A segunda desgraça das vacinas
Por reacção impulsiva, por combinação entre os Estados mais poderosos, ou por efeito de manada, a vacina da Astra foi sonegada em dúzia e meia de países europeus, enquanto continua a abrir o futuro no Reino Unido ou nos Estados Unidos.
Há 18 países da União Europeia que decidiram congelar a sua devoção à ciência e, entre a desorientação e o pavor, suspenderam as vacinas da AstraZeneca. Se no final do ano passado foi preciso esperar pelo aval da Agência Europeia de Medicamentos (EMA, no acrónimo em inglês) para que as vacinas chegassem aos europeus, agora, o saber e competência da agência foram ignorados. Se na altura a EMA teve nas suas mãos o poder de decidir sobre a saúde pública europeia, desta vez ninguém esperou pelo seu parecer e, quando esse parecer chegou, valeu zero. Quando, esta segunda-feira, a directora da EMA sublinhou que os benefícios da vacina da AstraZeneca ultrapassam os riscos, ninguém a quis ouvir.
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Há 18 países da União Europeia que decidiram congelar a sua devoção à ciência e, entre a desorientação e o pavor, suspenderam as vacinas da AstraZeneca. Se no final do ano passado foi preciso esperar pelo aval da Agência Europeia de Medicamentos (EMA, no acrónimo em inglês) para que as vacinas chegassem aos europeus, agora, o saber e competência da agência foram ignorados. Se na altura a EMA teve nas suas mãos o poder de decidir sobre a saúde pública europeia, desta vez ninguém esperou pelo seu parecer e, quando esse parecer chegou, valeu zero. Quando, esta segunda-feira, a directora da EMA sublinhou que os benefícios da vacina da AstraZeneca ultrapassam os riscos, ninguém a quis ouvir.
Por partes: a existência de episódios tromboembólicos é geradora de preocupação e exige uma gestão delicada da sensibilidade da opinião pública. Acreditar que numa democracia um governo poderia encolher os ombros face a esta ameaça seria irrealista. Mas nem o zelo com a saúde e as preocupações dos cidadãos recomendavam uma resposta rápida e emocional. Ao parar por reflexo um processo crucial para o futuro próximo, a vacinação, com base em suspeitas não comprovadas nem reconhecidas pela ciência, a Europa mostrou a flacidez do costume sempre que é preciso coragem, confiança e determinação. A menos que a ciência conteste o que sabemos hoje, não agiu para o seu bem, nem a favor da vacinação.
Não havendo nexo de causalidade provado entre os casos de tromboembolismo e a vacina da AstraZeneca, sendo certo que todos os medicamentos têm contra-indicações, tendo em conta que os casos registados são estatisticamente irrelevantes, sabendo-se que os europeus precisam de ser vacinados em massa para travar o custo social e económico da covid-19, esperava-se que a Europa não se comportasse como uma barata tonta. Foi isso que aconteceu. Por reacção impulsiva, por combinação entre os Estados mais poderosos, ou por efeito de manada, a vacina da Astra foi sonegada em dúzia e meia de países europeus, enquanto continua a abrir o futuro no Reino Unido ou nos Estados Unidos, onde se encontra em fase de aprovação.
Mesmo sabendo que a suspensão das vacinas pode revelar um saudável desejo de proteger algumas pessoas, os governos puseram de lado essa questão magna da política democrática que tem que ver com o interesse geral. Numa linguagem gélida, que a vida tantas vezes exige, concentraram-se nas escassas mortes que ecoaram na imprensa e esqueceram centenas de vidas que a vacina poderia salvar nas próximas semanas. Equilibrar uma e outra prioridade é difícil. Mas a política a sério é fazer escolhas. Escolher o medo e ignorar a ciência não é política a sério.
Editorial actualizado às 7h35, com a informação que a vacina da AstraZeneca se encontra ainda em fase de aprovação nos EUA, depois de as autoridades terem acumulado um stock de milhões de doses que países como o Brasil estão a reclamar.