventuais usos adicionais (por exemplo, o acesso a espaços fechados ou a participação em eventos colectivos).

A única “imposição” de Bruxelas é que todas as “isenções” sejam aplicadas de forma uniforme a todos os detentores do certificado verde: cidadãos da União Europeia e os seus familiares, independentemente da nacionalidade, e nacionais de países terceiros que tenham residência na UE ou um visto para a entrada no território europeu. Mas a Comissão lembrou esta quarta-feira que na consideração dos outros usos associados, os Estados membros devem respeitar os princípios da proporcionalidade, necessidade e não discriminação.

A opção por um instrumento legislativo pode comprometer a celeridade da criação e entrada em funcionamento deste sistema interoperacional antes dos meses do Verão, que é o grande objectivo dos países cujas economias estão mais dependentes da retoma da actividade turística. O processo legislativo ordinário costuma prolongar-se durante meses, e durante esse tempo, as propostas sofrem várias emendas e alterações: os eurodeputados, e a presidência portuguesa do Conselho da UE, terão de trabalhar em contrarelógio para aprovar o regulamento a tempo de entrar em vigor em Junho.

Além do mais, segundo a avaliação dos serviços da Comissão, o trabalho técnico de construção da infra-estrutura digital também exige várias semanas para ser implementado. A Comissão destinou uma verba de 50 milhões de euros para apoiar os Estados membros a montar o sistema, baseado na rede eHealth.

Numa primeira reacção à proposta da Comissão, a eurodeputada Karima Delli, que preside à comissão de Transportes e Turismo do Parlamento Europeu, elogiou a tentativa de definição de uma estratégia comum para “ultrapassar o risco de discriminação e fragmentação de critérios sanitários”, mas considerou que são precisas “mais cautelas” e “garantias adicionais” para avançar com a isenção do cumprimento das medidas restritivas.

“Uma vez que este projecto de certificado sanitário permite alargar o painel de provas imunitárias, como por exemplo testes serológicos, PCR e infecções recentes, para não haver discriminação das pessoas não vacinadas, será necessário estabelecer garantias adicionais”, observou.

Em paralelo, a Comissão Europeia preparou um plano para um levantamento coordenado e progressivo das medidas restritivas, em função da evolução da situação epidemiológica. Tal como a proposta do “certificado verde digital”, o plano deverá ser discutido pelos chefes de Estado e governo da UE na reunião do Conselho Europeu da próxima semana.

Segundo anunciou a Comissão, o Centro Europeu para a Prevenção e Controlo de Doenças vai apresentar brevemente um modelo para o ajustamento das acções e medidas específicas à evolução do quadro epidemiológico, de forma a orientar as decisões de cada Estado membro (e a sua margem de manobra) no processo de desconfinamento.